“Leve o meu coração quando partir.”
No oitavo episódio da segunda temporada, Westworld mais uma vez arrisca alto. Se em episódios anteriores, o público conheceu Shogun World e (brevemente) The Raj, aqui o foco continua no primeiro parque, mas se volta para a até então pouco explorada tribo Ghost Nation (ou Nação Fantasma, para facilitar) em uma hora que pode facilmente ser definida como a mais singular da série até o presente momento.
Ou alguém estava esperando ter o coração partido pela surpreendentemente triste história de Akecheta (Zahn McClarnon)?
Ao entregar o protagonismo a um personagem até então secundário, o que “Kiksuya” faz não é exatamente algo inédito na televisão. O que torna o episódio algo único é o formato que ele utiliza para contar uma história que ao mesmo tempo é tocante e cumpre o objetivo de adicionar uma peça (ou várias) ao grande quebra-cabeças da temporada. Além disso, se destaca dos demais por deixar de lado as reviravoltas temporais (o que é um descanso para o cérebro do espectador, que não precisa ficar a todo momento tentando entender quando o episódio vai ou volta na linha do tempo) e por ser capaz de desenvolver com mais profundidade uma história específica, ao invés de alternar entre os vários sub-núcleos.
Uma das grandes provas da genialidade de Westworld está em enxergar, na segunda temporada, o resultado de pequenas sementes plantadas na primeira. Este episódio é o resultado disso, uma vez que tece várias explicações sobre os grandes temas, ancorado em detalhes que já haviam sido apresentados lá no início. A origem do subtítulo da temporada (“A Porta”) está no pobre Logan (Ben Barnes). O labirinto desenhado por todos os cantos do parque era obra de Akecheta, silenciosamente tentando continuar o trabalho de Arnold. O líder da Nação Fantasma está ligado às histórias de origem tanto de Dolores (Evan Rachel Wood) quando de Maeve (Thandie Newton). E ele tem feito há décadas o que elas apenas começaram.
Mas se ele já estava acordado desde o momento em que Dolores matou Arnold, por que não começou a rebelião antes das duas, então? Mais uma vez, tudo é obra de Ford. Ciente disso (e dos desenhos do labirinto que Ake estava deixando pelo parque), o criador pediu a ele que esperasse: “Quando o Ceifador vier para mim, você vai saber juntar o seu povo e levá-lo para um novo mundo.” Ou seja, Ford o instruiu a esperar até o momento em que Dolores o matasse para levar a Nação Fantasma embora. Provavelmente, então, ele sabia que Dolores seria implacável em sua jornada em modo Wyatt, e que suas próprias criações não se entenderiam. “Agora é hora de achar A Porta antes que o Ceifador acabe com todos nós”, diz Akecheta posteriormente. O que será que vai acontecer quando todos chegarem ao “Além do Vale” (ou À Porta) ao mesmo tempo?
O fato de Dolores ser chamada de Deathbringer não deve passar despercebido aqui. Cada vez mais, parece que a personagem está sendo colocada em uma posição vilanesca, seja pelos seus modos violentos ou pelo quanto demonstra ser impiedosa. Vale lembrar aqui de quando, no início da temporada, ela teria matado um membro da Nação Fantasma dizendo que “nem todos merecem ir para o outro mundo.” Agora, há a cruel possibilidade de ela ter matado algum anfitrião que estava acordado.
Mas as tendências vis de Dolores não são o destaque do episódio. Pelo contrário, ele faz uma certa reflexão sobre o colonialismo ao revelar que, enquanto Dolores sempre se considerou a mais forte por ter ‘acordado primeiro’, uma tribo indígena já havia percebido há décadas o que estava acontecendo, e ninguém jamais prestou atenção aos significados de seus símbolos.
A história de amor trágico de Ake e Kohana (Julia Jones) é emocionante porque se apega aos detalhes, e traça paralelos reconhecíveis com as tragédias gregas ao fazer relações com o inferno e a existência de “outros mundos”. A jornada de Akecheta em busca de sua amada reflete, em menor escala, o ciclo de tragédias a que todos os demais anfitriões estiveram (ou estavam) sujeitos dentro do parque. No fim, trata-se de um episódio bastante distinto do restante da série justamente porque ousa quebrar completamente com os padrões prévios, mas ao mesmo tempo que conta uma história fechada (que poderia muito bem ser um ‘filler’), faz esta história refletir e ser refletida no todo. Daí justamente sua eficiência e sua beleza.
Outros esclarecimentos:
- Entre outras revelações, o episódio justifica o que teria levado Logan à loucura. Após tantas horas exposto ao sol e desidratado, o rapaz pode não ter conseguido voltar a si mesmo após o resgate, e desta forma cedeu às drogas e ao álcool. Não sem antes ter sido a pessoa que deu a ideia a Akecheta de que há uma saída. Justo Logan, o mais cético, é um dos motivos do início da revolução. Ah, a ironia…
- Não parecia fazer sentido a Nação Fantasma ter atacado a casa de Maeve e da filha, já que esta era construída em uma zona pacífica do parque. Apesar de que na primeira vez Ake e sua tribo podem de fato ter ido atacá-la, o que ele estava fazendo depois era protegê-la. As memórias de Maeve não estavam totalmente corretas, afinal de contas.
- Alguns fãs já suspeitavam que a Nação Fantasma estava salvando humanos, e o episódio confirma. O objetivo deles, possivelmente, é o de obter ajuda para encontrar A Porta.
- O que estava acontecendo no final? Simples: Maeve estava usando a Malha da Rede para se comunicar com Akecheta, e ele estava contando a história para ela, não necessariamente para a filha. É por isso que ela repete a frase dele, um detalhe que dá um senso de completude à história, pois a motivação dele seguirá sendo uma promessa de amor.
Episódio: 2.08 - Kiksuya
Escrito por: Carly Wray e Dan Dietz
Dirigido por: Uta Briesewitz
Exibido originalmente em: 10/06/2018