Você conhece os Buskers? Estes músicos de rua, muitos deles profissionais há anos, vindos de conservatórios e com grande experiência, são tema da série do Canal Sony, Buscando Buskers.
Além de apresentar seis músicos de estilos variados que tocam pela cidade de São Paulo, o projeto ajuda a desconstruir preconceitos contra os artistas de rua, como explicou o diretor Edu Felistoque ao AdoroCinema. Conversamos com o cineasta, o produtor Victor Dias e com Lúcia Zorzi, uma das buskers retratadas na série:
Como vocês selecionaram os músicos da série?
Edu Felistoque: A ideia surgiu após eu ter lido um crítico musical dizendo que tinha acabado a grande promessa da música popular brasileira. Aqueles que deveriam representar não teriam cumprido esse papel. Achei estranho. Tem uma galera bacana aí, mas será que o cenário está tão ruim assim?
Aí eu estava na Paulista, com o fone de ouvido e de repente eu passo por um, dois, três buskers, e quando eu tiro o fone, que som! Aquele crítico não está andando na rua para saber que a promessa está cumprida, e muito bem cumprida. A ideia surgiu aí. Isso é um movimento que está se formando, estou sentindo uma vibração muito interessante. A gente precisa ser rápido, porque esses movimentos acontecem do dia para a noite, então comecei a fazer uma curadoria junto com a Victória Mazzel, uma das produtoras da série.
Essa curadoria tinha um dogmazinho. Nada de cumprir cota, essa coisa de cota é muito complicada, porque a gente acaba sendo injusto com outros. Falei: “Quero ouvir o som. Não me fala que cor que é, não fala se é gay, se não é, não me fala nada, eu só quero ouvir o som”. Um dos itens do nosso dogmazinho era esse: o artista tem que ter um trabalho autoral. O outro item era não utilizar iluminação artificial, usar a luz do mundo. Eu faço isso também em ficção: quando você chega com equipamento, já está mudando a realidade.
O projeto sempre foi pensado para uma série? Ele poderia se tornar um documentário.
Edu Felistoque: Existem planos para isso. Mesmo porque a série tem 25 minutos cada episódio e o material, por exemplo, que eu tenho da Lúcia Zorzi é de uma hora e meia. Ótimo material, e agora, o que vou fazer com ele? Preciso aproveitar. Então existe esse plano também.
Com essa ansiedade de poder documentar esse momento maravilhoso, eu chamei o Victor Dias, o Sérgio Matiner, a própria Victoria Mazzi, e falei: a gente precisa produzir. Não vai dar tempo de fazer essa captação de recurso via lei, também porque eu não acredito mais tanto assim, a fila é imensa, as coisas demoram. É capaz de todos esses Buskers viajarem embora do Brasil e a gente ainda estar captando recursos.
Mesmo assim a gente queria uma estrutura bacana, aliás, se você der uma olhada, percebe a boa qualidade de produção. Partimos para gravar de forma independente. A curadoria não foi fácil, porque existem dezenas de grandes músicos que se apresentam nas ruas, mas já estamos planejando a segunda temporada, porque não deu para encaixar todo mundo na primeira.
O termo Busker já era familiar para você? Os artistas da série se definem como Buskers?
Lúcia Zorzi: Já. Porque não sei se essa palavra existe em outras línguas. A gente fala o quê? Artista de rua, músico de rua? Eu lembro a primeira vez que ouvi. Estava na Avenida Paulista e tinha um trio canadense tocando um som muito legal, eram incríveis. Eles me perguntaram: "Você também é uma Busker?" Eu respondi: "Não, mas poderia". Fiquei com isso na cabeça.
Edu Felistoque: Eu não conhecia essa palavra. Realmente gosto de documentar coisas das quais não tenho a menor ideia, vou aprendendo. Esse processo de aprendizagem é o mais legal para mim.
Quais foram as suas surpresas ao conhecer os músicos?
Edu Felistoque: Muita gente imagina que, quando você está passando nas ruas de São Paulo, uma cidade indelicada para caramba, ninguém tem tempo para parar. Mas se tem uma música boa daquela, como é que as pessoas não param para ouvir? Se param, por que têm receio de falar com o músico? Muita gente tem na cabeça de que eles são pedintes, mas isso está mudando, estão quebrando esse tabu. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ninguém está pedindo, eles estão tocando.
