Nota: 3,5 / 5,0
Sem spoilers.
Quando se fala em David Fincher + uma história de serial killer, o que vem à cabeça imediatamente são obras como Zodíaco ou Seven - Os Sete Crimes Capitais. Mas Mindhunter olha para os serial killers de um outro ponto de vista, vantajoso e criativamente cheio de oportunidades: o dos próprios perfiladores do FBI, durante a década de 1970, literalmente na Era de Ouro da caçada aos assassinos em série.
A nova investida do cineasta em séries originais, após ter colocado a adaptação norte-americana de House of Cards no mundo, é um olhar forense por si só, que trata mais do próprio Departamento Federal de Investigação (o FBI) que dos seus supostos objetos de estudo. É distante dos filmes que marcaram a carreira de Fincher neste subgênero justamente porque não está preocupada em mostrar as mortes, a preparação ou o ritual do assassino, mas sim mergulhar no aspecto psicológico e tentar entender a razão que os transformou em pessoas perigosas para a sociedade.
A história de Mindhunter é baseada no livro homônimo (“Mindhunter - O primeiro caçador de serial killers americano”, ed. Intrínseca) que por sua vez é a história real do agente John Douglas, responsável por criar o perfil dos serial killers em uma época em que a expressão sequer existia, e quando ninguém estava disposto a fazer o que ele fez: ficar cara a cara com dezenas de assassinos famosos, conduzindo entrevistas que o ajudariam a traçar um padrão (ou vários padrões) para entender quem são essas pessoas e de onde surgiu o instinto ou o desejo que os fez se tornarem criminosos.
Na série, o personagem principal é Holden Ford, vivido por Jonathan Groff. Ford é um negociador de reféns que passa a ficar extremamente incomodado com a irracionalidade do que vê no campo de trabalho — apesar de fazer tudo seguindo a cartilha, ele perde uma negociação e uma vítima, o que aumenta a sua curiosidade e o instiga a buscar outros métodos de trabalho. Ele é remanejado e se torna um instrutor em Quântico, e quando começa a se interessar pelos motivos e padrões que movem os assassinos, passa a trabalhar com o Agente Bill Tench (Holt McCallany), da Unidade de Ciência Comportamental, e os dois caem na estrada na tentativa de estudar e aplicar seus métodos através de todo o país.
Assim, a temporada mescla várias cidades ao redor dos Estados Unidos numa espécie de colagem de momentos importantes para o desenvolvimento do método, enquanto cautelosamente insere momentos da vida pessoal dos protagonistas — aqui também Wendy Carr (Anna Torv), uma psicóloga comportamental que se torna consultora do FBI. O método transforma a série em um experimento de si mesma, à medida que teoria e prática se alternam ao longo dos arcos dos dez episódios. Portanto, há momentos em que investe longamente em investigação psicológica e forense, com diálogos profundos e sem remorso que descrevem com detalhes como ou por que uma mulher ou uma garota foi morta e abrem espaço para que o autor dos crimes explane o seu ponto de vista e os seus aparentes motivos. Estas cenas são algo chocante, ou no mínimo parece que era o objetivo do texto, mas muitas vezes empacam em uma direção de cena burocrática e em atuações que, talvez propositadamente, carecem de empatia e tornam muito difícil qualquer relacionamento entre público e personagens.
Em outros momentos, a narrativa se transforma em um procedural que se estende por mais de um episódio, e é neste aspecto que a temporada consegue saltar aos olhos. É a teoria da hora anterior aplicada às horas seguintes, o método de pesquisa colocado em prática. Este vai-e-volta, apesar de uma ideia potencialmente interessante e que funciona, acaba deixando mais evidentes os pontos fracos da temporada, em que nenhum personagem ou diálogo se destaca.
Ainda assim, o problema de ritmo não tem relação alguma com a precisão do texto, que é certeiro no método e faz da série um prato cheio para quem gosta de dramas de investigação criminal e de neurociência, elevando em um ou dois níveis as séries procedurais que fizeram (e ainda fazem) época na televisão aberta norte-americana. A temporada trata os crimes, as vítimas e os criminosos com bastante seriedade, mas sofre com uma exposição demorada e muito óbvia dos contrastes entre cada um dos personagens do trio principal. A burocracia da direção, que repete sem pudor as mesmas tomadas e enquadramentos padronizados e sem o menor tom de subjetividade, bate o martelo sobre o que Mindhunter de fato se dispõe a ser, e é: uma investigação acadêmica transposta para a tela, mais focada em si mesma do que na recepção e no que deixará plantado na sua audiência.
A sobriedade da estrutura narrativa é ancorada sobretudo em Holden Ford, e em algo a mais que torna o personagem interessante exatamente porque há uma certa discrepância proposital entre quem ele é em certos momentos — metódico e objetivo — e quem demonstra ser em situações que o tornam impulsivo e dado às emoções. Esta investigação pessoal, que não está em primeiro plano no objetivo da temporada, é o principal fio condutor e talvez o que difere Mindhunter dos diversos e genéricos dramas de FBI que já existem ou existiram na televisão. A atuação de Groff, centrada e perceptível nos detalhes, é imprescindível para que esta análise subjetiva funcione. Mas há uma séria falta de objetividade e nitidez dentro da primeira temporada, que talvez pudesse ser resolvida com dois episódios a menos e, dessa forma, um arco menos expositivo.
Ao fim, a primeira temporada de Mindhunter vale a pena como uma apresentação ao trabalho deste setor de investigação sociológica e comportamental pouco trabalhado em narrações fictícias, e vale destacar que o humor seco que está salteado ao longo dos episódios funciona de maneira sádica e inteligente. É mais conversa do que ação, e é uma conversa bem escrita e perspicaz, mas clama o tempo todo por algo maior, uma grande descoberta ou um grande momento que jamais chegam. Ou talvez até cheguem, já que os três últimos episódios são hipnóticos, mas é um caminho um tanto cansativo até lá.