Em passagem pelo Rio de Janeiro para apresentar nada menos que três filmes no Festival do Rio, Willem Dafoe conversou com o Adoro Cinema sobre sua carreira.
Os três longas selecionados para o evento foram 4:44 Last Day on Earth, O Caçador e Uma Mulher. Este último foi dirigido pela esposa do ator, a italiana Giada Colagrande, que também veio à capital fluminense. Já 4:44 marca a terceira parceria entre Dafoe e o cultuado cineasta Abel Ferrara.
Ao longo de sua carreira, Willem Dafoe viveu personagens memoráveis em filmes como Platoon, A Última Tentação de Cristo, Coração Selvagem e A Sombra do Vampiro, mas acabou marcado pelo grande público como o vilão de Homem-Aranha.
Abaixo você confere o que de melhor rolou no bate papo com o ator.
A MULHER
Foto: André Henrique Oliveira
Dafoe começou a conversa falando sobre o longa dirigido pela esposa. "O modo como ela filma e como pensa a trama é bem formal, por mais que o contexto em que ela insira a história e a presença de uma forte ligação com a imaginário. Então quando vai fazer o filme é importante se despir de tudo aquilo que já conhece. Seus personagens usam o mínimo de expressão possível e gosto deste tipo de abordagem menos naturalista. Uma das razões pela qual me sinto atraído pelo cinema dela é que é bem diferente do que costumo fazer. É um desafio para o público. Como é um filme pequeno que foi produzido por nós mesmos, sinto que existe um pouco menos de responsabilidade. Claro que queremos que as pessoas gostem, mas fizemos o filme que queríamos fazer. Como ator sinto mais o mundo que criamos com a história e menos a pressão para saber se está indo bem de bilheteria ou não", revelou.
CRISE EM HOLLYWOOD
O ator reforçou que não é um especialista no mercado cinematográfico, mas reconheceu que a sétima arte não vive seu melhor momento financeiro. "Hollywood está em crise, como o resto do mundo. Hollywood é um negócio. Acho que precisamos de certa loucura no cinema, não pode ser apenas para entreter o público. Precisamos manter o diálogo cultural, que está em falta hoje em dia", disse.
Mesmo reconhecendo a crise, Dafoe destacou que o atraso no lançamento de filmes como Um Segredo Entre Nós (2008) e Go Go Tales (2007) nos Estados Unidos não é resultado de um menor espaço para produções independentes no circuito, mas sim de problemas específicos desses projetos: "Go Go Tales está com um problema na justiça e por isso ainda não foi lançado. Já com relação à Um Segredo entre Nós, o problema foi que ficaram esperando a melhor data para aproveitar o apelo da Julia Roberts e o tempo foi passando."
TEATRO
Durante a conversa, Dafoe se revelou muito mais um homem do teatro do que do cinema, por mais que já tenha trabalhado em dezenas de produções. Ele afirmou que sempre que não estava filmando ficava quase que trancafiado dentro da companhia teatral The Wooster Group e que por isso nunca foi um grande estudioso do cinema ou mesmo um cinéfilo. "Parei de trabalhar na companhia há sete anos, mas fiquei lá por 27 anos. The Wooster Group significou muito na minha carreira e me fez no que sou hoje como ator. Me fez olhar o processo não só do ponto de vista de um ator. Não havia uma hierarquia clara, todo eram importantes e contribuíam para o resultado final."
O CAÇADOR
Nascido nos Estados Unidos em 1955, Willem Dafoe contou como foi parar na pequena produção da Austrália O Caçador. "Entraram em contato com meus representantes e mandaram o roteiro, que era muito bom, mas não estava concluído. Me encontrei com o diretor, que não conhecia, e gostei bastante do que ele pensava para a história. Também gostei da ideia de ser um estranho em um pequeno filme australiano. Ainda teve a questão de filmarmos na Tasmânia, o que me atraiu bastante", destacou.
Foto: André Henrique Oliveira
Como o título deixa claro, o longa conta a história de um caçador. O ator, no entanto, deixou claro que não matou nenhum animal durante as gravações: "Não atirei em nenhum animal. Eles já estavam mortos. Outras pessoas atiraram neles, mas eram pessoas licenciadas para caçar animais para vender as carnes."
