Uma pequena parcela do público brasileiro foi enfim apresentado a uma das grandes joias da TV norte-americana recente: Transparent, cujo piloto foi exibido nessa terça-feira (9) no RioContentMarket 2016. "Espero que isso mude em breve", torceu Rhys Ernst, produtor da série, consultor e um dos principais responsáveis pelo sucesso da desafiadora produção da Amazon.
"Eu me considero um artista antes de um ativista". É assim que Rhys Ernst, um homem que tomou as duas principais decisões de sua vida (se tornar cineasta e fazer a transição de gênero) quase que simultaneamente, define o seu perfil artístico, e crê ser uma das fórmulas de sucesso de Transparent.
Ao longo de suas duas primeiras temporadas a série vencedora de Globos de Ouro e Emmys vai muito além do universo transgênero e aborda questões libertadoras a todos que se veem submetidos a minorias e rótulos (no trabalho ou até em casa) pré-estabelecidos pela sociedade. E promete levar essa proposta "ainda mais fundo" na terceira temporada.
"Eu estou muito empolgado", disse Rhys, em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, ao contar que acabaram de começar as filmagens do novo ano, que será "totalmente diferente" dos dois primeiros em alguns aspectos. O produtor destaca uma abordagem mais "minuciosa, profunda e intimista" dos membros da família Pffeiferman — e, claro, de sua matriarca, Maura (Jeffrey Tambor).
"Nós veremos qual será o próximo passo dela em sua transição [de gênero] e mais de sua relação com Vicki (Anjelica Huston)", prometeu Rhys, que voltou a tocar num assunto espinhoso: o fato de um ator cisgênero interpretar Maura. "Não vejo um problema se for pelo motivo certo", resumiu ele, que já falara antes sobre a dificuldade de encontrar uma atriz transgênera de 70 anos que fosse capaz de protagonizar a série. Jeffrey Tambor assumiu o papel com tanta competência e sensibilidade que transformou Maura no papel mais premiado de sua longa carreira.
Outros projetos
Recentemente, um projeto de grande visibilidade contou a história de uma mulher transgênera pioneira: Lili Elbe, artista biografada em A Garota Dinamarquesa. Rhys Ernst teve a oportunidade de trabalhar como consultor do filme, muito embora tenha entrado no projeto no meio. A experiência não foi ideal, porém positiva.
"Pra mim, o ideal é começar um projeto desde o início. Eu gostaria de ter podido participar de A Garota Dinamarquesa antes, mas eu ainda não tinha tido contato com eles naquele momento. Mas eu tive uma
experiência muito positiva em trabalhar com a equipe responsável pelo filme, e fiquei muito feliz com o resultado", disse ele.
Em breve, Rhys Ernst desenvolverá seu próprio filme, agora de ficção. Segundo ele, uma comédia de amigos com homens transgêneros, e ele está 100% comprometido em escalar gente que vive essa experiência na vida real. Para ele, o esforço para encontrar um ator transgênero é bem menor que a recompensa artística.
"Eu não precisei fazer uma busca em todo o país para encontrar um ator transgênero para [o curta-metragem] The Thing, que foi um filme de estudante. Ele era totalmente desconhecido e foi perfeito para o papel. E agregou muito, trazendo todo o seu histórico pessoal sobre o seu corpo, seu visual, seu modo de pensar, tudo, e tudo isso ajudou a criar um retrato completo desse personagem. Nós fomos muito além. O resultado compensa o investimento. O que eu consegui desse ator valeu muito a pena", disse ele sobre Hilt Trollsplinter.
O transgênero no audiovisual
A participação de Rhys Ernst no RioContentMarket 2016 foi uma profunda reflexão sobre "como mudanças na sociedade afetam a mídia e como a mídia pode provocar mudanças na sociedade". Assim, o cineasta tem todo o direito de crer e esperar que o atual círculo vicioso irá se tornar um círculo virtuoso em breve, com pessoas transgêneras ocupando um espaço mais representativo no show business.
"Já estamos começando... Nos Estados Unidos, Laverne Cox está se tornando uma grande estrela. É muito bom que atores transgêneros possam desenvolver suas carreiras e fazer um grande trabalho. E eu tenho muito orgulho de poder trabalhar com muitos deles em Transparent e em outros projetos", contou Rhys. Ele ainda pontua que "há menos papéis para homens transgêneros". Então, nada mais justo que fazer um filme estrelado por não somente um, mas dois.
Por fim, Rhys Ernst foi pego de surpresa pelos contornos que envolveram a revelação de Lilly Wachoswki no Dia Internacional da Mulher. Irmã da transgênera Lana Wachowski (sua cocriadora de Matrix), Lilly antecipou a notícia de sua transição de sexo porque estava sendo chantageada por um veículo jornalístico. Rhys lamentou que ela tenha sido forçada a tomar essa decisão, e, sem relativizar, tentou ver um aspecto positivo no fundo de tamanha invasão de privacidade.
"Eu acho que isso pode ajudar o movimento transgênero e as pessoas a saírem do armário. Claro, é preciso levar em conta se a pessoa tem algo a perder, um emprego, o que seja. Agora, quando as
pessoas tiverem em posição de escolher se querem ou não se libertar, será bom para elas, para o mundo, para a comunidade transgênera e para o mundo", disse Ernst, acreditando na força da representatividade para que outras pessoas se descubram, se aceitem e vivam em paz consigo mesmas.
Que Rhys Ernst siga sendo esse grande exemplo de artista e ganhe cada vez mais visibilidade para representar uma causa tão justa e urgente.