Legion é o que aconteceria se a Marvel, Noah Hawley, Twin Peaks e o primeiro álbum do Pink Floyd tivessem um filho juntos.
A nova série do canal FX chegou à televisão rodeada de expectativas. Trata-se de uma ousada abordagem de uma propriedade da Marvel ("Legião"), com muitas pitadas de abstração. Não é nada do que estamos acostumados com outras adaptações dos quadrinhos, seja Demolidor ou Jessica Jones, Agents of S.H.I.E.L.D ou a franquia dos mutantes no cinema. Mesmo assim — e talvez justamente por isso — ela surpreende. Positivamente.
A série acompanha David Haller, um jovem diagnosticado com esquizofrenia que passou grande parte de sua vida institucionalizado em um hospital psiquiátrico. Lá, ele construiu uma amizade com a jovem Lenny, que está constantemente ouvindo músicas em seu próprio universo. Mas a vida de David muda completamente com a chegada de Syd Barrett, uma jovem que vai fazê-lo acreditar que as vozes que ele ouve em sua cabeça não são exatamente vozes…
E se, de repente, David for capaz de controlar a realidade com a sua mente?
Por trás da série, está a criativa mente de Noah Hawley, showrunner responsável também pela aclamada Fargo (que já conta com duas temporadas e terá a terceira neste ano), e conhecendo o trabalho anterior do produtor e roteirista aprendemos a confiar no fato de que ele está contando uma história maior e mais complexa do que as primeiras impressões dão a entender. O primeiro episódio se presta a introduzir inúmeras partes móveis na história, a dinâmica entre os personagens e o tom subjetivo. Não é uma série que vai agradar a todos, mas aqueles que continuarem muito provavelmente serão recompensados.
Se a câmera nos leva literalmente para dentro da mente de David, é interessante observar que as peças promocionais fizeram um bom trabalho ao esconder detalhes importantes deste início de trama, como a real natureza de Syd Barrett (que não por acaso leva o mesmo nome do líder do Pink Floyd), os laços familiares do protagonista e o desenrolar da história de Lenny. Esta, inclusive, é interpretada tão bem por Aubrey Plaza (existe outra pessoa que poderia dar vida a uma personagem tão particularmente interessante?) que só podemos desejar descobrir mais sobre ela no futuro.
Mas Plaza não é a única que se destaca no elenco, e Rachel Keller (Syd) nos presenteia com uma interpretação delicada de uma personagem igualmente fascinante e misteriosa. Dan Stevens (que será visto nos cinemas em março em A Bela e a Fera) convence como uma figura perturbada e traumatizada.
Naturalmente, o primeiro episódio de qualquer série se dedica primordialmente a introduzir a maioria dos arcos possíveis e dar um panorama geral da temporada sem entregar demais da trama — mas entregando o suficiente para que o público tenha vontade de retornar nas semanas seguintes. O tom propositalmente confuso deste “capítulo um” cumpre a função de deixar, no mínimo, uma curiosidade a respeito da jornada de seu herói e quem (ou o que) está dentro de sua mente atormentada. Ele é ou não um narrador confiável? Quanto do que vemos através dele realmente está acontecendo? O que significa estarmos literalmente (entenda: literalmente) dentro da cabeça de David, como acontece em uma das cenas em que ele e Syd estão fugindo de Ptonomy e Kerry? Como Syd arquitetou a fuga na sequência da piscina? Quebrar a cabeça para responder a estas questões promete ser parte da diversão.
Mas ainda que Legion se destaque pelos desafios de uma direção ousada e de um roteiro que em momento algum subestima a capacidade de seu espectador, existem também aquelas convenções que ligam toda a história no lugar: o fim do episódio traz a personagem de Jean Smart, Melanie Bird, que futuramente deve ser uma espécie de ‘mentora’, semelhante ao Professor Xavier. E há vilões, figurões de quem os heróis precisarão fugir. E, é claro, muitas cores, explosões, e roupas que servirão de inspiração para muitos futuros cosplays.
Com apenas um episódio, é muito cedo para se estabelecer todos os passos que a série está trilhando, sobretudo por ela ter tantas partes móveis e tantas camadas de realidade a serem descobertas. Com tantos nomes competentes por trás da produção, é difícil conter a empolgação com o projeto, e uma fala de David no início do episódio parece até uma metáfora profética em relação à própria série: “Alguma coisa nova precisa acontecer logo”. Aconteceu.
A primeira temporada de Legion contará com oito episódios, exibidos semanalmente no FX todas as quintas-feiras, às 22h30. Os episódios também estarão disponíveis imediatamente em seguida no Fox Play.