Começa neste dia 24 de fevereiro, na Fox Premium, uma série ousada: Rio Heroes, história de um lutador que abandona os campeonatos regulamentados e abre a sua própria disputa clandestina, muito mais sangrenta e lucrativa. Nesta coprodução entre Mixer Films, NBCUniversal e Fox Group Network, Murilo Rosa interpreta Jorge Pereira, personagem inspirado no lutador homônimo que criou o campeonato ilegal.
Depois de nossa conversa com Murilo Rosa, Duda Nagle e o diretor Pablo Uranga, encontramos também os criadores da série, os roteiristas Fábio Danesi, Camila Raffanti e Alexandre Soares Silva. Eles explicam as fronteiras entre o real e a ficção, o posicionamento da série sobre a violência no esporte e a preparação necessária para escrever uma história sobre esse tema:
Como vocês apresentam o Rio Heroes?
Fábio Danesi: A série é baseada na história real de um campeonato de vale-tudo semiclandestino criado pelo Jorge Pereira, um ex-lutador de vale-tudo e de jiu-jitsu. Na carreira dele, ele integrou uma geração que não ficou milionária com o ensino profissionalizado. Ele viu o comecinho da comercialização do MMA e UFC, mas não se adaptou a regras. Ele é contra regras.
Camila Raffanti: Para ele, a luta de verdade é feia de ver. Não tem esse negócio de parar, tomar água, assistir com namorado, comendo pipoca.
Fábio Danesi: Ele ficou cego de um olho numa luta e parou de lutar. Em 2007, voltou porque conheceu um empresário americano e veio para o Brasil para montar esse campeonato de vale-tudo, sem regra nenhuma: entram dois, sai um. Simples assim. Nos Estados Unidos isso é proibido, mas como é algo que acontece aqui, tudo bem. Então ele burlava a legislação dos dois países. A primeira temporada fala da primeira edição desse campeonato, e vai até o vencedor.
Quando aconteceram os fatos reais, exatamente?
Fábio Danesi: Entre 2007 e 2008. Na vida real o campeonato acabou porque o Jorge colocou uns caras para lutarem num estacionamento de rua e filmou para mandar ao investidor nos Estados Unidos. Em um desses vídeos, um cara se machucou – quebrou um vidro na cabeça, sangrou e tal – e mostrava o Jorge falando coisas como “É só um sanguinho, não vi ninguém dormir ainda”. Ele ficava incentivando a luta, ele não é um juiz imparcial. Mas esse material vazou e a imprensa caiu em cima. Então vieram problemas com a polícia e o investidor americano saiu do projeto. Mas até que durou bastante: foram 14 campeonatos, com uma infraestrutura que melhorava a cada edição.
Camila Raffanti: Também não temos compromisso de fazer as coisas acontecerem dessa maneira na série. É interessante imaginar o que teria acontecido se tivesse continuado, de que maneira este negócio ilegal se inseriria na sociedade. Então desperta uma curiosidade, um fascínio e uma repulsa ao mesmo tempo. O personagem é cheio de ambiguidades e contradições, ao mesmo tempo que é o idealista de um tipo de luta.
De que maneira o Jorge Pereira real está associado ao projeto?
Camila Raffanti: Jorge Pereira é o nosso consultor, e um parceiro também.
Alexandre Soares Silva: O Jorge lê os roteiros, ajuda com os temas. Ele inclusive conversou com o Murilo Rosa, que interpretar o papel dele na série.
Fábio Danesi: A gente conversa o tempo inteiro com o Jorge. Mandamos mensagens via What's App e, de repente, vêm oito ou nove mensagens. Ele é empolgado, animado.
Existe um limite imposto por ele ou por vocês mesmos sobre o que mostrar e o que ocultar?
Alexandre Soares Silva: Não. Ele tem orgulho de todas as brutalidades, das histórias grotescas e violentas que viveu. Ele tem muito orgulho dessas coisas, na verdade.
Camila Raffanti: O melhor aspecto é que o Jorge entendeu a ideia de ficção. Então ele interpreta o projeto como uma homenagem, por ver que os valores do campeonato vão estar na série. Mas como criamos um universo inteiro em volta de personagens fictícios, a história inevitavelmente parte para a ficção.
Fábio Danesi: Os personagens inspirados em pessoais reais são o Jorge, o Rogerinho (o braço direito dele, interpretado pelo Duda Nagle) e a esposa do Jorge.
Camila Raffanti: Também inserimos o investidor americano, mas não é um investidor real.
Que tipo de pesquisas vocês fizeram sobre o universo das lutas para escreverem o roteiro?
Camila Raffanti: A gente não assistiu a muitas lutas pessoalmente. Vimos muito material de luta gravado, estudamos a história do UFC, do Vale-Tudo, do MMA. Buscamos todas as histórias que deram origem ao MMA para entender os códigos, o repertório deles, o vocabulário específico.
Fábio Danesi: A produtora Mixer já fez vários documentários de luta, entrevistando muitos lutadores, então existia bastante material em vídeo. Mas pessoalmente, nem gosto de assistir. Eu tinha um interesse dramático de contar a história.
Camila Raffanti: Eu tinha até repulsa. Mas de repente, quando você vê, está colado na tela. Foi surpreendente para mim. Comecei a entender o fascínio das pessoas com este esporte. A partir de um momento, ele acessa algo primitivo, e você se pega dizendo: “Vai! Dá cotovelada!”. Ele desperta uma coisa interessante. Você descobre uma possibilidade do ser humano e pensa: “Não é possível que as pessoas sejam capazes disso”.
Podemos esperar um posicionamento claro de Rio Heroes em relação às lutas clandestinas, seja contra ou a favor?
Fábio Danesi: O público vai encontrar os dois lados. O Jorge, evidentemente, defende. Tem o antagonista, que é o presidente da Associação de Vale-Tudo. Ele afirma que demoraram anos para conseguirem que a luta fosse aceita como esporte, então o campeonato desse maluco poderia ser um retrocesso.
Camila Raffanti: Não existe a intenção de criar um posicionamento na série. Estrategicamente, a gente criou o personagem Pipo (Ronny Kriwat), que é o narrador, um menino comum. Ele tem a mesma perplexidade que a gente, sentindo atração e repulsa pelo esporte ao mesmo tempo. Ele tem dúvidas, fica fascinado, gosta desses personagens, mas se assusta quando passam do ponto na violência. Costurando esses pontos de vista, a série traz o olhar de uma pessoa de fora, que não luta.
Qual é o público-alvo da série?
Fábio Danesi: Quando eu lancei a ideia da série, me disseram que era muito masculina. Depois, com as pesquisas, perceberam que muitas mulheres gostam. A gente tinha estatísticas de que as compras de produtos no site da UFC eram feitas 40% por mulheres.
Camila Raffanti: O público é bem variado e amplo. A série discute questões universais que servem à dramaturgia de forma completa. Estamos falando de ambições, de frustrações humanas. A intenção era que, nas cenas de luta, o que estivesse em jogo fosse muito mais do que ganhar ou perder o dinheiro da aposta. Cada personagem tem diversos elementos em jogo: a autoestima, a relação com a família... São pessoas diferentes que se juntam numa tentativa de ter um lugar no mundo, e o Rio Heroes aborda muito isso. Existe uma união, o objetivo de pertencer a alguma coisa maior do que você mesmo. A série está acima do esporte. Não precisa gostar de luta para gostar de Rio Heroes; isso que é o mais legal.