Lembrada constantemente como uma das grandes produções infantis do fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, Digimon sempre teve um apreço muito forte por aspectos narrativos. Apesar de ter momentos emblemáticos guiados por muita ação, fantasia e ficção científica, o anime dos monstrinhos digitais dispõe de muitos momentos dramáticos que marcaram a infância dos fãs.
Um episódio emblemático nesse sentido, que provavelmente deixou muitas crianças assustadas na época, é "O Uivo de Dragomon", 13º capítulo da segunda temporada da animação. Nele, Kari é arrastada para um local que não é o mundo real, nem o mundo digital. T.K, com Gatomon e Patamon em seu encalço, vão atrás da garota para salvá-la e derrotar um novo inimigo.
Digimon Adventure 02: O Início sacrifica nostalgia e flerta com o terror em filme que mudará a franquia para sempreQuem assistir a esse episódio um pouco mais velho, principalmente se for alguém apaixonado por literatura fantástica, vai notar algo interessante neste capítulo: toda a sua condução é traçada a partir de referências à obra de H.P. Lovecraft, em especial ao Chamado de Cthulhu.
Sombrio e diferente do tom comum de Adventure 02, esta história pode ser vista como um simples filler para muitos, mas é uma oportunidade de utilizar a mitologia lovecraftiana para mostrar os medos e receios da irmã mais nova de Tai. Nele, vemos como Kari começa a sofrer efeitos físicos por estar deprimida e enquanto está nessa condição, é transportada para a dimensão do Oceano Negro, um lugar criado por pensamentos e energias negativas das pessoas.
No início do episódio, já na abertura, há uma menção à história de Lovecraft. Com os códigos do próprio universo de Digimon, o anime faz uma citação disfarçada à frase do conto do escritor: "Em sua casa em R'lyeh, Cthulhu, morto, aguarda sonhando". Essa dimensão nefasta ainda inclui diversas referências ao conto com menções diretas, como a cidade de Innsmouth e, enfim, Dagomon, um digimon que tem diversas características da criatura mais amedrontadora do autor norte-americano.
Uma das representações de Cthulhu é o fim da humanidade e a espera contínua pelo momento certo de escravizar os seres humanos. A presença de Kari neste lugar funciona, dessa forma, tanto como uma manifestação da psique da personagem, que se sente fraca e impotente, como também um meio de consolidar a sua força a partir do brasão da luz.
"Nunca chorei tanto!": É assim que a saga de Digimon Adventure se despede (por enquanto)A partir do conhecido embate do bem contra o mal, ela também é atraída para este lugar, pois teria um papel fundamental na perpetuação das criaturas que adoram a este Deus antigo que vive nas profundezas do mar. Neste aspecto, há temas um tanto adultos para a animação, como a ideia de que este monstro precisa de uma rainha ou esposa para ganhar novos adoradores. Além da inspiração clara, o capítulo é também um espaço assertivo da série sobre as nuances da tristeza, com algumas breves metáforas sobre depressão, angústia, propósito, a vida e a morte.
Essa não foi a última interação do universo de Digimon com as obras de Lovecraft. Um dos responsáveis por esse cruzamento é o roteirista Chiaki J. Konaka, escritor desse episódio e também o responsável por Digimon Tamers, que também conta com diversas alusões às histórias lovecraftianas.
Digimon Adventure 02 está disponível no catálogo do Globoplay.