Em mais de um século de existência, o cinema já produziu inúmeras adaptações nos mais variados estilos, das mais inventivas maneiras e a partir de uma infinidade de mídias. Óbvio que dizer que algo se encaixa naquela prestigiosa lista de “melhores de todos os tempos” pode ser uma atitude ousada, mas é inegável que há filmes que merecem uma atenção especial quando bem executados.
Scott Pilgrim Contra o Mundo é um destes projetos que encontra um diferencial mesmo uma década após seu lançamento. Lançado em 2010, o filme não causou o frisson semelhante ao início da recente era dos super-heróis, mas fez sucesso o bastante para popularizar ainda mais as HQs de Brian O'Malley, deixar o mundo admirado com um elenco extremamente prodigioso e estabelecer Edgar Wright como um dos grandes nomes do cinema mainstream.
Michael Cera assustou o elenco de Scott Pilgrim ao tomar decisão bizarra com 9 anos de atrasoBaseado nos quadrinhos do autor canadense, a trama acompanha o personagem-título em uma desventura amorosa. Interpretado por Michael Cera, o jovem integra uma banda de colégio, vive trocando de emprego e tem um namoro morno com uma garota mais nova. Sua vida segue constante até conhecer Ramona V. Flowers (Mary Elizabeth Winestead).
Ele logo se apaixona perdidamente por ela, só que não será fácil conquistar seu amor. Para ficar com a garota dos seus sonhos (literalmente), ele precisa enfrentar os sete ex-namorados dela, que estão dispostos a tudo para impedir sua felicidade com outra pessoa.
Revisitando um jovem “clássico cult”
Treze anos após apostar as fichas em Scott Pilgrim Contra o Mundo, o jornalista que vos escreve decidiu revisitar o filme que hoje está disponível apenas para compra ou aluguel digital em plataformas como Prime Video, Youtube, Google Play e Apple TV.
Em um primeiro momento, a nostalgia natural invade não apenas o televisor, mas também quem o assiste. Isso porque nos primeiros segundos de execução, o longa que já "explodiu a mente" de um jovem adolescente não perde tempo em localizar o telespectador em um universo tomado por referências à cultura pop.
Repeteco: Blake Lively, de Gossip Girl, vai adaptar graphic novel do criador de Scott PilgrimProduzido e distribuído pela Universal Pictures, o projeto começa com o típico logo do estúdio. Embora pareça comum, há um diferencial: tudo na tela está trajado em pixel art sob o estilo da era de games 8-bit. Um aceno aos fãs dos quadrinhos que sabem muito bem como o universo dos jogos eletrônicos é crucial para a série, esta é apenas uma das várias decisões da montagem em fazer esse exercício transmídia.
Durante toda a história, efeitos especiais são usados como recursos para criar uma narrativa fantástica em meio a esta trama aparentemente cotidiana. Transições ágeis, uma trilha sonora que ecoa no imaginário dos fãs até hoje e um roteiro vibrante que se comunica com cada ato dos personagens. Aqui vê-se não apenas uma inspiração na cultura pop, mas um meio fabular de dançar entre todos esses estilos - com direito a sequências que também se inspiram no teatro.
Com esse guia estético e uma direção atenta, a caixinha de inovações do filme ainda apresenta letterings e onomatopéias vindos diretamente dos quadrinhos, transições bem-humoradas através de efeitos práticos, um eventual narrador que dá toques ácidos aos acontecimentos, entre outros recursos que bebem diretamente de uma fonte infinita de games, filmes, programas de TV, séries, quadrinhos, músicas, entre outros.
Como adaptação, o longa não apenas consegue criar uma abertura para o mundo live-action, mas homenageia o material de origem com a mistura de linguagens. Isso é feito enquanto o projeto se dedica a um espaço onde os quadrinhos não alcançam: sem deixar a essência para trás (muito pelo contrário), musicalidade e elementos de audiovisuais retiradas de thrillers de ação ajudam o filme a contar a própria versão de Scott Pilgrim.
Entre ex-namorados com poderes e um romance que se abre de forma desconcertante - algo que talvez, pela correria do filme, seja um bocado defasado - a história também aborda este momento bizarro do início da vida adulta, quando muitas pessoas se encontram perdidas entre o fim do período escolar e o começo da batalha contra boletos, questões financeiras, excesso de responsabilidades e dilemas sobre os próprios sonhos.
É claro que o longa conta com suas falhas, mas sem sombra de dúvidas apresenta uma adaptação digna das HQs escritas em meados dos anos 2000. Apesar das atuais gerações se distanciarem significativamente da era vivida por Scott e seus amigos, nunca se torna fora de moda uma boa e charmosa narrativa sobre amor, sonhos e, claro, o chamado do amadurecimento. Ainda mais quando se tem tantos hits durante essa jornada.
Scott Pilgrim Takes Off
Treze anos depois, a trupe se reuniu para encarnar seus personagens mais uma vez, agora em um tipo de linguagem que, provavelmente, permitiu que os sonhos mais insanos do criador desta história se materializassem. Há poucos meses, a Netflix anunciou a produção de Scott Pilgrim Takes Off, um anime de oito episódios que funciona como uma adaptação mista de filme e quadrinhos, enquanto encontra uma nova forma de contar a própria história - com direito a alterações, atualizações e guinadas completamente inesperadas.
Com um debute de 100% de aprovação no Rotten Tomatoes, a série animada já ganhou muitos elogios em suas primeiras horas de estreia. Embora essa porcentagem mude ao longo dos próximos dias, meses e anos, é bonito ver como algumas histórias continuam a funcionar tão bem entre diferentes mídias. Mesmo que, eventualmente, o protagonista não se mostre um cara tão correto logo de cara, nada tira o brilho deste universo fantástico do qual - apesar de toda megalomania - é fruto de muita identificação.
Com oito episódios e o envolvimento de todo o elenco original, além de O'Malley e Wright, a série já está disponível no catálogo da Netflix.