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    Coletiva com Selton Mello

    Homenageado na 15ª Mostra de Tiradentes, Selton Mello fala sobre sua carreira de diretor e ator.

    Selton Mello é o grande nome da 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Homenageado pelos 30 anos de carreira, o ator e diretor se emocionou na cerimônia de abertura, quando foi às lágrimas após a exibição de um vídeo com cenas de vários filmes em que atuou. No dia seguinte participou de um seminário, com presença do público e da crítica, onde conversou sobre sua carreira. Mais uma chance para novas homenagens, desta vez vindas de seus fãs do outro lado da telona.

    O Adoro Cinema esteve presente em ambos os momentos e ainda participou de uma coletiva com o ator. Os melhores trechos destas várias conversas você pode conferir logo abaixo. Boa leitura!

    HOMENAGEM EM TIRADENTES

    ”Fico muito contente. Tenho 39 anos de idade, só que há mais de 30 eu faço isto. Desde criança sou ator, comecei fazendo comerciais, cantando em programa de calouro infantil. Depois fiz novela, dublagem, teatro e cinema. Então, apesar de novo, já tenho quilometragem. Receber uma homenagem é um incentivo e tanto para seguir adiante.”

    Selton Mello também falou sobre a constante insatisfação que tem como artista, que por vezes coloca seu próprio trabalho em questão. Algo amenizado por uma homenagem como a recebida em Tiradentes. ”A grande verdade é que o tempo todo penso em desistir de tudo. Quando você é homenageado, aí você pensa que faz direito. Quando você faz um filme legal, você pensa em ir adiante. Esta insatisfação é da natureza do artista. Sou um artista como qualquer outro, sempre quero mais, que podia melhorar, que no próximo posso dar um salto maior e é assim que vou indo.”

    DA TV PARA O CINEMA

    De formação televisiva, Selton Mello hoje apenas trabalha na telinha em projetos especiais, especialmente séries de curta duração. O ator falou um pouco sobre como foi esta migração da TV rumo ao cinema. ”1998 foi meu ano de ouro como ator, o ano mais feliz que tenho na lembrança. Tinha 25 anos e nele fiz O Auto da Compadecida e Lavoura Arcaica. Ariano Suassuna e Raduan Nassar, Guel Arraes e Luiz Fernando Carvalho, que foram caras que fizeram muito a minha cabeça. Fiz uma novela em 1999 chamada “Força de um Desejo”, que foi minha última novela, e nela me sentia um burocrata. Ia, recebia meu salário, passava o crachá, decorava o texto, ia para casa... Depois de oito meses comecei a me perguntar o que porquê de estar fazendo isto. Não combinava com arte. Foi a partir dali que trilhei o caminho do cinema, mas muito favorecido com a grandeza de coisas que vivi no Lavoura e no Auto.”

    ATOR DE NOVELA x ATOR DE CINEMA

    ”Não sei se faço esta distinção. Acho que o comprometimento talvez, a falta de tempo para aprofundar um trabalho. Tenho uma grande admiração pelo Tony Ramos, acho um ator extraordinário. Ele consegue algo que me parece um feito. Ele é um ator de novela. Faz cinema, teatro, mas faz muita novela. Fico muito impressionado porque ele consegue manter o nível alto do trabalho dele. As novelas que ele faz são sempre grandes trabalhos e coisas distintas, ele faz um indiano, um grego, um coronel do mato, um camarada urbano do Rio de Janeiro... Ele tem uma variedade imensa. Na TV você não tem tempo de preparação, é tudo muito ligeiro, são 30 cenas por dia. Então admiro muito o Tony por isto. Já no cinema você faz uma ou duas cenas por dia, dá para elaborar melhor tudo. Por outro lado, a minha escola é a TV. Não sou formado em nada, aprendi fazendo as coisas e observando grandes atores. O lado bom da rapidez da TV é que te dá uma agilidade de raciocínio muito grande. Então se você está acostumado a fazer 30 cenas por dia você tem que tirar muito coelho da cartola, ser muito criativo em pouco espaço de tempo. Isto te dá uma bagagem muito boa.”

    LAVOURA ARCAICA

    Em várias entrevistas Selton destacou a importância de Lavoura Arcaica na decisão em privilegiar uma carreira no cinema. ”Foi uma forma de abordar a profissão de uma maneira muito elevada. O nível que o Luiz Fernando Carvalho trabalha é muito alto e isto faz bem. Em alguns momentos da vida você é levado pela correnteza da mediocridade, do burocrático, e tenta sair dela. Ao longo da carreira em alguns momentos você tem esta epifania sobre o que você quer. Em Lavoura eu tive a primeira, só que era um menino de 25 anos. Ali vi a grandeza da minha profissão, como é nobre o que faço. O que me encanta n’O Palhaço é que veio de novo esta epifania, só que com uma diferença enorme. Lavoura foi dirigido pelo Luiz Fernando e baseado em um livro extraordinário do Raduan Nassar, enquanto que O Palhaço saiu da minha cabeça e do meu coração. Então tive uma epifania provocada por mim mesmo. É muito mais prazeiroso.”

    CRITÉRIOS DE ESCOLHA

    ”Como ator tenho vários critérios. Às vezes para ganhar uma grana, às vezes porque achei o roteiro incrível mas nem tanto o diretor. Às vezes não gostei nada daquele roteiro, mas tenho muita curiosidade de trabalhar com aquele diretor. Tem vários critérios que posso ter para fazer um filme ou deixar de fazer. Como diretor não existe isto, é porque quero falar muito disto. É uma necessidade visceral de dizer algo, é muito inspirador. Por isso dirigir tem me mobilizado tanto.”

