“Quando você tem tudo o que poderia sonhar, o que você valoriza? Nada.”
John Paul Getty II sintetiza desta forma o relacionamento de sua família — e mais especificamente de seu pai — com o dinheiro, no segundo episódio de Trust. A nova série do canal FX, idealizada pelos premiados Danny Boyle e Simon Beaufoy, traz a saga da família Getty durante o conturbado sequestro do herdeiro, John Paul Getty III, e todas as contradições e reviravoltas que expuseram os relacionamentos quebrados da dinastia bilionária.
Trata-se, sim, da mesma história que Ridley Scott adaptou para os cinemas em Todo o Dinheiro do Mundo, estrelado por Mark Wahlberg, Michelle Williams e Christopher Plummer. Aqui, Boyle e Beaufoy exploram não apenas o sequestro, mas sim utilizam o acontecimento para estudar cada um dos membros da família, suas motivações e questões pessoais. O sequestro não é o centro da trama, é um motor que traz à tona as particularidades destas pessoas que têm tanto dinheiro que nem sabem o que fazer com ele.
Os três primeiros episódios (aos quais o AdoroCinema obteve acesso com antecedência) mostram com precisão a que vieram. Mesmo tratando-se de um diretor de cinema migrando para a TV, não existe aqui aquela história de a temporada ser, na verdade, “um filme de 10 horas”. Cada um dos episódios tem uma identidade muito forte e são completamente diferentes, o que faz com que imprimam desta forma suas próprias verdades naquela versão da história. Por serem tão distintos em tonalidade e em direção eles acabam contribuindo às suas próprias maneiras para que vários ângulos sejam esclarecidos e todos os personagens tenham seu tempo de tela.
Em um deles, por exemplo, conhecemos a fundo quem é o magnata John Paul Getty, Sr (Donald Sutherland) em todo o seu requinte, sua ponta e suas excentricidades com o dinheiro. Em outro, acompanhamos Fletcher Chace (Brendan Fraser) e Gail Harris (Hilary Swank) em uma aventura particular de investigação em busca dos sequestradores — com direito a quebra de quarta parede e tudo. No terceiro, a visão do próprio sequestrado John Paul Getty III (Harris Dickinson) é que toma a frente, e o público é agraciado com sua visão da história, seu modo de vida que rejeitava a fortuna do avô, e como exatamente ele acabou com uma orelha a menos.
Ao mesmo tempo em que cada episódio imprime algo diferente, todos eles impulsionam a trama. Como em um quebra-cabeças, eles vão apresentando informações sobre os personagens ao invés de darem enfoque especificamente ao sequestro. Ao mesmo tempo que é leve consegue ser rica em detalhes, muito em razão de um elenco para lá de competente.
Sutherland está incrivelmente assustador e mostra várias facetas do seu personagem: um homem complexo que demonstra mais apreço pelo dinheiro que pelo bem-estar da família, que olha com certa desconfiança para aqueles que não têm o mesmo ponto de vista que ele. Calculista, ele tem muitos problemas de relacionamento com os filhos justamente pelas escolhas particulares que estes fizeram em suas vidas adultas. Mas também mantém seu próprio harém particular, e por razões óbvias tem um certo apreço pelo sexo e pelas futilidades. Das quais, inclusive, a câmera raramente foge.
Brendan Fraser é um deleite em cena. Sua interpretação é propositalmente fanfarrona, mas no perfeito limiar entre um homem que amedronta e um esquisitão do Texas que fala mais do que faz. Ele é inteligente e, mais do que isso, esconde sua esperteza e consegue passar despercebido. Enquanto isso, Hilary Swank despeja toda a sua emoção em uma atuação dramática, mas longe de ser exagerada.
O J. Paul Getty III de Harris Dickinson é um rapaz de 16 anos que leva uma vida dourada e hippie em Roma, rodeado de namoradas, amigos e drogas, sem pensar no dinheiro que não quer. Sua mãe leva uma vida doméstica junto ao maridos e aos outros filhos, a única realmente desesperada para resgatar o garoto.
Cada um dos personagens desta história tem uma relação diferente com o dinheiro, seja de desejo ou de rejeição, de cansaço ou desprezo. Mas todos os pontos de vista apresentados têm suas vantagens e suas fraquezas. Embora ainda seja cedo para afirmar se a primeira temporada de Trust realmente traz algo completamente inovador, ela joga muito bem no formato televisivo, com personagens e atores interessantes o bastante para fazer com que o público retorne e queira acompanhar o desenvolvimento desta história. E isso, acredite, é mais que o suficiente: é viciante.
Trust estreia no Brasil no dia 2 de abril, às 21h, no FOX Premium 1.