Nota: 1,0/5,0
Antes mesmo de chegar ao catálogo da Netflix, Insatiable já estava causando grande polêmica na mídia. Afinal, seu trailer mostra Debby Ryan usando enchimento, em determinados momentos, para contar a história de Patty (uma ex-gordinha em busca de vingança) e gerou diversos comentários sobre como tal produção estaria incentivando a gordofobia. Porém, nunca é certo julgar qualquer coisa apenas por peças promocionais. É necessário ver a obra completa. Somente após isso, é possível dizer que, neste caso, tal desconforto é apenas a ponta do iceberg.
Em resumo, a sátira mostra como Patty se tornou magra após levar um soco e ser obrigada a seguir uma dieta líquida por três meses. Enquanto busca dar o troco em todos que fizeram bullying, a protagonista também chama a atenção de Bob (Dallas Roberts), um advogado, com carreira em declínio, que é obcecado por treinar jovens em concursos de beleza. Logo em seu piloto, já fica claro como a criadora Lauren Gussis deseja abordar o máximo de tópicos polêmicos possíveis na comédia. O que não teria problema, pois o humor pode (e deve!) ser usado para criticar e debater "tabus". Mas, para ter sucesso, as piadas precisam funcionar!
Dentre os (muitos) tópicos pesados abordados pela série, desde o início, incomoda ver uma recorrente anedota envolvendo uma falsa acusação de assédio sexual — algo que não poderia ter sido lançada em pior timing. Mas o show vai além, desbravando diversas frases homofóbicas, além de falar sobre estupro e questões religiosas de forma superficial, sem nunca abordá-las de maneira profunda. Nem transforma tais momentos em críticas sobre a sociedade nas quais eles se apresentam. Os temas apenas são jogados ali, em situações absurdas, para tentar arrancar um riso fácil e sem esforço.
Em entrevistas, Gussis falou como se inspirou em suas próprias experiências pessoas com mudanças de peso para escrever Insatiable e, obviamente, ninguém pode opinar sobre sua jornada pessoal. Mas, se a intenção da série é criticar a forma doente como os corpos das mulheres são controlados por uma sociedade sexista, tal mensagem nunca é passada. O que aparece na telinha é uma garota magra e problemática se colocando em situações doidas, enquanto não há nenhuma tentativa significativa de tentar abordar, nem mesmo entender, seus dramas emocionais e psicológicos. Mais uma vez, as jornadas de pessoas acima do peso são renegadas e transformadas em piadas de mal gosto na TV.
Sim, o show fala como o "bullying não é legal", mas não perde tempo em fazer piadas sobre a compulsão de Patty por comida — mesmo quando fica claro que a personagem deveria buscar ajuda profissional. Na defesa de Gussis, ela tenta passar a mensagem a jovem não vai atingir uma felicidade automática ao se tornar magra, mas a culpa disso sempre recaí sobre o fato de ela ter sido era gorda. E durante 12 longos episódios, nunca surge aquele momento satisfatório e ou inspirador, onde é importante perceber que o exterior não deveria importar, ao final das contas. Em determinado ponto da narrativa, o show ainda tenta usar uma figura transgênero para falar sobre o drama de não se sentir confortável com o próprio corpo, mas é algo literalmente jogado na trama, bem no estilo "piscou-perdeu".
Paralelamente, Insatiable ainda tenta desenvolver alguns arcos dramáticos com grande potencial. Dentre tantos personagens estereotipados, Sarah Colonna faz um belo trabalho ao mostrar a evolução da mãe problemática de Patty, enquanto a melhor amiga da protagonista, Nonnie (Kimmy Shields), embarca numa bela jornada de autodescoberta. Na reta final, a comédia ainda acaba surpreendendo uma trama bem interessante sobre a dificuldade de declarar sua homossexualidade na idade adulta. Só que todas essas breves tentativas de discursos sérios se perdem num show de superficialidade e piadas baratas. Seria muito mais interessante ter investido nessas histórias humanas, do que simplesmente jogar polêmicas e clichês para todo lado, a fim de chamar a atenção.
Ao invés disso, o show aposta em ferramentas superficiais para desenrolar seus arcos, seja colorir a maquiagem de Debby Ryan para mostrar qual é a "faceta atual de Debby" ou abusar da narração. Ainda tenta apelar para clichês já tão vistos em outras comédias, como paródias de Dirty Dancing e O Exorcista. Isso sem falar que o roteiro tenta surgir como um texto ácido, mas acaba rendendo algumas pérolas inexplicáveis fora de contexto, seja comparar um tumor com um demônio; ou sentenças como "Magreza é mágica" ou "Tem como abortar um demônio?". Sim, essas são frases reais do show.
É curioso perceber como, constantemente, Insatiable faz diversas referências aos anos 80, pois talvez sua história seria mais adequada para o público daquela epoca. Mas não é possível aceitar esses tipos de estereótipos em pleno século XXI, mesmo que tenham a melhor das intenções. No fim, trata-se de uma longa narrativa absurda, que não faz rir, e acaba ofendendo quem tenta ajudar. Então, qual é o sentido?