Felipe Bragança e Marina Meliande são dois dos maiores destaques na cena jovem de cineastas brasileiros. Acabam de lançar ser terceiro longa (A Alegria) e ainda possuem uma série de projetos individuais, ele também como roteirista e ela como montadora.
O AdoroCinema se reuniu com a dupla para conversas sobre o novo filme, a trilogia Coração no Fogo, os futuros projetos e o atual momento do cinema brasileiro de baixo orçamento, em especial o realizado no Rio de Janeiro.
Abaixo você confere o que de melhor aconteceu neste bate papo exclusivo. Boa leitura!
CORAÇÃO NO FOGO
A Alegria é o segundo filme da chamada trilogia Coração no Fogo, que conta ainda com A Fuga da Mulher-Gorila e Desassossego. Os longas não apresentam uma sequência narrativa, o que pode fazer as pessoas questionarem a noção de trilogia. "Não é uma trilogia no sentido mais tradicional de uma continuação narrativa, em que existe um personagem que desenrola uma mesma história em três filmes. Não é isso, são filmes que se tocam em algumas vontades e sentimentos, e nessa necessidade de falar sobre a juventude hoje no Brasil. Se é de uma forma um pouco mais raivosa ou de uma mais alegre, isso varia de filme para filme", explicou Meliande.
Já Bragança destacou como nasceu a série: "São três filmes que a gente pensou no ano de 2007. A ideia era trabalhar com as noções de juventude, utopia e aventura de três formas diferentes e em diversos tipos de produção. Eles têm em comum essa vontade de circular em torno deste universo e o fato de terem uma personagem central que é a Luiza. Ela é protagonista de A Alegria e de certa forma inspira os outros dois filmes também. Ela é citada nos sonhos da personagem de A Fuga da Mulher Gorila, como uma figura mítica do Rio de Janeiro, e é autora do argumento que vai criar o Desassossego, que é um filme coletivo que fizemos depois. A Luiza é uma espécie de co-autora fictícia que a gente tem, nasceu a partir de pesquisas que fizemos com textos de adolescentes, agendas, flogs, blogs."
Marina também apontou que os filmes surgiram da "vontade de se criar um diálogo com o cinema de gênero de uma forma bem mastigada e não tradicional".
SUPER-HERÓIS?
O pôster de A Alegria já avisa: Um filme de super-heróis! Os diretores, que já haviam "brincado" com o universo dos road movies e musicais em A Fuga da Mulher Gorila, desta vez abraçam o fantástico. "Nossos três longas têm isso de digerir um certo imaginário pop, de massa, de filmes de gêneros que são consumidos pelos próprios personagens. A questão é que não queríamos fazer filme de adolescente só consumindo essa cultura de massa, queríamos recriar essa cultura por meio da vida dos mesmos. Esse universo de super-herói é algo muito visto como uma coisa estrangeira e que o olhar para a nossa cidade deveria ser mais realista. A gente queria justamente era fazer um personagem que ultrapassasse essa observação do cotidiano de uma menina", disse Felipe.
Os diretores se revelaram surpresos e felizes com o fato de A Alegria chegar aos cinemas em companhia de Lanterna Verde. “Achei isso ótimo, achei perfeito”, destacou Felipe. “Os filmes têm diálogos, o Lanterna Verde era até uma referência pra gente em algum momento”, completou Marina.
ESCOLHA DO ELENCO
A dupla se revelou contente com o desempenho dos quatro adolescentes no longa e falou um pouco sobre o trabalho com a turma. "Dos quatro meninos apenas um já era ator, que é o César Cardadeiro, que já fez televisão. Os outros três são não-atores, então a nossa preocupação era achar uma forma de equilíbrio para que eles ficassem a vontade para atuar juntos e para criar essa atmosfera de amizade. A gente precisou de muita concentração deles no set para que não ficassem dispersos por toda esta mágica do cinema. Sempre deixamos eles muito concentrados e até mesmo muito isolados da equipe de filmagens, o que era até um pouco difícil para eles", falou a diretora. Ainda sobre a opção de separar o quarteto principal, Felipe afirmou: "O importante é que quanto mais isolados eles eram, mas confiavam uns nos outros."
