Nota: 5,0 / 5,0
A moda interminável de revivals e reboots inundou a televisão e o cinema com obras requentadas e dispensáveis nos últimos anos, mas One Day At A Time faz o exato oposto de tudo isso. O formato multicâmera, com claque e tudo, faz com que a série pareça uma produção datada e aquém do humor que ganha os críticos e os prêmios atualmente. Mas e se ela fizesse o que a TV faz de melhor, e provasse que o conteúdo determina a forma?
Chega a ser quase absurda a simplicidade do argumento de uma família de origens cubanas ganhando a vida nos EUA, mas o real truque (ou melhor, a esperteza) que salta aos olhos está em um cuidado que vai além do que se vê apenas nas telas. Ao trazer para os bastidores, para a sala de roteiristas e para o time de produtores, pessoas que têm aqueles locais de fala, ODAAT arranca risadas sem fazer esforço. E se já fazia isso muito bem na primeira temporada, na segunda faz ainda melhor.
A segunda temporada de uma série cuja primeira foi extremamente elogiada é um desafio e tanto. Ela precisa provar que foi boa não apenas ‘por sorte’, que é capaz de manter o nível, e ainda lida com as expectativas — que na grande maioria dos casos servem apenas para piorar tudo. Aqui, no entanto, tudo corre melhor do que se imaginava.
Se a primeira temporada deu a Elena (Isabella Gomez) o tempo justo para que se aceitasse e saísse do armário (em cenas lindas e emocionantes, diga-se de passagem), a segunda vai além e traz para a discussão temas como identidade de gênero e ritos de passagem que são naturalmente difíceis, como o primeiro relacionamento. O roteiro consegue ser ao mesmo tempo hilário e informativo, exatamente porque segue brincando com a diferença geracional entre Elena, Penelope (Justina Machado) e Lydia (Rita Moreno).
Assim, é inteligente em dois sentidos. Primeiro, porque expõe que pessoas não-binárias existem, um gesto de representatividade extremamente importante, e faz piada com a dificuldade (quase natural, aliás) de se entender tais conceitos quando não se tem contato com comunidades LGBT. É divertido sem precisar ser ingênuo, o que nos leva a uma notícia de última hora: é possível fazer humor que envolva gays e lésbicas sem ofender ninguém. Uau! Que conceito, hein?
Um outro ponto em que a segunda temporada supera a primeira é no tratamento de Alex (Marcel Ruiz), que aqui começa a ser mais central na história não apenas como alívio cômico, mas com suas próprias questões. É por ele que vem à luz um caso de xenofobia, por exemplo, que dá início a uma discussão sobre privilégio e fenótipos apresentada com tanta propriedade que já fica óbvio em um primeiro olhar que houve ali um cuidado extremo com o texto. Uma pessoa que não tivesse conhecimento de causa não escreveria aquela cena tão bem, e é por isso que o nome de Gloria Calderon Kellett, showrunner ao lado de Mike Royce, não deve passar despercebido.
Embora os dois melhores episódios da temporada (e sérios candidatos prematuros a melhores episódios de séries de 2018) venham só na metade final da temporada (o 8 e o 9, respectivamente intitulados ‘What Happened’ e ‘Hello, Penelope’), momentos brilhantes são pincelados ao longo de toda a jornada. Há belas discussões sobre o armamento, sobre a importância do voto, sobre estabilidade financeira e emocional, relacionamentos e desafetos. Estes dois episódios, particularmente, tocam em pontos extremamente sensíveis, e trazem uma visão rascante de dois tipos diferentes de trauma. Ansiedade e depressão nunca foram retratados de maneira tão real na TV. É brutalmente doloroso e honesto e, ao mesmo tempo, confortante para aqueles que se identificam.
Justina Machado e Rita Moreno estão fenomenais, Isabella Gomez é icônica sem nem tentar, e Marcel Ruiz é uma força da comédia a ser reconhecida. Não há lado ruim. Até mesmo quando tira sarro do privilégio branco com Schneider (Todd Grinnell), a temporada faz de suas lutas algo extremamente pessoal a fim de criar empatia e torná-lo um personagem com mais de uma dimensão.
Aliás, estamos esperando aquele Globo de Neve, Netflix.
One Day At A Time pegou o formato mais cansado de comédias de TV que existia no universo e o transformou em algo vivo, dinâmico e complexo. A série é atual, divertida, inteligente e emocionante e acessível a qualquer público. Muitas vezes você vai chorar de tanto que se identifica, e gargalhar três minutos depois com algum absurdo dito por Abuelita. Continue assim, série.