Transparent logo se tornou uma favorita da crítica e tema de profundos debates quando estreou a primeira temporada, lá em 2014. Em um contexto sócio-político diferente do atual, que começaria a tomar forma pouco mais de um ano depois, a decisão de colocar um homem cisgênero para interpretar uma personagem trans — enquanto pessoas trans continuam marginalizadas pela indústria, em qualquer tipo de papel — foi pouco questionada, embora a discussão sempre existisse. Agora, com as denúncias de assédio contra Jeffrey Tambor devidamente investigadas e o ator demitido da série, temos à frente duas possibilidades: o fracasso total ou o impulso que faltava. Qual dos dois será?
Apesar de esta não ser a única mudança da quinta temporada (a criadora da série, Jill Soloway, deixa o cargo para Jill Gordon e vai atuar “apenas” como produtora executiva, roteirista e diretora), é definitivamente a maior. Transparent sempre girou em torno de Maura Pfefferman e sua relação com os filhos enquanto passa pelas fases de ter se assumido transsexual depois de uma vida quase inteira. Sobretudo nas primeiras temporadas, Maura era a personagem que impulsionava a história para frente, mas há tempos o texto deixou de lado o olhar condescendente sobre a personagem. Sim, ela é uma mulher trans em posição de minoria, mas continua se aplicando à lei universal e tendo problemas de relacionamento com os filhos.
A partir de meados da segunda temporada e sobretudo na terceira e na quarta, Transparent parou de tratar Maura como o centro do Sistema Solar e entendeu que suas ambições e seus pensamentos são muito mais tragáveis quando ela está no contexto familiar. Todos os personagens, aliás, funcionam melhor quando são trabalhados em conjunto. Isso evita a repetição de arcos, como o problemático casamento de Sarah (Amy Landecker) todas as vezes que a série recorreu à infância de Maura e ao seu passado em família para explicar quem ela é no presente.
É exatamente por isso que a saída de Jeffrey Tambor pode ser algo positivo para a quinta temporada de Transparent. Algumas das passagens mais memoráveis da série estão na terceira temporada, e são protagonizadas por Judith Light abrindo para o mundo as questões internas de Shelly. A própria Ali (Gaby Hoffman) trouxe algo de novo na quarta temporada ao questionar a sua identidade de gênero e a necessidade de haver uma identificação.
Mas a impressão que fica é que o roteiro sente a obrigação de voltar sempre para Maura, mesmo não tendo exatamente como tornar sua história mais interessante que os demais arcos. O potencial aqui é grande justamente porque existe uma infinidade de personagens ricos ali pouco explorados que agora terão a oportunidade (e o espaço) para serem trabalhados. Há as amigas trans de Maura que sempre ficam à sua sombra. Há os problemas de insegurança de Josh (Jay Duplass), e a própria questão de como a demissão de Tambor será tratada e explicada dentro da trama. História tem. Basta contar.
É claro que todo o contexto é desagradável, e o motivo por trás da demissão de Jeffrey Tambor extremamente infeliz. Mas isso acaba duplicando o potencial da nova temporada de criar uma trama socialmente relevante e que converse com a luta feminina e o movimento Time’s Up. Estamos torcendo. O que você acha?