Conhecido pelos trabalhos em Tropa de Elite e Narcos, o diretor José Padilha chega agora com um de seus projetos mais polêmicos: O Mecanismo. A série gira em torno da Operação Lava Jato, sendo livremente inspirada no livro "Lava Jato - O Juiz Sergio Moro e os Bastidores da Operação que Abalou o Brasil", de Vladimir Netto.
Ao contrário dos envolvidos no filme Polícia Federal - A Lei é Para Todos, que apresentavam um posicionamento político mais claro e não se preocupavam em citar nomes do processo, Padilha e a Netflix preferiram se resguardar, usando nomes falsos e admitindo a alteração de fatos. Isso não significa, é claro, que não se trata de uma obra política, uma vez que alguns nomes falsos são facilmente identificados, como Lula tratado apenas como Presidente ou Dilma, que virou Janete.
O cineasta é muito talentoso e tem um bom domínio da narrativa, o que fica evidente nos dois primeiros episódios, dirigidos por ele. Para comandar os outros seis, foram convocados parceiros de longa data, como Marcos Prado, Felipe Prado e Daniel Rezende. O AdoroCinema teve acesso aos três primeiros capítulos, então, aqui podemos falar mais especificamente apenas dos trabalhos de Padilha e Felipe Prado.
A trama tem seu pontapé inicial em 2003, quando uma investigação do delegado Marco Ruffo (Selton Mello) tem como foco o doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Diaz), que está sempre escapando da justiça. Dez anos mais tarde, Ibrahim volta a receber a atenção por parte da Polícia Federal, em operação comandada pela discípula de Ruffo, Verena Cardoni (Caroline Abras). Agora, o doleiro parece ainda mais sem controle e ligado a campanhas políticas dos dois principais partidos envolvidos na eleição.
Ao focar a atenção na polícia e não nos políticos, a série ganha pontos e consegue se apresentar como um envolvente drama investigativo. Conhecedor do gênero, Padilha busca tudo aquilo que deu certo quando contou as sagas do capitão Nascimento e de Pablo Escobar. Temos momentos íntimos dos personagens mesclados com cenas de ação e uma narração contextualizando a situação.
O espectador mais experiente, por sinal, irá se incomodar um pouco com a narração muito explicativa. Por outro lado, a decisão de dividir o espaço entre Mello e Abras abre um leque interessante de possibilidades, sem contar que dá voz a uma personagem feminina forte.
Veterano do cinema e da TV, Selton tem bons momentos nos primeiros episódios, com direito até a uma divertida frase de efeito ("Fez merda, né?"). No entanto, ao se ver diante de algumas cenas mais dramáticas, o ator acaba se perdendo um pouco no melodrama, surgindo afetado de certa forma. Diaz, por sua vez, cria um vilão carismático, que não deixa de apresentar seu lado humano, principalmente em seu relacionamento com a filha. Isso não normaliza o crime, mas mostra que corruptos não são necessariamente monstros. São humanos, o que significa que são capazes de atitudes monstruosas.
É interessante ver Padilha envolvido num projeto que diz com todas as letras que o "trabalho do policial não é subir o morro". De certa forma, há uma sequência ao transcorrer dos fatos de Tropa de Elite 2. Embora conte com vários méritos técnicos, a produção é falha do ponto de vista narrativo, oferecendo roteiros pouco profundos e alguns diálogos realmente vazios.
Padilha assumiu o risco ao decidir contar uma história tão próxima dos dias atuais. Quando parece uma ficção, funciona. Quando deixa evidente que é uma versão da realidade, decepciona.