DIREÇÃO A QUATRO MÃOS
Felipe Bragança e Marina Meliande falaram um pouco sobre o processo de dirigirem juntos. Além dos três longas, eles realizaram dois curtas durante o período de faculdade. "Temos um diálogo longo. Acho que uma das coisas que temos como estratégia passa pelo fato de eu ser também o roteirista dos filmes e ela ser a montadora. Aí já tem uma certa pista sobre o jeito que a gente trabalha. Eu tenho a tendência a ser mais excessivo e a Marina é mais organizada e o nosso processo de trabalho passa por aí em todos os sentidos, seja no desenvolvimento do roteiro, no momento de propor o jeito de filmar ou na hora da montagem. Funcionou desde os primeiros curtas assim", explicou o cineasta.
PROGRAMA VITRINE
A Fuga da Mulher Gorila e Desassossego já foram exibidos em diversos festivais de cinema pelo mundo, mas até agora não haviam conseguido espaço no circuito comercial. Digo até agora, pois enfim serão lançados, graças ao programa Sessão Vitrine. Os diretores falaram um pouco sobre o projeto que vem sendo um caminho para os realizadores lançarem os seus filmes de menor poder mercadológico.
"É um programa muito importante, porque queremos continuar fazendo filmes com um pouco mais de estrutura como A Alegria, mas também queremos trabalhar com produções menores com uma parceria de distribuição alternativa. É legal por fazer que com que esses filmes saiam do circuito dos festivais e cheguem também aos cinemas. Contando os festivais, A Fuga da Mulher Gorila já teve mais de 3 mil espectadores e agora, na Sessão Vitrine, será assistido por um público diferente", disse Felipe.
"A ideia é muito boa porque trabalha os filmes em conjunto. Existe uma formação de público e uma identificação entre os longas", completou Marina.
PRÓXIMOS PROJETOS
Se você aprecia o cinema de Bragança e Meliande terá motivos para comemorar com a informação a seguir, afinal os dois possuem vários projetos para o futuro. "Eu escrevi um filme com o Karim Aïnouz e ele vai rodar em breve. Estou terminando o roteiro de um longa para eu dirigir, mas não sei quando exatamente. Vou começar o processo de captação, mas eu ganhei um prêmio da Fundação Holandesa Hubert Bals para desenvolver. E ganhei também um prêmio da RioFilme para fazer uma série sobre gangues da zona norte do Rio e devo rodar no final do ano. Ainda tem um filme que eu escrevi que foi o Heleno, com Rodrigo Santoro, mas não sei quando vai sair", destacou Felipe.
Marina também falou sobre os próximos trabalhos: "Tem dois filmes agora que eu montei que vão estrear no Festival de Veneza: Girimunho (escrito por Bragança) e Histórias que Só Existem Quando Lembradas. Eu tenho ainda um média que está para ser lançado em festivais que se chama A Imagem que Fica, que eu dirigi a pouco tempo. E estou começando a trabalhar no roteiro de um longa. Tem bastante coisa."
RIO NO CINEMA
A Alegria chegou aos cinemas brasileiros quase que na mesma época que Transeunte, de Eryk Rocha, e Riscado, de Gustavo Pizzi, o que voltou os olhos para o trabalho desses jovens diretores. "Acho que pro Rio de Janeiro agora é importante a gente marcar que existe uma movimentação de um cinema jovem que está criando as suas possibilidades. Ao mesmo tempo, quero que os filmes sejam vistos isoladamente para que também não passe a sensação de que estamos fazendo coisas iguais. São diretores com estilos muito diferentes e o comum é justamente a vontade de fazer cinema com uma liberdade um pouco maior", reforçou Felipe.