Podemos começar?
Ao longo dos anos, o público de Game of Thrones viu o elenco crescer, as crianças se transformarem em jovens, os rostos, as vozes e os cortes de cabelo mudarem. Dentro e fora da série, as mudanças são notáveis; este episódio coloca essas evoluções em perspectiva para provar que ninguém permanece imutável. E não há nada de errado com isso.
Uma das primeiras coisas que Daenerys (Emilia Clarke) diz em “Stormborn” é que ela não se sente realmente em casa em Pedra do Dragão. Mesmo que este tenha sido o lugar pelo qual ela tanto ansiou, o castelo construído pelos seus antepassados e onde a ascensão dos Targaryen começou. Dragonstone é sua casa, por direito e definição, mas ao mesmo tempo não é. Porque Daenerys não é seu pai, ou sua mãe, tampouco seus irmãos Rhaegar ou Viserys, muito menos Maegor, o Cruel.
Há pouca subjetividade na justaposição da cena: uma tempestade cai, remetendo ao nascimento de Dany, enquanto ela expõe sua estranheza pelo local. É o ‘velho’ (ou, no caso, a origem) contra o novo (as suas transformações) posto em evidência com uma simples (mas bela) quebra de expectativa quando a rainha admite que não se sente tão bem-vinda quanto imaginava. Paralelamente, ela deixa claro — mais para o público do que para os demais personagens, com honestidade — que não pretende repetir os passos do pai em seu potencial reinado.
À medida que o episódio prossegue, continua atirando ao público como cada um daqueles personagens não é mais o que já foram há alguns anos — ou há algumas temporadas. Mais notável e evidente é a forma como Arya (Maisie Williams) mudou. Esta noção jamais deixou de estar junto ao público, mas é mais fácil perceber a dimensão da mudança quando ela é confrontada.
É por isso que Torta Quente e Nymeria estão no episódio. São duas cenas maravilhosamente simples e emocionantes, que não seriam tão impactantes se Torta Quente não continuasse chamando a garota de Arry, mesmo sabendo o seu verdadeiro nome. Cada olhar silencioso, cada movimento brusco e olhar em êxtase deste encontro deixa no ar várias perguntas que não precisam ser feitas para serem respondidas. O que culmina no momento mais bonito do episódio.
Para os que estão em dúvida: sim, aquela era Nymeria. Os fãs apegados aos Stark (existe alguém que não seja?) ansiavam por este reencontro, mas talvez poucos esperassem pelo toque agridoce. Mas é algo que faz sentido, não apenas por mostrar que absolutamente todos (inclusive a loba gigante) são diferentes agora, mas por evidenciar que as duas são criaturas independentes. O lobo solitário não sobrevive, mas ao menos pode encontrar o seu caminho para a matilha… ou para casa.
Com todas essas ‘novas’ noções, a história avança. Poderia ser mais fácil se os corvos tivessem acesso à internet, ou pudessem transmitir mensagens em grupo, mas a enrolação para unir os núcleos chega em seu último capítulo. Jon Snow (Kit Harington) sabe a respeito de Dany, que o deseja como aliado político sem saber que ambos se beneficiariam (ou, melhor dizendo, se beneficiarão) da aliança. A politicagem é estratégica, mas ignora deliberadamente as tendências violentas de Cersei (Lena Headey). Seu reino de terror, inclusive, segue com a política do medo. São táticas diferentes, já que a rainha em Porto Real espera um ataque físico violento, enquanto a Mãe dos Dragões espera vencer pela exaustão.
Mas será que ela vai se ater ao plano?
Game of Thrones S07E01: O inverno chegou, e Daenerys tambémQuando a última sequência do episódio se aproxima, não parece que será possível. Euron faz seu movimento para entregar o prometido ‘presente’ a Cersei, tirando do caminho possivelmente as Serpentes de Areia e Yara Greyjoy. É um momento ruim para a estratégia de Daenerys, mas positivo para a série no geral. Desde a 6ª temporada, foi ficando evidente que a produção de Game of Thrones notou a tragédia que foi a adaptação do núcleo de Dorne (e os leitores dos livros irão certamente concordar), e tirá-las do caminho é melhor do que tê-las de forma patética.
Uma correção de curso semelhante parece ser o direcionamento de Euron Greyjoy. Apesar de no primeiro episódio desta temporada ele parecer um Jack Sparrow que está atrasado para um show do My Chemical Romance, há um nível elevado de sadismo que está menos distante do temido Euron ‘Olho de Corvo’ Greyjoy da obra de Martin. Não há necessidade de conhecer a contraparte literária, aliás, para se notar o quanto Euron realmente está sendo aproveitado agora, fazendo jus à escalação de Pilou Asbæk e às expectativas postas sobre um pirata com a sua reputação.
No geral, a força da narrativa concisa e coerente aos poucos foi deixando de ser um dos pontos fortes de Game of Thrones, mas “Stormborn” nada contra esta corrente e entrega 60 minutos de história que avançam alguns dos principais arcos de forma igualitária. Descobrimos que Cersei tem um plano, em uma cena que usa a desculpa ideal para mostrar o Fosso dos Dragões e mergulhar brevemente nas origens dos Sete Reinos — a menção ao grandioso Balerion, que foi montado por Aegon durante a Conquista, foi um bom aceno à grandiosidade da casa Targaryen. Ao Norte, há uma aparente confiança (embora difusa) entre Jon e Sansa (Sophie Turner), comprovada quando ele anuncia que a deixará no comando durante sua viagem ao Sul.
Eu ouvi ‘Rainha do Norte’?
E quando tudo parecia ‘muito fácil e encaminhado’, ninguém contava com a astúcia (e toda a psicopatia) de Euron Greyjoy para atacar os aliados westerosi de Dany e deixá-la possivelmente incapaz de seguir com o seu plano de cercar Porto Real sem violência. É uma lição que todos já deveriam ter aprendido desde a primeira temporada: se tudo parecer certo demais em Game of Thrones, desconfie.
Por fim, após a baixa sofrida pelo Time Targaryen, será que a Mãe dos Dragões irá ouvir os conselhos de Lady Olenna (Dianna Rigg) e ‘ser um Dragão’?
Nem tudo pode ser perfeito…
- “Stormborn” é um episódio surpreendentemente satisfatório, mas há alguns pontos incômodos. Um dos melhores episódios de Game of Thrones, quanto a estrutura narrativa e dimensões, é Blackwater, episódio 2.09. Uma de suas maiores qualidades é a forma como consegue demonstrar toda a grandiosidade da Batalha de Água Negra e a maneira como afetou a todos os envolvidos, protagonistas ou não. O ataque surpresa de Euron neste episódio sequer chega perto de Blackwater em organização (afinal, estávamos falando de Tyrion contra Stannis naquele momento), mas os enquadramentos e os ângulos de câmera aqui são tão confusos que parecem propositais para que o público não entenda como os eventos se desenrolaram. Ainda é divertido, mas longe de ser um dos mais inteligentes.
- Parece haver uma cota para cenas nojentas (ou desagradáveis) para a 7ª temporada, e Sam (John Bradley) foi o encarregado de executar todas elas. Ainda assim, o fato de o jovem resolver ajudar Sor Jorah é uma bela maneira de honrar o ex Lorde Comandante da Patrulha da Noite, Jeor Mormont.
Episódio: 7.02 - Stormborn
Escrito por: Bryan Cogman
Dirigido por: Mark Mylod
Exibido originalmente em: 23/07/2017