Conhecida pelo trabalho nas telenovelas A Mentira e A Rainha do Tráfico, além de filmes como Sob a Mesma Lua e Os 33, Kate del Castillo é um dos maiores nomes do audiovisual mexicano. Nos últimos tempos, a atriz esteve envolvida numa série de polêmicas, resultantes de um contato próximo com o traficante El Chapo, hoje preso nos Estados Unidos. Ela que facilitou o encontro entre o criminoso e o ator Sean Penn, que realizou uma famosa e polêmica entrevista para a Rolling Stone. Agora, Kate busca recolocar os holofotes sobre sua carreira. E para isso contará com Ingobernable, nova série dramática mexicana produzida pela Netflix.
O AdoroCinema foi até Miami, nos EUA, para conversar com Kate, que vive a Primeira-Dama do México Irene Urzua. Também falamos com os atores Erik Hayser, que vive o Presidente, Maxi Iglesias e Alberto Guerra Ramos. Confira como foi o bate-papo completo!
O que vocês podem nos dizer sobre seus personagens?
Kate del Castillo: Essa é uma situação na vida em que um ator não pode negar o papel. O retrato da Primeira-Dama do México nunca foi feito antes, o casal presidencial nunca foi retratado antes e achei que isso seria muito interessante simplesmente por se passar no México, com todas as suas complexidades. Para mim, Emilia tem muitas camadas. Ela é uma mulher que cresceu em um ambiente de ricos, mas que depois do sequestro e das coisas que aconteceram com seu irmão, precisa sair de sua conformidade e de sua comodidade e vai para a Europa, onde faz suas tatuagens, por exemplo. Gosto muito disso porque ela não é só a esposa do presidente. Como ele, Emilia também tinha seus ideais. Tinham ideais juntos. E quando ela se decepciona com ele, esses ideais morrem. Saber que seu marido não cumpriu sua palavra e que a traiu, que traiu toda a população do México, a enche de um desejo de justiça muito, muito forte. Quando ela regressa, quer provar isso ao povo mexicano.
Erik Hayser: Meu personagem, o presidente, é completamente humano. Para criá-lo, tentei trazer a ele as coisas que a maioria das pessoas não conhecem ou não imaginam sobre os presidentes. Quis ir além da figura do poder, da figura que toma decisões, que governa, para encontrar o lado humano e tornar o personagem mais interessante. Colocar camadas para que o espectador possa descobri-lo capítulo a capítulo ao invés de apresentar um arquétipo ou uma imagem à qual as pessoas já estão acostumadas. Diego Nava é um homem com muitos ideais, que chega ao poder querendo transformar o México, querendo mudar o país e melhorar a vida de seu povo. Mas, ele chega ao poder um tanto ingênuo e, logo, percebe que não é ele quem toma as decisões. São outras pessoas que, de fato, movem o poder. Isto o leva a lavar as mãos e, de certa forma, a se esquecer de sua essência e de seus ideais, distanciando-o do que realmente buscava. Isso causa problemas com a sua mulher, com a sua família e ele logo se perde por completo, esquece de quem é. Quando tenta recuperar a si mesmo, é tarde demais. Ele falha e acaba caindo sobre um carro.
Alberto Guerra Ramos: Eu interpreto Canek Lagos. Ele é um criminoso que faz parte do submundo de Tepito, um homem que acaba de sair da prisão e é filho de Emilia Urquiza, a personagem de Kate. Por um acaso do destino, eles se reencontram e deixam de lado as diferenças para se ajudar porque começam a entender, cada um, o mundo do outro.
Maxi Iglesias: Meu personagem é Ovni, um espanhol que sai de seu país natal fugindo da Interpol e acaba indo parar em Tepito. Ele é abrigado pela personagem de Aida López. Em Tepito, ele fica em seu mundo. É um hacker, ele pirateia filmes para vender no mercado local. Mas, por causa da questão com a Primeira-Dama, ele acaba se envolvendo mais com o grupo até se tornar parte muito importante dessa família que se forma, ajudando-os em tudo o que pode.
O título da série se refere ao México ou a família no centro da trama?
KDC: Aos dois. Acho que o México é um país ingovernável. Mas também se refere à Emilia, sem dúvidas. Não porque ela é ingovernável ou porque é forte, mas porque deseja fazer as coisas corretamente. E ela está em uma posição onde pode fazer as coisas dessa maneira. Se eles prometerem uma coisa e estão na presidência, é porque vão lutar juntos por essas coisas. Se ele não fizer, ela fará porque tem essa luta interna de querer fazer o certo. Como todas as mulheres, é uma guerreira.
A série é ficcional, mas reflete uma realidade social, política e econômica do México. Quanto é ficção e quanto é realidade?
EH: Não podemos responder isso em porcentagens. De certa forma, é uma recriação da realidade. Não exatamente do casal presidencial ou de boa parte das coisas que acontecem do México, mas do contexto social, político e econômico que estamos vivendo. E a série não retrata só o México. De certa forma, também representa muito do que está acontecendo na América Latina. Ingobernable também não é só sobre política. É uma história de seres humanos que pode conquistar o espectador de qualquer lugar do mundo. É uma história que está baseada em uma figura feminina e uma figura feminina que, no mundo todo, está conquistando o seu lugar de direito. Que, a cada dia, conquista seus postos de poder e de igualdade, que são seus lugares de direito. E a série também parte de arquétipos de situações que ocorrem ou que poderiam ocorrer no México e em qualquer lugar do mundo. Para mim, é uma história sobre esses personagens, não exatamente sobre os mexicanos ou sobre a situação atual do país.