Lúcia Zorzi: Eu tenho umas histórias não tão legais assim. Mas o que é mágico compensa as histórias estranhas. Também não adianta ficar na ilusão que vai ser tudo maravilhoso. Se você tocar em uma casa de show, também vai ter seus altos e baixos. A rua realmente é uma coisa incrível. Você vai acordar pessoas no meio do caminho e se acordar junto. As histórias ruins que eu tive, eu tenho que esquecer, até dou risada já.
Victor Dias: Essa é a graça da música na rua: você não está esperando aquilo. Você passa por aquele lugar porque tem que passar para fazer alguma coisa, e, de repente, ouve um som. Eu já tive caso de estar com pressa, indo para uma reunião, mas esperei: “Vai, cinco minutinhos eu posso ficar aqui”. Essa é graça de ouvir música na rua. Depois, às vezes, você até vai de propósito para ouvir.
Edu Felistoque: No terceiro episódio mais ou menos, eu já estava me sentindo um Busker. Quando eu comecei a conversa, fiquei amigo de infância de todos eles. É uma identificação maior ainda porque já trabalho como uma espécie de Busker no cinema. Acredito que o artista precisa sim ter essa paciência e ser também o produtor.
Dessa forma, somos livres. “Um cão nunca vai morder a mão do seu dono que alimenta”. Eu me sinto muito livre de fazer meu audiovisual, posso colocar minhas críticas em quem fomentou a verba ou quem não fomentou. Política de esquerda ou de direita, eu sou um anarquista e vou falar! A gente se sente livre, tranquilo, por não estar amarrado a ninguém, com nenhuma situação governamental.
Ser um Busker é uma finalidade em si, ou o espaço da rua é visto pelos artistas como plataforma para conquistar algo diferente, como uma casa de show?
Edu Felistoque: Eu percebo muita gente feliz simplesmente fazendo este trabalho. Isto me deixa contente. Ninguém é proibido de fazer sucesso, não. Mas quando a gente pensa que hoje, na TV, programas musicais se transformaram em concursos, eu me pergunto como um artista pode participar de programas assim.
A minha crítica sobre isso aí é a competição. É a mesma competição que observo hoje nos festivais de cinema. Vou aos festivais para contemplar, para conversar sobre cinema, sobre conceitos. Mas hoje em dia, a única coisa que se fala nos almoços e jantares é o orçamento. Isso incomoda. Quem gosta de competição, vai fazer esporte ou outra coisa, mas arte não é esporte. Os Buskers são livres, eles não têm essa competição. Talvez até tenha a da esquina x,y e z, mas isso é uma brincadeira.
Victor Dias: Acho que, na verdade, a música, o cinema e o mundo está caminhando para sair da lógica de competição e partir para a colaboração, o compartilhamento. Tocar na rua é isso também: não é a competição da loja, com um CD do lado do outro.
Lúcia Zorzi: Acho muito lindo o que vocês dizem sobre a competição, porque é uma coisa que eu sempre pensei. Todo mundo me sugere para ir no The Voice. Escuto isso o tempo todo! Mas já tenho uma resposta meio pronta: “Não é a minha vibe”.
Eu Felistoque: Eu tive uma experiência muito grande com os músicos. Aliás, a grande virtude dos Buskers da série é a virtuosidade desses grandes artistas. Letras perfeitas, ótimas, música, voz, é muito completo. Além disso, gente abriu um leque, tem de tudo lá para qualquer um. Se você não gosta da música da Zorzi, você vai gostar de outro.
É diferente da tensão pré-fabricada dos reality shows.
Edu Felistoque: Isso é indústria, não tem nada a ver com arte. Eu estava com um curta documentário meu, Zagati, em um festival em Paris, e quando chego lá, uma jornalista me diz: “Ah, ok, um brasileiro. Mais um filme sobre pobreza!”. Aí eu respondo para ela: "Não é um filme de pobreza, é um filme de riqueza. Veja este filme. Você vai ver que essa personagem mora lá na periferia, embora toda coitada, ele é rico, ele é milionário de intenções e valores".
Acho estranho quando todo mundo fala: "Vamos levar arte para a periferia”. Não senhor, lá está cheio de arte, tá cheio de cultura. Não tem que levar, tem que extrair. Esses Buskers são maravilhosos porque eles já estão prontos com essa realidade.