Nota: 4,0 / 5,0
Apesar de a Rainha Elizabeth ser o elemento principal de The Crown, ela não é a única personagem da história. A primeira temporada abriu amplo espaço para explorar as relações familiares e profissionais que aconteciam ao seu redor, e a segunda continua nesta linha, destacando as suas próprias inseguranças e os momentos conturbados do casamento com Philip.
The Crown é uma experiência agradável aos olhos e à mente por diversos motivos: sejam os riquíssimos cenários, os belos vestidos ou o suntuoso elenco reunido, assistir aos episódios é um deleite. Não há reviravoltas grandiosas ou completamente inesperadas, ou aqueles detalhes do roteiro que passam quase despercebidos mas serão essenciais depois. É um entretenimento ‘fácil’, o que de maneira alguma é um demérito. Pelo contrário, na verdade: a condução dos episódios é tão orgânica, e o ritmo se encaixa tão bem para o tipo de história sendo contada — essencialmente britânica —, que uma hora se transforma na outra com a facilidade de virar páginas de um livro.
No segundo ano da série, acompanhamos a família real crescendo, Charles em idade escolar e a Rainha expandindo sua descendência. As questões pessoais não chegam a tomar o centro da trama inexoravelmente, e o equilíbrio entre a influência da Rainha na política e o cotidiano em família continua bem dosado. Mas há ramificações interessantes (e questionáveis) na abordagem da relação matrimonial. O casamento de Elizabeth (Claire Foy) e Philip (Matt Smith) encontra alguns percalços a caminho da primeira década, agravados pelos rumores de adultério por parte dele, e isso o coloca de maneira definitiva no centro da temporada. A jogada faz sentido — ele é parte da Coroa, afinal de contas, e talvez tenha ficado de escanteio nos dez primeiros episódios —, mas também é algo extremamente irritante. Dificilmente Philip foi o personagem mais querido da primeira temporada, e a segunda decide que a solução é colocar ainda mais cenas dele. Sinto muito, Peter Morgan. Nada disso ajudou à causa do Duque de Edimburgo.
O ‘excesso’ de Philip, no entanto, não chega a diminuir a temporada. Há uma tentativa honesta de redimi-lo com o episódio 9, que mostra a experiência de Charles na escola e traça um paralelo com a própria infância do pai, conturbada e traumática. Mas a história flui melhor quando coloca os holofotes em Elizabeth, sua mãe e sua irmã, que talvez tenha sido um dos pontos altos da primeira temporada. Aqui, a história de Margaret (vivida com uma urgência invejável por Vanessa Kirby) fica de lado, mas ilumina quando surge. Ela é uma personagem que está à beira do caminho entre a realeza e a burguesia, e a contradição e infinidade de nuances que compõem sua essência são alguns dos elementos mais humanos da história, aqueles com os quais o público pode se identificar através de suas inseguranças e sentimentos de inferioridade.
Esta questão de inferioridade, no entanto, chega através de Elizabeth durante a visita dos Kennedy. A presença de Jackie e a inevitável comparação feita pela própria Rainha já começam a introduzir na história a transição do elenco (que será feita a partir da terceira temporada) em razão da idade e passagem do tempo. Em termos técnicos, é difícil enxergar Jodi Balfour como Jacqueline Kennedy, sobretudo após a impressionante atuação de Natalie Portman no longa Jackie, de Pablo Larraín, mas Claire Foy faz um trabalho impressionante de mostrar todos os questionamentos de Elizabeth através de gestos simples e olhares. Há uma fortaleza velada em sua atuação, que mostra uma Rainha amplamente segura quando observa-se a postura física e a pronúncia das palavras, mas por baixo disso uma mulher que também precisa equilibrar um casamento aos tropeços e que busca sempre ‘atropelar’ o mínimo possível o ego machucado do marido.
A segunda temporada de The Crown continua, portanto, tão cativante quanto a primeira, e aqui cabe a observação que apesar de John Lithgow ter sido uma marca no ano de estreia, o que não faltam são personagens para tirar Elizabeth de sua ‘zona de conforto’ e momentos em que ela mesma é a responsável por questionar a posição de seus Primeiros Ministros. O mais simbólico destes momentos é trazido pela própria visita dos Kennedy, mas que serve de maneira inteligente para dar um encerramento a uma questão política que foi sendo cozinhada durante toda a temporada.
A importância ideológica da visita dos Kennedy vai além do âmbito político e espelha a própria vida de Elizabeth e Philip como um casal. Não somente porque os dois casamentos estão intrinsecamente ligados à vida pública e a seus respectivos países (Estados Unidos e Inglaterra), mas porque há o contraponto entre a idealização do casamento perfeito e a realidade que ninguém vê. É advertidamente algo óbvio quando vem a reflexão após o episódio, um espelhamento fácil de ser feito e sob certos ângulos até preguiçoso, mas apesar disso cumpre o seu objetivo.
Toda a inteligência e o sucesso de The Crown devem menos ao grande orçamento que a série tem à sua disposição e mais a um pensamento que fica cada vez mais esquecido em produção de séries na era do streaming: a ambição. Em vez de querer voar alto logo de início, a série traça um objetivo único, pequeno, e vai até ele sem tentar se transformar em uma grande metáfora ou uma alegoria cansada para algo que não é. The Crown é um escape, muito bem-vindo e necessário. E que venham mais temporadas.