Uma plateia empolgada lotou o painel do criador de The Handmaid’s Tale no segundo dia da Rio2C 2018, evento de audiovisual que acontece no Rio de Janeiro. Bruce Miller veio ao Brasil, convidado pela produção, para falar sobre a primeira temporada da premiada série protagonizada por Elisabeth Moss, e dar alguns detalhes do que está por vir na segunda temporada, que estreia nos Estados Unidos no próximo dia 25 de abril.
Fã declarado da obra de Margaret Atwood, Miller revelou que leu “O Conto da Aia” pela primeira vez quando estava estudando narrativas em tempos de faculdade. Ele explica que, por sua dislexia, tem o hábito de ler alguns livros mais de uma vez, e não foi diferente com esta obra.
O roteirista, no entanto, não é alheio ao estranhamento inicial de se ter um homem caucasiano na direção criativa de uma série tão focada no universo feminino — algo a princípio contraditório, sobretudo em tempos de #MeToo e movimentos que buscam dar destaque às vozes femininas na indústria do entretenimento.
“Eu raramente escrevo homens de 42 anos com três filhos e nascidos no Stamford, então é habitual escrevermos pessoas completamente diferentes de nossas realidades”, comparou em uma autorreferência. Mesmo assim, ele destaca que não está sozinho no comando de The Handmaid’s Tale, e que as mulheres têm papel essencial na sala dos roteiristas e por trás das câmeras. A excelente Reed Morano, por exemplo, dirigiu os três primeiros episódios da série, essenciais para estabelecer o tom opressor e angustiante que se tornou marca da produção.
“Elas me explicam coisas que eu nem mesmo imaginava que poderiam existir”, explicou, citando uma discussão em que as mulheres falavam de seus ciclos menstruais durante uma reunião de roteiro, e chegaram à conclusão que cada uma o sente de formas totalmente distintas. “Isso nos ajuda a descrever as decisões e os pensamentos de June, a lidar com as suas sutilezas de forma natural.”
Sem medir elogios a Moss (que ele carinhosamente chama de “Lizzie”), Miller lembrou que a atriz também é produtora, e afirmou que ela está presente na tomada de decisões o máximo que pode. “Muitas vezes, atores ou atrizes têm créditos de produção apenas como uma outra forma de ganhar dinheiro ou para terem algo a mais para incluir no currículo. Mas Lizzie de fato está interessada em fazer o trabalho, opinar, assistir aos cortes. Vê-la trabalhando é um presente para nós”, confidenciou.
Claramente empolgado por falar com o público brasileiro, Bruce Miller revelou ainda detalhes da rotina do elenco durante as filmagens. Segundo ele, por exemplo, Ann Dowd (Tia Lydia) é “um doce de pessoa”, apesar de ser completamente assustadora em cena. Já Yvonne Strahovski, a Serena Joy, é “a pessoa mais boca suja do set”. Ele também lembrou que, embora Madeline Brewer (Janine) e Samira Wiley (Moira) terem feito parte do elenco de Orange Is the New Black na primeira temporada, a primeira cena das atrizes juntas foi em Handmaid’s.
Os Desafios da Narrativa
Há algo particularmente desafiador em se adaptar uma obra tão renomada quanto ‘O Conto da Aia’, e a pressão aumenta ainda mais quando a própria autora do livro está presente nos sets. Miller recordou uma participação especial de Atwood durante uma cena da primeira temporada, e disse que, ao contrário do que se esperaria normalmente, a escritora incentiva que mudanças sejam feitas na história: “Ela já viu esta história adaptada várias vezes, para o cinema, teatro, ópera… e ela incentiva que façamos alterações”. De fato, Miller explicou que Atwood está mesmo é bastante empolgada para a segunda temporada, que deverá avançar para além do livro. “Ela não diz coisas do tipo ‘Isso não vai funcionar, façam de outro jeito’. Ela fica muito contente por descobrir o que faremos com suas personagens.”
Já quanto à sua própria experiência, o produtor revela que se sente até mais confortável com a produção da segunda temporada do que estava com a primeira, já que está mais acostumado a trabalhar sem ter a base de um livro em que se inspirar. Ao mesmo tempo, trata-se de um desafio justamente por causa das expectativas geradas. “Não quero ser o cara que estragou The Handmaid’s Tale. Quero que Margaret Atwood goste de mim!”
É claro, ele não fugiu de algumas críticas iniciais às adaptações. A diferença de idade e fisionomia de alguns personagens da série para os livros — especificamente, o Comandante (Joseph Fiennes) e Serena Joy (Strahovski) — foi alvo de questionamentos, com muitos fãs chegando a acusá-lo de ter feito as escolhas apenas pensando em atrair audiência. Aos poucos, porém, as conversas nas redes sociais foram se modificando naturalmente e o público passou a analisar a adaptação individualmente. “Não sei exatamente o que acontece, mas os fãs de The Handmaid’s Tale têm sido muito meticulosos ao debater os temas na internet. Eles me ajudam bastante.”
Os Desafios Técnicos
A apuração visual da série também foi tema de conversas, e Miller revelou uma forte influência de filmes da década de 1970, como O Bebê de Rosemary e o cinema de Stanley Kubrick, para a composição das cores e dos ambientes. O autor explica que a direção de arte é pensada através de uma iniciativa muito simples, mas pouco vista na televisão atualmente: tudo o que é visto (e ouvido, com a trilha sonora) está ponto de vista de Offred (Moss), justamente para refletir o que ela está absorvendo das situações. Por isso, a narrativa depende muito tanto da apuração técnica quanto da atuação.
Até mesmo a ausência de maquiagem é importante. Miller explica que, em virtude das filmagens em 4K, é necessário que as atrizes usem pouca maquiagem — caso contrário, ficaria muito evidente na câmera, e naquele universo elas não se maquiariam. “Isso faz com que as atuações se destaquem mais ainda, porque qualquer movimento dos rostos fica muito mais evidente.”
Na Política e Além
Se muito do sucesso de The Handmaid’s Tale se deu em virtude do quão próxima à realidade ela parece ser — sobretudo durante os flasbhbacks que mostram como se formou a Gilead —, Miller explica que tenta não pensar muito sobre isso ou se preocupar em tecer paralelos entre a série e os eventos reais. “Se eu me preocupar com isso, vou acabar fazendo uma série ruim. Mas enquanto grupo, o nosso time é muito antenado politicamente, então este tipo de relação não passa despercebida por nós.”
Prometendo ser ainda mais perturbadora, a segunda temporada de The Handmaid’s Tale terá mais cenas de flashback para explicar o passado de June e da Gilead. Miller promete que os novos episódios são mais difíceis, justamente porque são mais realistas. “Isso foi um grande destaque na primeira temporada, e não teríamos motivos para fugir deste ângulo na segunda. Então, vamos em frente.”