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    BoJack Horseman: Os fantasmas do passado assombram o futuro (Crítica da quarta temporada)

    Onde está BoJack?

    Nota: 4,5 / 5,0

    É fácil deixar BoJack Horseman passar despercebida dentre as infinitas atrações disponíveis no catálogo da Netflix. A premissa estranha daquele universo habitado por animais falantes que se comportam como humanos, e às vezes até se relacionam com eles, pode parecer despretensiosa e boba, mas não se engane: esta animação é exatamente o oposto.

    Ao longo das três temporadas anteriores, é incrível o quanto a série evoluiu e se reinventou. Enquanto história, trata-se da abordagem crua e honesta do que é viver com depressão. Enquanto comédia, é um olhar satírico sobre a indústria de Hollywoo(d) e as exigências surreais de estúdios e agências. Enquanto drama, é um mosaico dos relacionamentos humanos e dos desafios que diferentes pessoas e diferentes pensamentos impõem.

    Na quarta temporada, o que BoJack Horseman faz é um belíssimo trabalho conceitual pautado justamente no último destes itens: os relacionamentos humanos. Em várias frentes, mas partindo do desaparecimento de BoJack após a trágica morte de Sarah Lynn, a temporada traz à tona os fantasmas do passado do protagonista e o seu falho relacionamento familiar. Não apenas isso, mas o tema percorre todas as subtramas de forma equilibrada, trazendo a relação entre passado e futuro, e o medo de um em virtude do outro, para todos os personagens.

    Talvez justamente por isso, é uma trama que ressoa forte com o público. Não (somente) pela empatia que sentimos pelos personagens, mas porque a temporada elucida muito bem a forma como o tempo e o passado perseguem as decisões futuras. E quem não se identificaria com isso?

    Apesar da densidade da série, que os fãs já conhecem e entendem bem, é fato que a quarta temporada vinha com um desafio. A terceira levou BoJack ao extremo, e se consagrou como a mais brilhante até agora. A missão, então, era prosseguir de maneira orgânica, trazendo a repercussão da morte para BoJack sem se deixar cair na repetitividade.

    Por isso, ela se despe de qualquer tentativa fantasiosa de esconder o passado de BoJack  em meio a festas e bebedeiras — o que sempre foi seu método de lidar com os problemas — e olha com honestidade para talvez o maior de seus fantasmas: a mãe. E… uma filha?

    Quando BoJack toma coragem para voltar, mesmo que aos poucos, à sua vida em Los Angeles, o que ele encontra é a perspectiva de ser pai. A nova personagem, Hollyhock, chega buscando as suas origens biológicas, e um teste de DNA indica que BoJack seria o seu pai. Ele não tem a menor noção do que fazer com isso, ou de como lidar com a novidade, mas ele tenta fazer o seu melhor. Sendo obrigado a olhar para o passado — o que Hollyhock quer, de verdade, é encontrar a mãe (ela já tem oito pais, afinal) —, seus erros o encontram de frente.

    O truque da temporada é a justaposição entre passado e futuro. Enquanto brincam habilmente com a elasticidade do tempo, os episódios vão e voltam em flashbacks e falsos flashforwards, e se dedicam a trágicas histórias solitárias de Beatrice (a mãe de BoJack), Princess Carolyn, e do próprio BoJack.

    Aos poucos, o quebra-cabeças vai sendo montado. Casamento, filhos e instituições fraturadas são evidenciados com a ajuda da maleabilidade do tempo, com causa e consequência expostas lado a lado de maneira clara. Cerca de um mês se passa apenas durante o primeiro episódio. Outros meses se passam no segundo episódio, que traz BoJack de volta. Um outro episódio passa dez dias dentro da casa de Mr. Peanutbutter, soterrada com vários convidados. E mesmo que isso pudesse passar despercebido (afinal, trata-se de uma animação no fim das contas), o fato é que essa brincadeira mostra justamente como os personagens são afetados, pouco a pouco, pelos problemas, pelas reviravoltas e perdas que recaem sobre eles.

    Nesta lógica, há três episódios específicos que se destacam de maneira singular. O episódio 6, intitulado “Seu estúpido de m***a”, faz o melhor trabalho já visto na TV ao mostrar o que é, de verdade, sofrer de depressão e não acreditar em si num constante debate interno. Ele mostra o quão difícil pode ser, e é, para a própria pessoa viver nesta eterna e indesejada convivência com a dúvida. É forte e triste, mas também extremamente honesto.

    Outro grande episódio é o 9, “Ruthie”. Totalmente focado na história de Princess Carolyn — uma das mais tocantes e inesperadamente sensíveis da temporada, aliás — começa como se estivesse no futuro da personagem, com uma de suas descendentes contando a história de origem da família para seus colegas de classe, e assim o público vai acompanhando um dos dias mais tristes da vida da felina. Ele sai de cena com uma nota esperançosa, parte de uma reviravolta que, afinal de contas, acaba por contrabalancear o quanto é devastador.

    Por fim, o episódio 11 é a cereja do bolo. “Viagem no Tempo” volta a 1963 e acompanha a história triste de Beatrice, desde sua infância ao momento em que conheceu o marido até quando o casamento de fato ruiu. E já que a passagem de tempo é o elemento intrínseco que conecta todas as coisas, faz sentido, e é um belo desfecho, ser este o flashback que revela a real origem de Hollyhock, além de trazer uma necessária empatia para a mãe de BoJack.

    Para além de histórias agridoces e brincadeiras temporais, o que a quarta temporada de BoJack Horseman faz de mais correto é trazer para o centro da trama o quanto as relações familiares são sensíveis e mutáveis, o quanto elas definem e ao mesmo tempo não definem quem cada um se torna. Enquanto BoJack tenta se acertar com a família e entender melhor quem realmente é, Princess Carolyn passa por uma jornada pessoal que lhe custa o relacionamento com Ralph e por pouco também não custa o seu emprego — salvo, surpreendentemente, por BoJack. Diane persiste em um emprego que não vai exatamente ao encontro de suas ambições (ela quer escrever sobre política e sobre assuntos sérios, em um blog que está mais interessado em cliques por fofocas e matérias ‘engraçadinhas’) em um casamento que também exige tanto esforço que ela não sabe mais se vale o sacrifício. Todd não quer ser colocado em um rótulo, ao mesmo tempo que entende por que eles podem ser confortáveis e benéficos para outras pessoas — e continua se arriscando para descobrir o que o faz feliz.

    No fim, a pergunta que a temporada faz (“onde está BoJack?") já tem resposta. Sempre teve: ele está procurando. Tentando. Como todos nós.

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