“The Man Who Would Be Vogue” é um título com uma referência quase óbvia, esclarecida definitivamente nos primeiros minutos do episódio. Enquanto Gianni Versace (Édgar Ramírez) acorda e cumpre sua rotina matinal na Casa Casuarina, do outro lado da rua Andrew Cunanan (Darren Criss) sucumbe ao desespero e à obsessão, sentado à beira da praia com uma mochila ao lado e o gosto da bile voltando do estômago. Na bolsa ele tem dois itens: a arma do crime (ou dos crimes) e um livro, intitulado “The Man Who Was Vogue: The Life and Times of Condé Nast”, biografia escrita por Caroline Seebohm e publicada em 1982.
O fato de o assassino ter este livro consigo no momento em que decide cometer o crime pelo qual ficaria eternamente conhecido é uma das formas de Ryan Murphy destacar o jogo de opostos que é a segunda temporada de American Crime Story. O enorme cold open que traz o momento crucial da história, o assassinato de Gianni Versace em si, é uma construção quase homérica que já bate o martelo sobre quem é o centro da história. Nesta trama, Versace é um ponto de partida para a mente perturbada e desconhecida de Andrew Cunanan, o estopim explanado antes de a série voltar sete anos e começar a mostrar quem é aquele personagem.
Como deve ser qualquer bom piloto, o primeiro episódio de The Assassination of Gianni Versace: American Crime Story mostra o suficiente para que o público entenda quem são os personagens — Cunanan é estabelecido como um mentiroso patológico, uma mente perturbada que se camufla bem entre os demais e tem um desejo irrecuperável de se sentir importante. Antonio D’Amico (Ricky Martin) parece um espelho para a imaturidade social em lidar com (ou simplesmente reconhecer) a população LGBT. Donatella Versace é uma estrategista que não perde tempo — o que não significa que ela não sinta a morte do irmão; a atuação de Penélope Cruz, aliás, a coloca merecidamente como uma fortaleza essencial para que a Versace continuasse de pé.
Desta forma, o episódio define as duas linhas narrativas que deverão conduzir toda a temporada; de um lado, a caçada executada pela polícia (opa inapta, ora precisa), que deverá ser apresentada ao mesmo tempo em que o passado do serial killer e sua relação com Gianni Versace são desvendados. Do outro, fica a história do tempo presente da série, com Donatella, D’Amico e Santo (Giovanni Cirfiera) tentando controlar a comoção pública e a narrativa sobre a vida pessoal de Versace — definitivamente o ponto mais sensível da história, haja vista que é uma polêmica que a família rechaça até hoje.
Se a direção exagerada de Ryan Murphy pode ser desgastante em certas ocasiões, aqui ela traz harmonia para o ambiente glamoroso e coloca o produtor em águas confortáveis que ele domina desde os tempos de Nip/Tuck. O que de fato cansa é o roteiro, que sai de sua rota propositalmente a fim de reafirmar a importância da figura de Gianni Versace e como ele construiu seu império da moda — discursos extremamente artificiais e destoantes de todo o resto.
O segundo ponto que deve rapidamente se tornar raso é exatamente o núcleo investigativo da polícia, talvez pelo teor procedural ou pela óbvia diferença no elenco — é muito mais interessante ver astros do cinema interpretando personagens conhecidas, por exemplo. Mas a história tem para onde ir e o Andrew Cunanan de Criss é interessante o suficiente para fazer o público retornar para mais alguns episódios. Agora, resta aguardar.