Nota: 4,5 / 5,0
“Um casal de filhos. O Sonho Americano. Nunca suspeitei. Ela é bonita. Ele tem sorte.”
Um dos elementos mais singulares de The Americans sempre foi o uso de figurino e maquiagem. Durante seis anos, peruca atrás de peruca fez com que Keri Russell e Matthew Rhys interpretassem personagens dentro de personagens como uma verdadeira matrioska. Mas o verdadeiramente impressionante dessa história na verdade é o som. A trilha sonora utilizada em momentos certos e o mais distante possível do óbvio rendeu algumas das cenas mais memoráveis da série, como o incrível episódio “The Magic of David Copperfield V: The Statue of Liberty Disappears”, da quarta temporada, e a cena final do episódio “Amber Waves”, o primeiro da quinta temporada. Foi a sensação de angústia e urgência assombrando cada tensão expressa em gestos ou em olhares que fez de The Americans um ponto tão singular na história da televisão. Foi a falta de necessidade de falas que fez das atuações de Russell e Rhys pontos primordiais que elevaram o nível do já ótimo roteiro.
Justamente por isso não deveria ser uma surpresa que os momentos mais catárticos do episódio final tenham sido tão pouco expositivos. A exposição nesses casos, aliás, é praticamente desnecessária. O grande momento de confronto entre Stan (Noah Emmerich) e os Jennings é silencioso, é de prender a respiração; não é nada parecido com o confronto entre Walter White (Bryan Cranston) e Hank Schrader (Dean Norris) em Breaking Bad, mas é igualmente devastador. Isso se não um pouco mais, pois há muitas verdades na confissão de Philip. Bem como a missão se misturou com a vida real e ele e Elizabeth realmente se tornaram um casal, a amizade com Stan nunca foi apenas uma obrigação. Há uma quebra de confiança real ali entre dois homens solitários que durante os últimos anos foram melhores amigos.
Embora possa ser vista como um dos grandes dramas da Terceira Era de Ouro da TV (e provavelmente o último, considerando o fim e a queda de qualidade de House of Cards), The Americans tem características únicas. Aqui, não estamos falando em uma jornada solitária do anti-herói, como foi o caso de Walt, de Don Draper (Jon Hamm) de Mad Men, de Tony Soprano (James Gandolfini). Família não é a consequência do desenvolvimento pelo qual eles passam, é o que move estas mudanças. A principal pergunta que a série fez durante suas seis temporadas e seus 75 episódios foi uma só: A sua lealdade está com qual família, a americana ou a russa?
No fim, Philip e Elizabeth tinham uma decisão cruel a tomar, mas os eventos que levaram a série ao episódio final (intitulado “START”, em referência ao tratado de redução de armas estratégicas que marcou o fim da Guerra Fria), diminuíram tanto as suas possibilidades que só havia realmente uma saída, a mesma saída que era a planejada desde o início da operação: abandonar o país.
Mas abandonar os Estados Unidos e voltar para a URSS significava também o abandono de laços reais construídos ao longo dos anos. Embora fosse um plano do qual ambos tinha consciência e para o qual estavam preparados, o que está em jogo aqui é o preço sentimental que esta escolha tem para a família e para todos aqueles afetados por ela, sobretudo Stan. Não importa onde está a lealdade, porque a escolha já havia sido feita por eles.
Uma das características mais interessantes da TV (que a difere amplamente do Cinema, mesmo tratando de sagas) é o tempo com o qual se permanece com os personagens. Para elenco e produtores é uma faca de dois gumes: há mais espaço para desenvolvê-los e entendê-los, mas também há o dever de não desvirtuá-los, e de explicar suas mudanças de personalidade, torná-las naturais. Mais uma vez The Americans é vitoriosa aqui. É possível entender perfeitamente cada decisão de cada personagem no episódio final. É apenas a coisa óbvia que eles fariam sendo quem são, e a rapidez com que Philip sugere que eles não levem Henry (Keidrich Sellati) apenas deixa claro que aquela é uma decisão que ele já raciocinava, embora os dois nunca tivessem encarado o assunto de frente. Mas ele não está errado, deixar o garoto foi um gesto altruísta pensando no melhor dele.
Enquanto a grande maioria das séries de TV aumenta o raio de possibilidades de acontecimentos para os seus arcos finais, The Americans navega na direção oposta e retorna às regras básicas que havia concebido desde o início. O estreitamento deste laço poderia ser perigoso, não ser avassalador o bastante, ser previsível a ponto de retirar a carga dramática, não ter o peso e a sensação de encerramento de um episódio final. Mas isso não acontece porque o roteiro segue exatamente as regras que ele mesmo criou, fazendo com que tudo ali soe perfeitamente natural. O último giro da faca está na decisão de Paige (Holly Taylor) ao descer do trem e permanecer nos Estados Unidos. Está na despedida silenciosa entre ela e os pais, expressa em olhares de terror e apologéticos pela janela. Está na angústia de dois agentes da KGB e de um agente do FBI que realmente não tinham outra opção a não ser seguir em frente com uma sensação inebriante de culpa. Philip e Elizabeth por deixarem para trás os filhos. Stan por ter feito amizade com o inimigo e jamais saber realmente se aquilo foi verdade ou mentira. Cá para nós: foi as duas coisas.
O que faz do episódio final de The Americans tão doloroso é o entendimento de que, naquela altura, indiscutivelmente a família importava mais aos Jennings do que a missão, que para eles já não fazia sentido. Philip já estava aposentado; Elizabeth estava tentando impedir os planos do Centro. Mas mesmo assim, eles precisaram escolher a URSS, uma casa irreconhecível e sem os filhos. “Nós vamos nos acostumar”, diz Elizabeth, em russo. Tem outro jeito?
Enquanto muitos esperavam que o episódio final de The Americans trouxesse pelo menos uma morte, conflitos armados e reviravoltas impensáveis, Joe Weisberg e Joel Fields se mantiveram fiéis ao instinto básico de darem mais atenção aos detalhes. Apenas uma vez se vê armas empunhadas, e nenhuma delas dispara. É devastador, mas a destruição fica no campo psicológico, sempre o ponto forte deste drama de espionagem. E como a trilha sonora (num golpe praticamente fatal) deixou claro, a vida continua. “With or Without You.”
Missão cumprida, Camaradas.