No mês de maio, o AdoroCinema foi convidado a acompanhar um dia das filmagens da primeira série de ficção da TNT: Rua Augusta, projeto em parceria com a O2 Filmes, com estreia prevista para o primeiro semestre de 2018. Fiorella Mattheis interpreta Mika, uma garota de classe média-alta que foge do pai poderoso e se torna stripper na famosa rua do centro de São Paulo.
Quando visitamos as gravações, um grande apartamento da praça Roosevelt servia de casa para Mika. Na história, o local pertence ao namorado da personagem (Lourinelson Vladimir), diretor da casa noturna onde ela se apresenta. As cenas também incluíam a presença de um capanga (Zemanuel Piñero) do pai poderoso, pressionando a personagem para abandonar o trabalho na noite paulistana.
As cenas dirigidas por Fábio Mendonça surpreenderam pelo tom sombrio, além das longas tomadas que exigiam grande preparação da equipe técnica e dos atores. "Fiorella, quero ver você suando frio!", pedia o diretor entre um take e outro. A atriz, concentrada, oferecia novas versões dos diálogos, numa composição mais complexa do que seus papéis anteriores em comédia populares.
Sexo, drogas e rock'n'roll
Pedro Morelli, diretor geral de Rua Augusta, explicou o teor da série: "Rua Augusta é violento. Drogas, sexo e rock and roll mesmo. Às vezes, as coisas até ficam meio Gaspar Noé - mas não chega lá, senão teria que passar às quatro da manhã. Mesmo assim o sexo é mais cru, a iluminação é escura. A gente está pesando a mão. A série original já tinha um pouco disso e fomos mais fundo com sexo e violência. É uma história sobre incesto. No primeiro episódio, os caras dão porrada no irmão da menina e o deixam em coma. A gente manteve esse peso durante a série toda. Foi o nosso caminho".
A série de que Morelli fala é a israelense Allenby St., de onde veio a inspiração para a versão brasileira. Mas o cineasta se encarregou de fazer mudanças substanciais na trama: "No original, há uma questão religiosa muito forte. A Mika, personagem da Fiorella Mattheis, tem uma relação incestuosa com o irmão, um caso que ela tenta superar. Eles ficam anos sem se ver e depois se reencontram. No original, essa relação era baseada na religião. Aqui, deixamos a religião de lado. Foi mais interessante abrir outras frentes na série. Criamos personagens novos e trouxemos uma questão de sexualidade que não existia em Allenby St.. É claro que ela está presente lá, mas o que temos no nosso caso é o retrato da homossexualidade e da transexualidade".
Versão brasileira
Como é a protagonista adaptada aos valores brasileiros? "Mika tenta superar o incesto se envolvendo com o dono da balada. Há esse grande arco de romance e amor entre os personagens que nunca se completa. Não temos um happy end", garante. "Mika é gerente da balada, trabalha, dá bronca nas pessoas. Mas a Fiorella é muito divertida, então existe um alívio cômico aí. É uma trama que também tem suas reviravoltas, e vai ficando tensa. No nosso núcleo principal, além do incesto, temos pancadaria, arma na cara, cocaína e adrenalina. Tem muito disso, o tempo inteiro. Rua Augusta é uma série de ritmo".
Lourinelson Vladimir também apresenta o seu personagem: "O Alex é dono de uma boate na Rua Augusta. É pai de uma menina de seis anos e é separado. Certamente, ele não tem uma visão convencional da vida. O Alex transita entre lugares bem underground e esse ambiente familiar. É muito presente na vida dessa menina mas, ao mesmo tempo, cheira cocaína. É como se ele tivesse um pé no lado selvagem, para usar uma referência do Lou Reed. Tem essa referência do rock, da noite".
São Paulo de todas as tribos
Morelli explica o aspecto de São Paulo que pretende abordar na série: "Nós filmamos tudo aqui na região do Baixo Augusta, a região próxima da Praça Roosevelt, esses últimos quarteirões onde a cultura local está mais preservada, as baladas são menos popularizadas. Nós gostamos disso. Há também a presença do Parque Augusta. Você vê todo tipo de gente nessa megalópole tão cosmopolita. A Rua Augusta, principalmente a região mais próxima do Centro, dos metrôs, é mais se vê o cruzamento de tribos. Que eu saiba, isso não existe, pelo menos da mesma forma, em outras cidades brasileiras".
"A série é muito realista em relação às figuras que fazem parte das locações", concorda Lourinelson Vladimir. "Isso é realmente uma coisa que impressiona. Falo isso como público de audiovisual. O cuidado que se teve na escalação do elenco, na produção, na direção de arte, como as pessoas transitam entre as locações... É impressionante. A primeira vez que entrei, como o personagem Alex, na balada Hell, me pareceu ser uma puta balada boa. Eu iria lá, sabe? É um cenário viável. Há muita gente interessante e diferente na boate. A Rua Augusta oferece uma mistura de possibilidades às pessoas que se aventuram por ela, que andam nela".
Liberdade x retrocesso
O ator sublinha a importância da série nos dias atuais: "Estamos vivendo um momento de retrocesso filosófico-político. A própria Rua Augusta é um sintoma do campo oposto: o campo da maior expressão das pessoas em relação aos seus desejos e escolhas, sejam elas culturais, estéticas, ou sexuais. É pertinente que a série mostre esse lugar conturbado, ambíguo e cheio de perigos, mas também cheio de afetos. O retrato das prostitutas, o modo como são ativas, protagonistas de suas vidas, é extremamente relevante. Há 15 anos, não sei se a gente conseguiria ter clareza para lidar com isso de modo não-vitimizado. Clareza tanto de quem faz como de quem vê".
"A ambiguidade que a Rua Augusta tem, as contradições e a beleza da multiplicidade, é a parte que a série aproveita para o bem de todos nós, para o bem da cultura. Nesse aspecto, a série oferece um retrato da cultura de São Paulo e da nossa época, mostrando a diversidade. Ela cumpre um papel bacana nesse momento de conflitos filosóficos entre um conservadorismo aflorado e uma tentativa de manter o campo das liberdades em vigor".