    UM DIRETOR PARECIDO COM O ATOR

    Na abertura da Mostra de Cinema de Tiradentes Selton Mello disse que pretende ser um diretor parecido com o que ele próprio é como ator. Questionado sobre o assunto, ele explicou melhor. “Sou um ator que anda por vários lados. A Erva do Rato, um filme altamente radical e experimental do Júlio Bressane, e A Mulher Invisível, algo absolutamente popular e comercial. Talvez seja por aí meu caminho como diretor. Daqui a 15 anos, quando voltar para a 30ª Mostra e tiver 12 filmes lançados, aí poderemos ver isto. Hoje não consigo vislumbrar ainda uma definição minha como diretor.”

    SEGUNDO FILME COMO DIRETOR

    ”Costumo dizer que meu primeiro filme foi um grito, enquanto que o segundo foi um sussurro. Você fica com uma ansiedade muito grande ao estrear, então fica assoberbado com as suas referências e o que tem a mostrar, isto é muito claro nos primeiros filmes de vários diretores. Sinto um pouco esta coisa em Feliz Natal. Para o segundo filme há uma calma maior, pois você já estreou. Porém, no segundo entrou um novo dado, que foi o fato de atuar também. Então era quase esquizofrênico eu me dirigir, pois fazia a cena e falava corta. Para quem estava de fora era até algo bastante engraçado. Mas correu tudo bem, deu tudo certo.”

    CINEMA BRASILEIRO HOJE

    ”O cinema brasileiro já vai muito bem internacionalmente. A Mostra de Tiradentes é pródiga disto, de mostrar novas cabeças pensantes do audiovisual, e estes jovens que passaram por aqui já foram a Cannes, Roterdã... Eles viajam muito. Estes filmes mais autorais, de uma linguagem mais inventiva, viajam muito bem. Por outro lado, é preciso também conquistar o público brasileiro, que é algo que também vem vindo. No ano retrasado teve o fenômeno Tropa de Elite 2, com 11 milhões de espectadores. O ano passado foi interessante, pois o cinema brasileiro foi muito bem mas foi um pouco mais pulverizado, o que a meu ver é mais saudável. Não tivemos nenhum Tropa, mas sete filmes que fizeram mais de um milhão. O Palhaço foi um deles, com 1,5. Isto é bom, é importante o público brasileiro se ver na tela. O cinema é uma espécie de espelho do que a gente representa. Por isso digo que esta geração de atores que deu uma cara ao cinema brasileiro, da qual faço parte, é muito importante. Nós personificamos os mitos e os heróis brasileiros. Nós não somos o Brad Pitt, não somos Johnny Depp, somos Wagner Moura, Lázaro Ramos, João Miguel, Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele. Nós falamos português.”

    POUCO VALORIZADO?

    O comentário sobre a geração de atores da qual faz parte, que deu uma cara ao cinema brasileiro, gerou o questionamento se Selton não se sentia valorizado na atual conjuntura brasileira. ”Acho que há valorização. Os americanos é que fazem isto muito bem. Volta e meia a gente abre uma revista e estão lá Brad Pitt, Johnny Depp, Edward Norton... Aqui tinha que ter um lance assim, uma matéria importante, um raciocínio sobre isto, juntar nós todos em um debate como este. Algo deste tipo.”

    PREPARADORES DE ELENCO

    A figura do preparador de elenco tem ganho força no cinema brasileiro, especialmente após o trabalho feito por Fátima Toledo em Tropa de Elite. Selton falou sobre o porquê desta situação. ”A dificuldade dos diretores em trabalhar com atores faz com que haja esta grande demanda pelos preparadores de elenco. Acho ótimo, eles são realmente muito talentosos. Isto é muito importante porque os diretores não têm noção do que significa um ator. Eles precisam de alguém que faça isto por eles. Tenho plena admiração por diretores que se aventuram a fazer isto. O ator é a alma de um trabalho, então lide com ele diretamente e não através de intermediários.”

    LISTA SELETA DE DIRETORES

    Selton Mello comentou que no Brasil existem mais ou menos cinco diretores que sabem dirigir atores. O ator não se esquivou em citar alguns nomes. “Luiz Fernando Carvalho, Guel Arraes, José Eduardo Belmonte... Os outros preciso pensar. Para você ver que não tem tantos assim.”

    PRÓXIMO FILME

    ”Ainda não sei. Acho que vou viver uma coisa curiosa. Geralmente um diretor sofre pressão do primeiro para o segundo filme, é uma coisa bastante comum. Comigo vai ser diferente, será do segundo para o terceiro. Porque o meu primeiro filme foi tão radical, tão sombrio e tão pouco visto, que não tive o menor pudor em ir pro segundo. Mas para o terceiro talvez eu tenha. Porque O Palhaço fez sucesso, abriu um novo caminho para o cinema brasileiro, a possibilidade de fazer algo popular e autoral. Ele conseguiu juntar estas duas coisas, algo que até então ninguém vinha fazendo. Então acho que agora vai ter uma expectativa muito grande se eu vou seguir nesta onda. Ainda não sei, estou lendo várias coisas. Pensando.”

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