NOTA: 3,5 / 5,0
Psycho-Biddy, ou Hagsploitation, é o termo coloquial que determina um subgênero do thriller. Tratam-se de filmes protagonizados por ex estrelas do cinema ou mulheres famosas, que se tornaram mentalmente instáveis e agora aterrorizam aqueles à sua volta. Este tipo de filme teria sido iniciado por volta de 1962, com o lançamento de O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, com Bette Davis e Joan Crawford no elenco e direção de Robert Aldrich.
Um dos assuntos que mais levantou polêmica durante as filmagens de “Baby Jane” diz respeito justamente às protagonistas e a lendária contenda entre ambas. Este é o tema da primeira temporada de Feud, que utiliza a relação entre Bette Davis e Joan Crawford como porta de entrada para um tema ainda mais sensível e abrangente em Hollywood: o envelhecimento, a ridicularização, e o inevitável esquecimento.
Ambientada na década de 1960, a temporada (com oito episódios) é um prato cheio para a marca registrada de Ryan Murphy. É uma aura de excessos naturais nas cores, nas performances e nos figurinos, e por isso abre espaço para bastante autoironia e até mesmo um certo deboche. A série acompanha os bastidores do primeiro e único filme que Davis e Crawford fizeram juntas, já após o auge de suas carreiras. Trata-se de um ambiente criativamente rico e confortável, que se dedica a retratar todas as dificuldades enfrentadas por ambas as protagonistas e pela equipe de produção durante e após as filmagens a fim de acalmar (ou não) estas duas forças da natureza.
Apesar de ser um mostruário excelente para os talentos que reúne em seu elenco — a série conta com Susan Sarandon no papel de Bette Davis, Jessica Lange como Joan Crawford, Alfred Molina como Robert Aldrich, Stanley Tucci como Jack L. Warner entre outros —, Feud desliza durante a primeira parte da temporada em temas potencialmente interessantes, mas explorados de forma ora muito simplória, ora ligeiramente esvaziados. Muitas vezes, episódios completos acabam soando como uma paródia da história real. Por não ser completamente autoconsciente do anacronismo e do exagero (justamente porque o filme não tinha tal ponto de vista), a série navega entre o Kitsch e o Camp, e trabalha a justaposição de Bette e Joan com bastante graça, mas em boa parte dos episódios fica restrita a uma mera “dramatização exagerada” sem um objetivo maior. Outro aspecto disfuncional são as inserções dos depoimentos das outras atrizes, que parecem estar ali mais para ‘preencher espaço’. Em vários momentos, estas cenas tornam-se repetitivas ou até desnecessárias, soando desconexas do restante da trama. Felizmente, há um ponto de virada que, embora tardio, compensa através de uma conclusão agridoce e, sob um certo ponto de vista, até mesmo dolorosa.
A partir de meados da temporada, a produção vai mergulhando aos poucos naquilo que parece ser realmente a medula espinhal da antologia: não necessariamente a rivalidade entre as atrizes, mas o motivo por que ela existiu, as causas no entorno que deram margem ao conflito e o nutriram. O que começa como mais uma exploração potencialmente sensacionalista ou rasa da inimizade entre Bette Davis e Joan Crawford transforma-se em algo a mais, e praticamente coloca um espelho no nariz dos executivos de grandes estúdios de Hollywood e também, é claro, da imprensa marrom. Nas entrelinhas, a série sussurra: “É isso que vocês fazem.”
"Eu cresci com muitas mulheres na minha carreira, e todas elas vêm ao meu escritório em algum momento, se debulhando em lágrimas, dizendo que de repente o telefone parou de tocar", revelou Ryan Murphy em uma entrevista ao The Hollywood Reporter publicada em março deste ano. Também por isso, a crueldade que é retratada na série acaba se revelando ainda mais pertinente, já que embora os tempos sejam novos, muitos preconceitos continuam velhos.
Em um show à parte, a performance de Jessica Lange é a responsável por elevar o nível da temporada, sobretudo a partir do episódio 5, intitulado “And The Winner is ...(The Oscars of 1963)”. Daí em diante, quando a decadência e o desespero de Joan Crawford vão se tornando mais evidentes, Lange assume todo o protagonismo, transitando com uma facilidade invejável entre os auges e os piores momentos de Crawford. É sobretudo através dela que é possível perceber a angústia latente daquelas personagens, em seus gritos (reais ou metafóricos) clamando por ajuda ou salvação.
Sem se prender tanto à realidade quanto alguém poderia esperar, sobretudo nos momentos finais, Feud se aproveita dessa permissividade ficcional para refletir algo que vai além do embate entre as duas atrizes e traz uma nota quase esperançosa (se não fosse de partir o coração) a este complicado relacionamento.
Em um certo momento do avassalador episódio 7, “Abandoned”, Bette pergunta a Joan como é ter sido uma das mulheres mais bonitas do Século XX, e Joan devolve a pergunta questionando qual a sensação de ter sido uma das atrizes mais inteligentes de Hollywood. Ambas dão a mesma resposta: “Ótimo. E nunca o suficiente.” É este o toque, igualmente bonito e triste, que vai tirando Feud do lugar comum e desfocado do início da temporada e transforma a atração em uma rara abordagem das tantas pressões sofridas por mulheres como Bette, Joan, Lange e Sarandon. Porque estas coisas nunca foram, seriam ou serão suficientes, porque são mulheres; e mulheres inseridas em uma indústria que durante tantas décadas negou o próprio machismo e etarismo. Porque sendo mulheres, era (ou é) necessário que vencessem em todos os aspectos. E por isso, é possível inferir que a contenda entre as atrizes evidencia justamente esse ambiente sexista, que se alimenta mantendo vivas tais disputas femininas.
Mas ainda assim, entre alguns tropeços ao longo do caminho, Feud: Bette and Joan cumpre bem o seu papel, e traz à tona uma reflexão dolorida, porém precisa, de que a simples compreensão poderia ter salvado Joan Crawford.