O Rei Da TV - produção nacional e original Star+ - estreou em 2022 apresentando a construção do mito meritocrático de Silvio Santos (interpretado por José Rubens Chachá, ator de Tudo Bem no Natal que Vem). Da juventude, enquanto vendedor de rua, até o início da carreira de locutor, a série também explora a veia empresarial sempre ousada de Senor Abravanel (nome de batismo de Silvio Santos), o casamento com a televisão e o sonho da emissora própria, o SBT.
A segunda temporada de O Rei da TV, que estreou no dia 29 de março de 2023 no Star+, já parte de um Silvio consolidado na televisão brasileira. Mas tudo que é sólido pode derreter, e o reinado de Silvio é testado, inclusive em sua vida pessoal. Traçando dois paralelos interessantes, a temporada explora concomitantemente dois períodos extremamente delicados da trajetória do apresentador: a década de 1990 e o ano de 2010.
Silvio, acostumado a conseguir quase tudo o que quer, decide desafiar as linhas que nós, meros mortais, costumamos chamar de limites, ao se candidatar ao cargo de Presidente do Brasil. A empreitada não dá certo, mas o fato é aproveitado pela série para passear pelos meandros que atravessam política e comunicação. E mais uma vez, se mostra eficiente em sempre destacar o quanto Silvio parece estar envolvido em quase todos os acontecimentos históricos relevantes a sua volta: e quando não está diretamente envolvido, está se aproveitando deles de alguma forma.
O Rei da TV resgata período polêmico da história do Brasil
O ano de 2010 não é resgatado à toa. Foi quando aconteceu a quebra do Banco Panamericano - e a quase quebra do Grupo Silvio Santos e seu patrimônio bilionário. Todavia, nem sempre essa opção pela simultaneidade dos momentos na série se mostra harmônica, e 2010 acaba servindo de acessório à história que o espectador realmente quer saber.
Novamente se propondo a ser uma série para iniciados na história da televisão brasileira, não há como não se mobilizar pela atmosfera criada, que remonta a fatídica Guerra por Audiência travada pela TV Globo e o SBT nos anos 90. A guerra em questão fica ainda mais interessante graças a dois fatores bem aproveitados na série: o personagem muito bem desenvolvido Gugu Liberato (com uma interpretação cativante de Paulo Nigro) e a rivalidade construída desde a primeira temporada entre Silvio e Rossi (Celso Frateschi), o diretor de programação da TV Globo (uma releitura de Boni).
Remontando momentos inesquecíveis (e controversos) da televisão brasileira, como a banheira do Gugu e o sushi erótico do Faustão (Herton Gustavo Gratto), a série não tem medo de ser um suco de anos 90, inclusive trazendo referências à MTV e a tudo o que estava impactando a cultura e o comportamento da época. Sem dúvidas, só isso já daria muito pano pra manga (o que dizer da falsa entrevista do PCC?), e acaba ofuscando outros grandes temas que a série propõe, como o sequestro de uma das filhas e o do próprio apresentador, além da crise no casamento com Iris Abravanel (Leona Cavalli), que se desenrolam em 1999 - embora a produção opte por não se manter totalmente fiel às datas reais dos acontecimentos.
As caracterizações não chegam a ser um dos pontos fortes da série, mesmo que a tentativa da direção de arte em reproduzir, especialmente os estúdios do SBT, seja notável. E é impossível não sentir falta de personagens que estavam na emissora nos anos 90 (como Hebe Camargo, Jô Soares e Serginho Groisman). Todavia, a experiência continua sendo, no geral, positiva.
Entre as produções nacionais recentes que compõem o catálogo dos streamings gringos, O Rei da TV continua sendo um destaque. Por se propor a contar não só a história de Silvio, mas também explorar o quanto essa trajetória se mistura diretamente com a da própria televisão brasileira, já carrega em si um mérito enorme. Mas é possível esperar - e até compreender - que a produção não agrade necessariamente a família Abravanel.
Série de Silvio Santos pode ter continuação?
A segunda temporada deixa um gancho para uma possível terceira parte, afinal de contas, a Casa dos Artistas ainda virá para mudar os rumos do entretenimento do país e abrir caminhos para a febre dos reality shows, que até hoje ocupam espaços de extrema relevância em todas as emissoras de televisão.
O Rei da TV não quer ser Succession, assim como o SBT nunca quis ser a Globo. E ainda bem.
Com direção de Marcus Baldini, Carol Minêm e Julia Jordão, a segunda temporada de O Rei da TV está disponível somente no Star+.
Nota: 3,5/5