AGR: É uma série completa, que não trata apenas de política. É uma série sobre uma mulher que busca recuperar seus filhos após a morte de seu marido. Algo que não foi feito ainda, e que nós fazemos, é o retrato da Primeira-Dama como uma pessoa capaz e individual. No geral, na maioria dos países que têm a figura de uma primeira-dama, temos a ideia de que ela é apenas um anexo ao presidente, que é uma figura que está do lado direito do presidente, mas um pouco atrás. Em nossa série, não é assim. A nossa Primeira-Dama é uma mulher que é levada a assumir o controle das coisas em um mundo masculino, o mundo da política.
Vocês diriam que Ingobernable é como uma versão mexicana de House of Cards? Ou é diferente?
AGR: É bem diferente. House of Cards retrata um casal e sua ascensão ao poder. Nós eliminamos essa questão em nosso trailer: não há casal, o presidente morre. Acho que, hoje em dia, qualquer série relacionada à política é instantaneamente comparada à House of Cards. Mas não, não é assim.
Cada vez mais as mulheres vêm sendo representadas como empoderadas, mulheres fortes e que fogem do estereótipo. Como vê este movimento?
KDC: Sim, no mundo todo está acontecendo isso. Avançamos, é verdade, mas a passos de tartaruga. Ainda precisamos caminhar muito como sociedade para avançar de fato. Isso não precisa ser feito só no ambiente da indústria do entretenimento, mas creio que seja um bom começo. Acho que todas as mulheres e todos os feministas precisam começar em seus âmbitos de atuação e espalhar a ação. É preciso explicar as coisas aos homens e não lutar contra eles. Acho que a indústria do entretenimento é muito importante porque é uma janela para o mundo. Tudo o que sei da China, sei por causa do cinema. E acho que nossa série é muito atrativa porque, antes de mais nada, retratamos um México real, e isso cria uma curiosidade - principalmente para os estadunidenses, mas também para os latino-americanos - de ver como é o México, um país poderoso e incrível e como os âmbitos se conectam, do mais alto escalão até as ruas de Tepito.
Emilia é uma mulher perseguida e você também não vive um momento muito tranquilo. Foi melhor interpretar uma personagem assim ou você preferiria ter interpretado uma personagem que funcionasse como uma válvula de escape para você?
KDC: Para mim, todas as minhas personagens são válvulas de escape. A verdade é essa. Mas mesmo que se eu não quisesse, teria trazido algo de mim. Somos atores, interpretamos personagens e sempre há algo de nós mesmos no que fazemos. Trato de usar minhas experiências em minhas personagens para crescer como atriz. É preciso sair por aí e viver para ser um ator.
Em que mulheres você se inspirou para criar Emilia?
KDC: Conversei muito com o roteirista e vi muitos filmes, séries e documentários sobre primeiras-damas, reais e ficcionais. Fiz isso, na verdade, por gosto. Mas quando um personagem está bem escrito, é preciso se aprofundar e tentar entender o personagem para não fazer um trabalho superficial. Então, mais que buscar fora, prefiro entrar na personagem, me colocar em seus sapatos e tentar entender suas ações e reações. Creio que, antes de mais nada, para ser poderoso é preciso reconhecer suas fraquezas, é preciso ser vulnerável e ter dignidade, não se pode esconder nada. Não tem problema que uma mulher chore.
EH: Ou um homem.
KDC: Isso nos dá mais poder. Acho que isso dá mais segurança porque o lado humano é demonstrado. Para mim, a beleza da personagem é que ela mostra sua vulnerabilidade e que isso a faz seguir em frente, que a faz continuar ultrapassando tudo. Não a vejo como uma mulher poderosa. Se fosse, eu estaria interpretando uma super-heroína ou qualquer outra coisa do gênero porque isso é um estereótipo. O que também não seria um problema, seria um trabalho divertido. Mas o que acontece é que todas as mulheres, internamente, possuem uma guerreira dentro de si. Todas as mulheres têm esse poder. Assim como os homens. Mas existem circunstâncias e momentos na vida que essa força é demonstrada de uma forma ou de outra mais especificamente.
Podemos esperar uma segunda temporada?
AGR: Com certeza há espaço para uma segunda temporada. O que é incrível é que temos muitas possibilidades. Espero que façamos isso logo.
KDC: Ficaria muito feliz. Gosto muito da personagem e acho que temos muitas possibilidades para explorar, o final dessa temporada deixa muitas coisas em aberto. Ainda mais porque teremos mais chances de aprender sobre o México. Como Erik disse, eu, como mexicana, se vir uma série sobre o casal presidencial, exijo que me ensinem alguma coisa sobre o país. É claro que Ingobernable é sobre política mas também tem muitos outros elementos: temos controvérsias, amor, sexo, suspense. A série satisfaz tudo o que o espectador espera de uma série de entretenimento. É para isso que estamos aqui: para entreter.
Você teria que ser ressuscitado, Erik...
EH: The Walking Dead - Ingobernable.
O AdoroCinema viajou a convite da Netflix.