Premiado no Festival do Rio 2010, quase um ano depois Além da Estrada enfim chega ao circuito nacional. Trata-se de um filme brasileiro diferente, rodado inteiramente no Uruguai e sem qualquer palavra em português. Algo que, segundo o diretor, pode ajudar em sua carreira nos cinemas.
O AdoroCinema fez uma entrevista exclusiva com Charly Braun, diretor do filme, que contou sobre o processo de realização do longa-metragem e também suas expectativas em torno do lançamento. O resultado você confere logo abaixo. Boa leitura!
REFERÊNCIAS
Além da Estrada é o primeiro longa-metragem dirigido por Charly Braun, que usou alguns elementos de sua própria vida como referência para a história do filme. “É um pouco aquela coisa do Tolstói, fale de sua aldeia que falará do mundo. Na verdade não pensei muito. Havia muita coisa acontecendo, emocionalmente e geograficamente, a chegada aos 30 anos... Na época foi tudo muito rápido, decidi fazer o filme e tinha algumas coisas pairando no ar. Juntei tudo e de repente estava no meio daquela loucura”, disse o diretor sobre o processo de escolha sobre o tema do filme.
FINANCIAMENTO
O custo das filmagens foi equivalente ao valor da compra de um carro 0 km, dado ao diretor quando seu pai vendeu uma fazenda da família. Charly Braun explica: “Estudei cinema na época que o movimento Dogma explodiu, então peguei todo o nascimento desta coisa digital. Foi algo de ver quantas pessoas precisaria, a estrutura e fazer o cálculo. Tive o dinheiro pela primeira vez na minha vida e vi que podia financiar. Era pouco, mas dava para fazer. Se ficasse na enrolação não iria fazer nunca.”
ESCOLHA DO ELENCO
”Já conhecia a Jill Mulleady há algum tempo. Ela é artista plástica, tem uma história muito interessante, tinha sido atriz mas não era mais. Sempre fui muito no Uruguai e várias vezes nos encontramos lá, então achei que era a colaboradora ideal. Foi a primeira a acertar com o filme. Para o ator queria alguém profissional, já que todos os demais eram amadores. Só que ia encontrar com eles e sentia que não rolava. Achava que o ator tinha que trazer uma bagagem própria, pois não haveria muito tempo de preparação. Chegou num ponto em que pensei em desistir do filme, já que não o encontrava. Aí liguei pra Jill e disse que tinha um ator interessante, mas que era amador, e ela me contou que o conhecia da escola. Achei que isto era algo a mais, pois já havia um canal aberto entre eles”, conta Charly Braun sobre o processo de escolha do casal protagonista.
PERSONAGENS TÍPICOS
Além da Estrada traz várias figuras típicas do interior do Uruguai, que servem de apresentação do país aos estrangeiros interpretados por Jill Mulleady e Esteban Feune de Colombi e, de certa forma, também ao público. “Alguns conhecia de antes, outros foi durante as filmagens. Todas estas figuras são muito autênticas, desde a Naomi Campbell até o cara que mora na fazenda com os cachorros. Acho que são pessoas que têm algo a dar, em termos de interesse. O critério que norteou a escolha foi a forma como eles poderiam ajudar a contar esta história ao casal”, disse o diretor.
NAOMI CAMPBELL
A modelo Naomi Campbell faz uma participação especial no filme, como ela própria. Perguntamos a Charly Braun como surgiu a ideia de convidá-la para o longa-metragem. “Tínhamos sido apresentados alguns anos antes, pois ela frequentava muito aquela região. Um dia fui no jantar de aniversário do amigo de um primo, em que ela estava também. Levei a câmera e comecei a filmar, aí falei de brincadeira que um dia faria um filme com ela. Quando estávamos rodando o filme descobri que ela estava lá de novo. Achei que seria interessante tê-la como mais um personagem documental, porque ela contextualizava aquele determinado universo. Consegui o contato dela e rodamos.”
A presença de Naomi no filme gerou ainda uma consequência curiosa e desagradável para o diretor. Em sua breve participação a modelo fala mal do estilista Roberto Cavalli, acusando-o de não usar modelos negras em seus desfiles. Por este motivo Além da Estrada tem encontrado dificuldades para ser vendido ao mercado americano.
ESPERA
Apesar de ter sido rodado em 2008, Além da Estrada apenas chegou ao circuito comercial três anos depois. “Cinema demora muito”, comenta Charly Braun. Questionado sobre o processo de espera, o diretor declarou: “Fiz tudo muito rápido antes, do dia em que decidi fazer até quando estava filmando foram menos de seis meses. O tempo que economizei neste trecho gastei depois, com o lançamento e montando. Foi muito difícil a montagem e o filme apenas ficou pronto há um ano. Desde então estou viajando com o filme, como é meu primeiro longa se me convidarem para algo eu vou. Achei que era importante acompanhá-lo.”
FESTIVAL DO RIO
Exibido no Festival do Rio 2010, Além da Estrada ganhou o prêmio de melhor diretor. “Cria sempre uma expectativa, mas não sei até que ponto é bom ter vencido. É uma faca de dois gumes. Chama a atenção, é claro, mas por outro lado as pessoas vão esperando muito. Eu como espectador tenho este problema, se vou ver um filme que as pessoas estão falando muito bem e não acho tudo isto. Então prefiro não criar expectativas”, declarou.
PÚBLICO
”Infelizmente este tipo de filme, em relação a tamanho, tem tido resultados muito ruins”, comenta Charly Braun sobre a bilheteria dos filmes brasileiros exibidos no circuito de arte. “Existe um gargalo na exibição. Na distribuição não, um filme razoável no Brasil consegue espaço. Por outro lado não quero criar expectativas, até para não ter ilusões. Acho que este filme se comunica com o público, mas não sei o que fazer para levar as pessoas a vê-lo. Acho que o fato dele não ser falado em português pode até ajudar, já que as pessoas costumam ter um certo preconceito com filme brasileiro. Até por tratar de assuntos que são incomuns no cinema feito aqui. Ele se insere como cinema brasileiro, mas ao mesmo tempo é bastante diferente.”