PÚBLICO ENGANADO
Informado que muitas pessoas odiaram A Árvore da Vida, de Terrence Malick, por se sentirem enganados pela presença de astros como Brad Pitt e Sean Penn, Dafoe afirmou: "Não podemos ser responsáveis pelos gostos das pessoas. Podem odiar o filme porque não gostaram dele, mas não podem odiar porque Sean Penn não fez algo que eles esperavam que fizesse." O ator ainda completou: "Acontece comigo algumas vezes. Faço alguns projetos que irão decepcionar as pessoas que esperam ver o Willem Dafoe de Homem-Aranha. Mas isso é problema deles!"
DIRETORES
Oliver Stone, Martin Scorsese, Alan Parker, David Lynch, John Waters, Anthony Minghella e Spike Lee são apenas alguns dos grandes nomes das telonas que já trabalharam com Dafoe. "Não há vantagem em comparar diretores. São todos diferentes, mas têm em comum o fato de fazerem os seus próprios filmes. Eles filmam aquilo que os agrada. Claro que querem que o longa seja visto e que as pessoas gostem, mas não é a principal preocupação deles. Perseguem aquilo que os fascina e interessa na vida e me relaciono bem com isto como ator. Não sou elitista, mas acho que funciono melhor quando não estou preocupado com o resultado final e sim no caminho", disse.
O ator ainda completou: "Giada, David e Abel Ferrara fazem tipos diferentes de filmes, mas a forma como abordam a história é sempre muito pessoal. Gosto de me conectar com essas histórias pessoais. Você não faz um filme para você, faz para algo que é bem maior. Nem sempre funciona, mas quando acontece você é capaz de se ligar a instintos e impulsos que são quase mágicos."
CORAÇÃO SELVAGEM
O ator falou um pouco sobre seu personagem em Coração Selvagem, Bobby Peru, que sem dúvida rouba a cena no longa. "Bobby Peru foi um personagem sensacional. David Lynch é um ótimo diretor e este foi um caso interessante. Praticamente não houve preparação para o papel. Ele me entregou o figurino, disse para usar os dentes falso e a forma como falar. Estava tudo em seu devido lugar e quando isso acontece me sindo confortável. Não quero diminuir a minha função, mas o personagem praticamente apareceu sozinho", revelou.
ANTICRISTO
"Gosto muito de Anticristo. Adorei trabalhar nele e acho que ficou muito bom", falou Dafoe, que na verdade só não gostou nada da polêmica envolvendo o diretor Lars von Trier no Festival de Cannes deste ano: "Qualquer um que imagina que Lars von Trier seja nazista deveria ver o vídeo completo daquela entrevista em Cannes. O modo como foi reportada toda a história não diz o que realmente aconteceu."
4:44 LAST DAY ON EARTH
Willem destacou que é sempre interessante trabalhar com Abel Ferrara. "Ele trabalha em um nível de caos que não vejo em nenhum outro diretor, há muita improvisação", disse.
Foto: André Henrique Oliveira
Apesar de gostar de sua atuação em 4:44, o ator confessou que seu filme favorito do cineasta é Go Go Tales. "Muito pelo fato de que foi pouco visto, mas também por ser uma comédia estranha e um dos filmes mais pessoais dele. Aquele personagem é o Abel Ferrara, um sonhador com um vício. É um bom homem, mas também um pouco fraco", explicou.
JOHN CARTER
Dafoe tratou brevemente de John Carter, mega produção que marcará a estreia de Andrew Stanton (Procurando Nemo) em filme com atores reais. "Não posso falar muito. Já vi algumas cenas e parece muito bom. É uma grande aventura épica, não parece muito com esses filmes baseados em quadrinhos, é mais clássico. É adaptado de um livro de Edgar Rice Burroughs escrito há 100 anos e é curioso como muito do presente lá é usado até hoje nas ficções científicas", adiantou.
O astro falou ainda sobre como foi trabalhar com Stanton: "Foi muito empolgante. Ele tem uma criatividade impressionante, que podemos ver mesmo nas animações dele, como Wall-E."
INTERESSE NA DIREÇÃO
Willem Dafoe revelou que não possui interesse em passar para trás das câmeras. "Eu sou um intérprete. Gosto de fazer e não olhar", enfatizou.