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    Legion: Crítica da primeira temporada

    A nova série da parceria entre a Marvel e o FX evidencia toda a sua ambição em uma primeira temporada alucinante e psicodélica.

    Nota: 4,5/ 5,0

    Quando o FX exibiu o primeiro episódio de Legion, nós escrevemos: "[Isso] é o que aconteceria se Marvel, Noah Hawley, Twin Peaks e o primeiro álbum do Pink Floyd tivessem um filho juntos." Uma temporada inteira (de oito episódios) depois, o quebra-cabeças está montado e a ‘viagem’ garantida. Por isso, é fácil dizer: Legion define o próximo grande patamar nas histórias de heróis.

    Noah Hawley, o showrunner e roteirista da série, já havia mostrado seu modus operandi nas duas primeiras temporadas de Fargo. Sempre há uma história maior a ser contada, e na sua primeira investida em uma adaptação da Marvel, Hawley traz a identidade de um drama elaborado e repleto de camadas de subjetividade para uma série que vem direto de uma HQ. Seu grande trunfo aqui talvez seja não subestimar a inteligência do espectador, deixando as interpretações livres o máximo possível e tendo certeza de que o público está inserido naquela “bagunça organizada” que é o pensamento do protagonista.

    A série acompanha David Haller (Dan Stevens), um jovem diagnosticado com esquizofrenia que passou seis anos institucionalizado em um hospital psiquiátrico. Ele construiu uma amizade com a jovem Lenny (Aubrey Plaza), que está constantemente ouvindo músicas em seu próprio universo, e jamais deixa o lado de David. Mas a vida do rapaz muda completamente com a chegada de Syd Barrett (Rachel Keller), uma jovem que não gosta de ser tocada e vai fazê-lo acreditar que as vozes que ele ouve em sua cabeça tratam-se de vozes, mas não exatamente loucura.

    Para contar essa história da maneira que ela merece ser contada, Noah Hawley embarca (e leva todo mundo consigo) em uma viagem quase alucinógena. A narrativa beira o confuso quando ele passa episódios inteiros mostrando o que se passa em uma realidade que não é de fato real, mas a diferença mora no uso inteligente dos recursos estilísticos. Absolutamente tudo se presta a contar a história, seja a fotografia, a direção, as referências ao cinema mudo, a Bollywood, aos quadrinhos, o uso das cores e da trilha sonora. É fácil notar em que nível de realidade a narrativa está, seja porque ela está constantemente se certificando de que aquilo é somente uma pequena parcela daquele universo complicado, ou porque tudo ao redor é construído para que o público identifique o que é real e o que é imaginado.

    Com tudo isso, não é difícil entender o que realmente estava acontecendo na primeira temporada de Legion, até porque com a exceção da embalagem surpreendentemente estranha e hipnotizante, o que existe no centro ainda é uma história da Marvel — com um lado bom, um lado ruim, e dezenas de personagens estranhos no meio. Por isso, dissecar o âmago do que Legion realmente significa talvez nem seja o exercício mais divertido ao se acompanhar a série (ao contrário do que havíamos pontuado nas primeiras impressões), mas é necessário apreciá-la em toda a sua ambição e estranheza, que em termos de construção de personagem, referências visuais e extenso uso de subtexto, é praticamente a herdeira de David Lynch e sua incomparável Twin Peaks.

    Estamos em 2017, e muitos consideram que estamos vivendo a Era de Platina da TV (afinal, já houve Eras de Ouro o suficiente). Com tantas séries em produção em todos os canais que a mente humana possa imaginar, não é um feito qualquer construir uma temporada inteira que, não obstante em renovar o gênero de adaptações de quadrinhos com uma batida original e pretensiosa, evidencia o que há de errado (ou cansativo) em todas as outras adaptações de HQ que estão pipocando repetitivamente (em canais de streaming) por aí.

    No final, tudo fez bastante sentido, embora nem sempre tenha funcionado de forma perfeita. Há momentos em que o mesmo conceito é explicado mais de uma vez — mais de duas, mais de três vezes, por personagens diferentes —, mais para que o público esteja todo no mesmo patamar do que para a construção da narrativa em si. Mesmo assim, a temporada alcança vários feitos únicos, sobretudo pela ‘carta-branca’ que Noah Hawley tem junto ao FX. Não há medo de arriscar, e em toda a ambiguidade e complexidade da primeira temporada, Legion embarca em uma jornada e tanto.

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