Nota: 3,5 / 5,0
Sim, Festival do Rio também tem espaço para séries de TV! No caso, o evento proporcionou a estreia da nova temporada de Top of the Lake em território nacional. Infelizmente, o show é pouco conhecido no Brasil, mas a ousada produção de Jane Campion traz histórias que merecem ser contadas.
Quem acompanhou o primeiro ano, sabe que tudo parecia caminhar bem para a protagonista Robin (Elisabeth Moss), apesar de certas perguntas sem respostas. Logo, o espectador se surpreende ao perceber que a situação não é bem essa. Três anos após resolver um misterioso caso na Nova Zelândia, ela retorna para seu trabalho de detetive em Sydney, provavelmente ainda mais perturbada, para lidar com outro crime bem bizarro: uma mulher asiática encontrada morta dentro de uma mala jogada no mar - a 'China Girl' do subtítulo da segunda temporada.
Diante de um piloto com diferentes subtramas que acabam se encontrando de maneira inesperada, já fica claro que essa morte é apenas o pontapé inicial para o show construir um outro retrato visceral da realidade. Roteirista e diretora de metade dos seis novos episódios, Campion não tem medo de exibir sua visão do mundo: a vida não é justa, a humanidade não é perfeita e finais felizes podem seguir caminhos completamente equivocados. Você tem que aprender a lidar com isso.
Um dos grandes trunfos da produção segue sendo sua capacidade de abordar assuntos delicados, a ponto de incomodar o espectador. Mostrando a jornada de Robin para se reencontrar com a filha biológica Mary (Alice Englert, filha de Campion na vida real) e centralizando a trama numa polêmica sobre barrigas de aluguel, a série questiona qual é o real sentido de maternidade. Mãe é quem deu o óvulo? Mãe é quem carrega durante nove meses? Mãe é quem cria? É possível ser mãe à distância? E qual é o real sentido de distância, se você nem consegue dar um abraço em seu filho?
Já a vida profissional da protagonista também reforça o sexismo da sociedade atual, devido às atitudes condenáveis de colegas homens em relação à Robin e sua nova parceira, Miranda (Gwendoline Christie). A cada cena, as mulheres precisam lutar três vezes mais para ganhar respeito, se desvencilhar de cantadas baratas e fugir do estigma de sexo frágil que carregam injustamente. Não é a toa que as personagens mais complexas do projeto são mulheres. É ao redor delas que gira este mundo.
Apesar de tantos atributos e boas intenções, o resultado final da segunda temporada de Top of the Lake não atinge todo seu potencial. Por muitas vezes, a narrativa se aproveita de coincidências forçadas para resolver determinados tópicos. Ao mesmo tempo, a edição remaneja cenas de formas desnecessárias, pois tenta conectar as subtramas tantas vezes que acaba perdendo o fio da meada.
Já alguns personagens poderiam ser facilmente cortados e só surgem nas telinhas para reforçar a noção de como a sociedade não presta. Por causa disso, como foi citado anteriormente, o mistério ao redor da 'China Girl' se torna coadjuvante de sua própria história, encontrando uma resolução rápida e insossa. O próprio capítulo final tenta caprichar nos momentos de tensão e emoção, mas entrega um resultado irregular.
Uma história que ganha destaque, compreensivelmente, é a paixão de Mary pelo bizarro Puss (David Dencik). Porém, em nenhum momento, o espectador consegue entender os motivos que a fazem seguir ao lado deste homem, apesar de tantos alertas. O ator até faz um bom trabalho ao apresentar um personagem desprezível, mas o roteiro não consegue explicar como ele é atraente para a jovem. Curiosamente, é possível comparar tal trama com o drama retratado por Nicole Kidman e Alexander Skarsgård em Big Little Lies, que mergulhou, de maneira tocante, na dinâmica doentia de um relacionamento abusivo, fugindo de estereótipos. Nesse contraste, quem perde é Top of the Lake.
Por falar em Nicole Kidman, é necessário ressaltar o talentoso elenco da minissérie. Grande novidade da segunda temporada, a vencedora do Oscar por As Horas entrega aqui uma personagem complexa, defeituosa e vulnerável, mesmo com pouco tempo de tela. Outro reforço surge em Gwendoline Christie, que investe em um lado cômico - algo bem diferente de sua famosa personagem em Game of Thrones. Com o andar da história, ela também traz muita profundidade, construindo uma Miranda facilmente de ser adorada.
Mas não tem como falar de Top of the Lake sem citar Elisabeth Moss. Depois de grandes atuações em Mad Men e The Handmaid's Tale, a atriz retoma Robin de uma forma ainda mais visceral do que a primeira temporada - com destaque para os momentos em que precisa lidar com fantasmas de seu passado. Apesar de todos os defeitos da trama, ela consegue carregar a narrativa, trazendo vulnerabilidade e força para uma personagem já tão complexa e imperfeita (que lhe rendeu um Globo de Ouro no passado). Ao mesmo tempo, as dinâmicas incríveis da moça com Miranda e Ray (Geoff Morrell) trazem uma sensação humana para essa jornada tão pesada.
Com uma fotografia singular e uma trilha sonora genial, Top of the Lake é uma história desiquilibrada. Tem mais questionamentos e críticas, porém nem sempre consegue transmitir tudo que ambiciona. Já pelo lado positivo, conta com um trio de performances femininas incríveis que vão conquistar o espectador imediatamente. Ou seja, é algo imperfeito. Assim como o ser humano.