Nota: 3,0 / 5,0
A primeira temporada de Legion conquistou tanto pela sua exuberância quanto pela ousadia no formato. Afinal de contas, mesclou da melhor forma possível o lúdico, em um uso da linguagem visual de dar inveja a qualquer Doutor Estranho (2016), e o necessário para uma história que parte de um material de quadrinhos. No segundo ano, Noah Hawley deixa a primeira destas características prevalecer, entregando uma temporada um pouco mais confusa (e cansativa) do que a anterior. Mesmo assim, no entanto, a trama chega a um resultado final condizente, e deveras curioso.
O que não quer dizer que o caminho não tenha sido tortuoso. Ao longo dos 11 episódios da segunda temporada (três a mais do que a primeira), muitas horas foram dedicadas a uma exibição do estilo e da forma que beira o egocentrismo. É claro que trata-se de um visual rico e interessante, mas não é algo que tem muito significado quando a produção acaba deixando de lado outros pontos mais importantes, como o desenvolvimento do texto e das relações pessoais entre os personagens.
Desde o início da série, David Haller (Dan Stevens) foi o centro da trama, o personagem principal e em torno de quem a história sempre girou. Mesmo assim, foi notório o crescimento dos personagens secundários, como Cary e Kerry Loudermilk (Bill Irwin e Amber Midthunder), Lenny (Aubrey Plaza) e Syd Barret (Rachel Keller). Aqui, todos estes coadjuvantes ganharam mais espaço na trama, mas foram raros os momentos em que algum deles, à exceção de Syd, teve algum aprofundamento psicológico. A impressão que fica é que a identidade visual que a primeira temporada estabeleceu subiu tanto à cabeça de roteiristas e produtores que todo o resto ficou de lado.
Legion: Crítica da primeira temporadaTome como exemplo os episódios 8 e 9 (Capítulos 16 e 17). Mesmo para os espectadores mais atentos, são episódios extremamente desafiadores, e nem mesmo o visual é o bastante para prender a atenção quando pouco ou quase nada do que está sendo contado de fato faz algum sentido. Os diálogos são lentos e desinteressantes, o grande escopo da trama desaparece e compreendê-los acaba sendo um exercício cansativo.
O completo oposto acontece nos episódios 6 e 11 (Capítulos 14 e 19). O sexto imagina várias outras realidades para David, outros caminhos que sua vida poderia ter tomado a partir de escolhas feitas por ele. Novamente, aqui, o grande arco da temporada fica de escanteio, mas o contraponto é valioso: o público é levado a enxergar a angústia do protagonista, suas incertezas e o risco de uma eterna e imutável infelicidade que o assombra. Ao mesmo tempo (e isso só é possível de se enxergar de fato após o fim da temporada), é um lembrete do quanto as escolhas feitas por David poderiam transformá-lo em qualquer tipo de pessoa — inclusive no vilão de sua própria história.
A season finale de Legion aperta o passo e consegue resolver tudo o que não foi tão bem desenvolvido ao longo da temporada. É curioso lembrar que inicialmente, a segunda temporada teria 10 episódios, e o 11º foi anunciado ao longo do caminho. É bem possível que a série pudesse ter se saído perfeitamente bem, ou até melhor, com um episódio a menos, mas a impressão que fica é que a equipe percebeu tarde demais que a história estava se engolindo, e que seria necessário dar uma explicação um pouco mais elaborada dos acontecimentos da Divisão 3.
De certa forma, a confusão e os excessos da segunda temporada de Legion lembram um pouco a recepção atravessada da própria segunda temporada de Twin Peaks — da primeira parte, antes de David Lynch e Mark Frost serem forçados a revelar quem era o assassino de Laura Palmer. Lá, o caso era que o público foi ficando exausto das divagações de Lynch, mas mesmo assim havia conteúdo sendo apresentado de forma linear. Aqui, talvez o estranhamento com a segunda temporada de Legion esteja relacionado ao mesmo cansaço, mas é extremamente complicado passar por cima disso quando não há elementos básicos da narrativa, como personagens em quem confiar ou as suas motivações para entender, quando eles tomam atitudes questionáveis.
Mesmo com problemas na narrativa emperrada, Legion consegue identificar suas insuficiências na reta final, com um ótimo último episódio. Nele, estão de volta os elementos que fazem da adaptação do FX uma história que vale a pena ser vista, mesmo com algumas frustrações pelo caminho. David é o vilão responsável pelo fim do mundo, uma reviravolta dificilmente previsível, mas completamente coerente com o desenvolvimento do personagem. Ele é o vilão. Sempre foi. O que coloca Sydney Barret no lugar de destaque que ela veio escalando durante toda a temporada. Ainda assim, o custo é alto.
Na reta final do episódio, ela diz em alto e bom tom: “Você me drogou e fez sexo comigo.” Em um momento anterior, o episódio declara que David é o vilão exatamente porque é incapaz de tomar decisões saudáveis. Além de ter de fato os poderes de mutantes, também tem problemas psicológicos. Estes dois aspectos (o fato de David ter abusado de Syd e suas tendências maléficas) são apresentados dentro da mesma linha narrativa, o que dá a ideia de causa e consequência. Logo, a conclusão seguinte é que a série está o isentando da responsabilidade de ter estuprado a ex namorada, uma vez que coloca novamente na história o fato de ele não ter a mesma posse de suas capacidades mentais.
Com todas estas questões, a segunda temporada de Legion termina sem inocentá-lo de qualquer coisa diretamente, puxa o tapete do público em relação a protagonismo e definições de bom e mau, e abre espaço para que os Loudermilk e Syd tenham mais destaque ainda na temporada três. Colocar o personagem em quem o público aprendeu a confiar do lado oposto da história é uma jogada arriscada, mas não fora do escopo do prolífico Noah Hawley.
Por fim, é definitivamente uma temporada que divide opiniões, mas que poderia ter olhado com um pouco mais de cuidado para os motivos que fizeram a primeira funcionar. Lembra aquele filho de Twin Peaks com o primeiro álbum do Pink Floyd? Ele se tornou um adolescente de gostos duvidáveis. Quem sabe na próxima ele vire um adulto.