Existe uma diferença brutal, que muito passa despercebida, entre listar as melhores séries e listar os melhores episódios de séries do ano. Quando enumeramos as melhores séries, estamos analisando a temporada como um todo, tentando anotar o que ela alcançou no final de sua jornada, como o fez e por que se tornou significativa para o contexto social em que está inserida.
É claro, as métricas usadas por cada crítico costumam ser bastante diferentes — como, de fato, devem ser —, mas normalmente as séries que ficam no topo das listas são aquelas que conseguem reunir de maneira mais orgânica os melhores elementos de drama e comédia, ou aquelas que mais quebraram padrões. Quando tratamos de episódios, no entanto, não estamos analisando necessariamente os que trouxeram as maiores revelações ou reviravoltas, mas aqueles que apresentam o conjunto da obra satisfatório, em termos de roteiro, direção e atuação.
Alguns dos episódios que constam nessa lista desafiaram tudo o que conhecemos por ‘regras básicas’ do audiovisual, e por terem feito isso de forma brilhante (que será naturalmente justificada), fizeram por merecer seus lugares de prestígio. Há ainda a observar que isso não significa necessariamente que os episódios desta lista adiantam quais são as melhores séries do ano segundo o AdoroCinema. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, já diria o filósofo.
Sem mais delongas, e antes que a lista seja reordenada pela décima vez, ao que interessa:
20. Star Trek: Discovery, ‘Magic to Make the Sanest Man Go Mad’ (1.07)
Nas palavras de Vitória Pratini: O episódio marca uma homenagem aos clássicos da franquia; organizado em looping temporal, traz as melhores convenções do subgênero, numa mescla efetiva de comédia e drama. O episódio ainda é crucial para o desenvolvimento do romance na temporada, o que talvez não acontecesse não fosse por ele.
19. Girls, ‘American Bitch’ (6.03)
A sexta e última temporada de Girls ficou longe de ser memorável e interessante como a primeira. O desgaste da série já era grande. Mas um episódio específico se destacou dentre todos por oferecer algo novo em toda trajetória da produção: um episódio engarrafado. Escrito por Lena Dunham, o capítulo 'American Bitch' trazia Hannah visitando o apartamento de luxo de um cultuado escritor, vivido pelo ótimo Matthew Rhys. O escritor questionava Hannah sobre um artigo que ela escreveu em que o atacava, após o surgimento de algumas acusações de assédio contra ele. O personagem de Rhys passa o episódio inteiro tentando passar sua visão dos casos, enquanto Hannah segue sempre sua postura questionadora. Até que nos deparamos com um final surpreendente. Um episódio inteligente, bem conduzido e completamente atual, principalmente por tudo que aconteceu nos meses seguintes à sua exibição. (Lucas Salgado)
18. GLOW, ‘Maybe It’s All the Disco’ (1.08)
Para uma série marcada pela mistura subversiva, quase kitsch, de comédia e drama, GLOW vai longe quando abraça um assunto hiper-delicado em um contexto ainda mais sensível do que o contemporâneo. Talvez propositalmente, talvez não, mas as implicações sociais são enormes. A verdade é que [SPOILER] a abordagem do tema aborto é tão naturalizada neste episódio que chega a ser catatônico. É de longe o mais realista da série, e poucas vezes o tema, que deveria ser desmitificado, é trazido com tanta lucidez. Ele não amacia a realidade dos fatos, mérito de Alison Brie e sua incrível atuação, mas também das autoras da série, Liz Flahive e Carly Mensch.
17. Catastrophe, ‘Capítulo 6’ (3.06)
O episódio final da 3ª temporada de Catastrophe, também conhecido como "a última coisa que Carrie Fisher gravou antes de morrer", curiosamente é um que trata do luto, em toda a sua dureza e complicação após uma morte repentina. Seria cômico se não fosse trágico, porque o personagem que morre sofreu um AVC durante um vôo, enquanto voltava pra casa. Pensando, bate até uma coisa ruim.
E aí a Mia (Fisher) dá o ar da graça em alguns momentos, faz graça, irrita, é adorável. Como sempre foi. Só faltou falar de Gary, o cachorro, que foi um tipo de piada recorrente da personagem nas temporadas anteriores.
Ela conforta a viúva enlutada, depois fica entediada e vai embora, dá uma bronca no filho e pergunta à nora se tem o canal da Oprah na TV. É uma participação que amarra a história no lugar, porque aborda um contraponto entre relacionamentos diferentes entre pais e filhos, mas também não é nada extremamente significativo. Ou não seria, se não culminasse na ironicamente trágica coincidência da vida. Que fez um episódio sobre o luto de uma filha que perdeu o pai de repente, e não teve tempo para se despedir, ser a última coisa que a Carrie Fisher gravou antes de ela — e sua mãe, Debbie Reynolds — morrerem de repente, sem tempo para ninguém se despedir.
A vida tem uma maneira bem distorcida de nos fazer pensar nas coisas.
16. American Gods, ‘Git Gone’ (1.04)
American Gods é visualmente impressionante em toda a sua extensão, mas é em ‘Git Gone’ que ela consegue reunir com maestria o melhor de três mundos: além de toda a cinematografia que salta aos olhos, o episódio aposta alto ao entregar todo o protagonismo para uma única personagem, ao invés de ‘pincelar’ por vários como fizeram outros. A estratégia não apenas ‘funciona’. Funciona e muito! É o ponto alto da temporada por dar ao público a chance de conhecer uma das personagens, Laura Moon (Emily Browning), mas porque se transforma em uma análise existencialista condensada. É totalmente episódico, e funciona independente dos demais; mostra toda a extensão da atriz, e expõe os lados bom e ruim da personagem sem condescendência.
Por fim, seu maior mérito é sabiamente se afastar dos livros e estender a história de Laura Moon ao invés de necessariamente alterá-la — o que rendeu até mesmo o elogio de Neil Gaiman.
15. FEUD: Bette & Joan, ‘And the Winner Is… (The Oscars of 1963), (1.05)
Se até a metade da temporada, FEUD era extremamente mediana, é com o episódio 5 que ela mostra de fato a que veio. Em um show à parte, a grande responsável pela grandiosidade é Jessica Lange, e sua incrível performance de toda a decadência e desespero que vão tomando conta de Joan Crawford. O retrata especificamente os conturbados bastidores do Oscar de 1963, a que Crawford não recebeu uma indicação, mas Bette Davis sim. A hora é a porta de entrada para o que é realmente o tema de FEUD, ou o que deveria ter sido desde o início: a angústia latente instigada pela indústria, o excesso de crueldade de Hollywood, e o quão isso tudo é prejudicial, sobretudo às mulheres.