Há certamente muito mais em Bette e Joan do que apenas a famosa contenda entre as duas lendárias atrizes. E Ryan Murphy está empenhado em mostrar todos os lados dessa briga em Feud, não apenas entre Davis e Crawford mas também a parte disso que cabe aos preconceitos de Hollywood quanto a idade e à obsessão da mídia por alimentar disputas em troca de audiência.
Em entrevista ao The Hollywood Reporter, o showrunner relatou:
"Eu cresci com muitas mulheres ao meu lado na minha carreira, e todas elas eventualmente vêm ao meu escritório e às vezes se desmontam em lágrimas, dizendo que de repente o telefone parou de tocar. 'De repente as pessoas não estão mais interessadas em mim porque eu fiquei mais velha.' E isso me move muito. Perseverar e lutar para ficar no jogo ao invés de desistir e ainda lutar para demonstrar o seu valor é algo muito emocionante. Pra mim, o mais triste é o potencial desperdiçado. Isso é sempre o mais devastador porque há alguma coisa a ser minada de uma situação ou uma pessoa que não é explorada; isso é uma tragédia ao meu ver. Eu olhei para [Feud] como uma peça trágica sobre um grupo de pessoas que estranhamente tinha muito em comum, mesmo que não soubessem disso naquele momento."
A primeira temporada de Feud, protagonizada por Susan Sarandon e Jessica Lange como Bette Davis e Joan Crawford (respectivamente), se passa nos bastidores de O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), o único filme em que contracenaram. Elas foram dirigidas por Robert Aldrich, vivido por Alfred Molina, com produção da Warner Bros., precisamente na figura influente de Jack L. Warner (Stanley Tucci). A série também conta com Catherine Zeta-Jones como Olivia de Havilland e Kathy Bates como Joan Blondell.
"Acho que tem uma parte do processo de envelhecimento de Hollywood em que há uma data de expiração estampada nas suas nádegas e você está lutando para permanecer relevante e então de repente você acorda e as pessoas decidiram que você já expirou", comentou Murphy. "Todos os nossos protagonistas [...] estavam tendo essa mesma sensação, e isso é muito tocante para mim."
Mas a 'opressão' do sistema de Hollywood não é alimentada apenas por produtores e grandes estúdios, e Feud faz questão de estabelecer também a influência da mídia. Neste caso, cabe a Hedda Hopper (Judy Davis) este papel. "Muito daquilo foi criado pelo sistema, pelos colunistas", explicou o showrunner. "O que eles fizeram ainda acontece hoje em dia com as mulheres. Susan, Jessica e eu conversamos muito a este respeito; esse tipo de relato mulher-contra-mulher é um artifício bastante usado pela mídia como click bait ou para vender jornais naquela época", alfinetou.
Tão fascinante quanto for acompanhar a rixa entre Bette e Davis ir atingindo novas proporções nos bastidores do único trabalho que fizeram juntas, há ainda um outro lado de suas vidas pessoais que Feud não deixa de lado: suas sexualidades.
"Joan Crawford e Bette Davis estavam em seus 50 quando fizeram Baby Jane, e na nossa cultura, após os 40 anos as mulheres não são mais sexualizadas — elas não têm mais desejos, ou necessidades. Foi importante para mim, Jessica e Susan mostrar esse lado de Bette e Joan. Elas eram sexuais, tinham romances, dormiam com homens em seus 50 anos. Elas não eram apenas atrizes e mães, elas tinham uma outra coisa acontecendo, como todo mundo tem. Mas você não costuma ver isso com muita frequência no cinema ou na TV em relação a mulheres acima dos 40, ou particularmente acima dos 50. Então dedicamos muito tempo falando sobre as vidas românticas e sexuais de Bette e Joan, e tendo certeza de que seriam documentadas. Um pouco antes de Com a Maldade na Alma, Bette Davis teve um romance com um ator em seus 20 e poucos anos. Ninguém imaginaria isso de Bette Davis, mas essa era quem ela era e como ela agia. Eu amo o fato de ela ter vivido sem remorso como um homem viveria e eu tinha vontade de mostrar isso."
Feud: Bette and Joan é exibida no Brasil através do Fox Premium, todos os domingos às 22h.