Nota: 3/5
A Netflix não estava brincando quando disse que Samantha! seria uma comédia "tipicamente brasileira". Ao invés de reproduzir modelos sociais norte-americanos, o projeto trabalha com ícones bem conhecidos do imaginário nacional: a ex-estrela mirim desesperada para reconquistar a fama, o jogador de futebol fracassado e envolvido em problemas com a justiça, a blogueira adolescente superficial, o apresentador de TV mulherengo, o empresário sem escrúpulos...
Além de constituírem um prato cheio para a comédia, estes coloridos personagens servem para criticar as raízes do comportamento que muitos brasileiros consideram ao mesmo tempo a nossa maior força e a nossa maior fraqueza: o "jeitinho", a malandragem, a pequena corrupção do dia a dia. O vício pela fama, o uso excessivo das redes sociais, a relação promíscua da mídia com a política são temas importantes, que merecem ser parodiados. Prepare-se para piadas inteligentes com Roberto Carlos, Susana Vieira, Fábio Jr. e outros nomes que não vamos contar para não estragar a surpresa.
O elenco é excelente: Emanuelle Araújo tem recursos de sobra para interpretar a personagem principal, oscilando entre a ternura, a malícia e o egocentrismo. Paulo Tiefenthaler, Daniel Furlan, Gilda Nomacce e Rodrigo Pandolfo constituem reforços de peso à primeira temporada. Lorena Comparato, em especial, rouba a cena sempre que aparece: a atriz consegue extrair o máximo humor de sua personagem blogueira sem ridicularizá-la, demonstrando um trato afiadíssimo nos diálogos.
O resultado, infelizmente, é comprometido por escolhas de roteiro e de direção. Os episódios possuem uma estrutura muito semelhante, e portanto repetitiva: Samantha consegue uma nova oportunidade de fama, desperdiça-a por desespero, e no final surge um salvador de lugar algum, oferecendo uma nova oportunidade, e assim por diante.
Paralelamente, alguns personagens centrais precisariam de maior desenvolvimento. Os filhos do casal Samantha-Dodói (Douglas Silva) não possuem conflitos próprios, limitando-se a orbitar em torno da mãe. Os atores mirins possuem diálogos escritos demais, tendo dificuldade de torná-los naturais em cena. Mesmo Dodói carece de desenvolvimento em sua trajetória de jogador-que-não-joga: o roteiro encontra dificuldade em ocupar de modo verossímil qualquer outro personagem além da protagonista.
O trabalho de enquadramentos e montagem é estático, fragmentado demais - algo que até poderia ser interessante caso utilizado de modo crítico. Luís Pinheiro, um dos diretores, desenvolveu uma linguagem fluida e ambiciosa em Mulheres Alteradas, mas este caminho não se reproduz na série: com seus simples planos de conjunto, Samantha! reproduz cacoetes da televisão, transparecendo a clausura excessiva dos personagens confinados em cenários com aparência de estúdio.
Se a intenção é abordar a fama e os símbolos sociais, seria essencial que Samantha andasse pelas ruas, que fosse conhecida pelas pessoas fora de sua casa, que a blogueira interagisse com outros jovens, que Dodói tivesse uma relação com o mundo que o cerca. Este universo imagético é hermético, teatral demais. O projeto ganharia muito em humor e profundidade caso permitisse algo mais próximo do acaso, do naturalismo contrastado ao exagero dos figurinos e do desespero da cantora-atriz-apresentadora.
Mesmo assim, a série demonstra potencial, além de um importante senso de crônica, conseguindo captar tanto as características mais marcantes dos anos 1980 quanto aquelas dos anos 2010. O gancho para a segunda temporada é perigoso, mas extremamente promissor, caso os criadores consigam retirar os seus personagens-tipos de cenários fechados e diálogos fechados, permitindo que ganhem o mundo.