Após uma eletrizante primeira temporada em 2013, House of Cards escorregou um pouco em seu segundo ano. Ainda conseguiu oferecer uma história intrigante e protagonistas fascinantes, mas não tinha núcleos secundários tão fortes e a intriga ganhava mais espaço do que o debate político. Pois bem, esta terceira temporada corrige tais problemas ao oferecer uma trama envolvente e viciante. E de forte impacto geopolítico.
Demonstrando uma coragem de quem não se preocupa com audiência, como acontece nas emissoras tradicionais, a produção da série da Netflix dedicou o primeiro episódio da temporada a um personagem secundário: Doug Stamper (Michael Kelly, em uma atuação que tem tudo para lhe render indicações a prêmios televisivos). A ação se inicia justamente no ponto em que a temporada anterior parou, mas é interessante notar que os realizadores não fizeram a opção óbvia de começar com o casal Underwood na Sala Oval. Eles preferiram mostrar o que aconteceu com Doug após os trágicos acontecimentos na floresta.
Nos episódios seguintes, como era de se esperar, o foco volta para o agora presidente Francis Underwood (Kevin Spacey), que tem problemas em lidar não apenas com a oposição republicana, mas também com a própria base aliada. Presidente interino, ele não tem o apoio do partido para buscar a reeleição para um novo mandato. Com isso, resolve traçar um plano para garantir sua continuidade na Casa Branca.
A chegada de Francis ao poder deu um novo gás à produção, que passou a tratar de temas mais sérios. Se a segunda temporada já parecia atual ao retratar problemas com o governo chinês, a nova é ainda mais radical ao mostrar dificuldades na relação com a Rússia. Por sinal, é possível que Vladimir Putin não tenha ficado nada feliz com a série, afinal o presidente russo na produção, Viktor Petrov (Lars Mikkelsen), é claramente inspirado nele.
A crise no Oriente Médio, intrigas nas Nações Unidas, ataques de drones... São vários os temas atuais abordados pela produção, que conta inclusive com participações especiais de nomes como Stephen Colbert e o grupo de punk rock Pussy Riot.
Jimmi Simpson, Elizabeth Marvel, Mahershala Ali, Molly Parker, Derek Cecil e Kim Dickens são outros nomes do elenco, mas é impossível não destacar a atuação de Robin Wright como a primeira-dama Claire Underwood. Ele tem uma presença incrível em cena, colocando, em alguns momentos, até mesmo Kevin Spacey em segundo plano.
Mesmo contando com apenas 13 episódios, é importante destacar que a série consegue dizer muito em pouco tempo. São vários os temas tocados, com o espectador seguindo seus protagonistas em inúmeras situações interessantes. Mais uma vez aproveitando-se do fato de não ser uma produção televisiva, House of Cards investe em capítulo longos, quase todos com mais de 50 minutos de duração.
Uma das marcas da série, a quebra da quarta parede, com o protagonista falando diretamente ao espectador, continua presente, mas agora de forma mais pontual, o que acaba tornando o artifício mais impactante. Por sinal, Spacey continua fenomenal na produção. Após o reinado de Bryan Cranston (Breaking Bad), podemos imaginar que o ator irá dominar premiações como o Emmy, o SAG Awards e o Globo de Ouro pelos próximos anos.
Nesta terceira temporada, Kevin Spacey constrói um Underwood mais frágil, ainda que com seus momentos de fúria. É curioso ver o impacto do poder em seu dia a dia. Ele deixa os games de guerra para trás para investir em joguinhos de tática bobinhos para tablets, o que mostra a mudança de espírito do personagem. Ele não precisa mais lutar para chegar ao poder, mas sim planejar para continuar lá. A série conta com um impressionante trabalho de maquiagem, que ao longo da temporada vai criando "marcas do poder" no rosto de Francis. Ao final da temporada, ele parece bem mais velho, algo que não é raro entre políticos.
Mas cada vez mais HOC não é uma série apenas sobre Frank Underwood. É uma produção sobre o vício, como o personagem de Doug deixa claro. Quando ele se vê impossibilidade de suprir seu vício pelo poder, ele acaba se entregando mais uma vez à dependência química.
A série continua com trabalhos impressionantes de direção, montagem e roteiro, com direito a diálogos fenomenais e boas frases de efeito como: "Você não transforma um 'não' em um 'sim' sem um 'talvez' no meio" ou "nenhum político consegue resistir fazer promessas que ele não pode cumprir".
Outro destaque vai para a direção de fotografia, que continua usando cores frias, mas que já não insiste tanto em ambientes sombrios. Todas as cenas são muito bem pensadas, passando claramente ao espectador a vontade do roteiro. Um exemplo claro disso é a relação entre Francis e Claire. Os dois passam quase toda temporada de lados diferentes da câmera. Eles continuam juntos em cena, mas não estão mais tão próximos, o que representa um momento de instabilidade no casamento dos dois.