O retrato de uma família dez anos depois. Este é Família Braz – Dois Tempos, documentário dirigido pelo cineasta Arthur Fontes (Podecrer) e a jornalista Dorrit Harazim. Após terem dirigido A Família Braz, em 2000, eles voltaram ao tema e mostram o que aconteceu com cada integrante uma década mais tarde. O resultado é um pequeno reflexo do que aconteceu com o Brasil no mesmo período.
O AdoroCinema conversou com o diretor Arthur Fontes, que falou um pouco sobre como foi fazer o filme e os conceitos nele embutidos. Você pode conferir o papo logo abaixo. Boa leitura!
ADORO CINEMA: Você e a Dorrit Harazim fizeram um documentário para a TV e, 10 anos depois, voltaram ao tema. Como nasceu esta ideia?
ARTHUR FONTES: Nasceu na própria edição do primeiro programa. A gente percebeu que todos faziam algum tipo de previsão, sobre o que aconteceria com eles daqui a 10 anos, então na época da montagem a gente brincava que teríamos que voltar após este período. Durante estes anos a gente se encontrava na Videofilmes, fazendo outras coisas, e era quase uma brincadeira automática. Quando a data chegou mais perto a ideia ficou mais séria, a Videofilmes resolveu dar uma força e a Conspiração Filmes entrou como coprodutora. Conseguimos uma verbazinha, para voltar lá com uma equipe muito reduzida, para ver o que tinha acontecido com eles, que era algo que não sabíamos. A Dorrit ligava todo Natal para a dona Maria, para saber se estava todo mundo bem, mas tínhamos pouco contato com eles. Foi uma surpresa muito grande. Eles progrediram muito, mas não foi de forma linear, eles passaram sufoco no meio desta década. Quando voltamos, em 2009 e 2010, eles estavam muito bem, assim como o Brasil. Isso acabou refletindo na família.
AC: Por que lançar este filme direto nos cinemas, ao contrário do que ocorreu com o original?
Arthur: É um pouco do modelo que existe hoje em dia. As televisões não pagam para que você faça um documentário, enquanto que há 10 anos atrás era mais fácil fazer um documentário para a TV do que para o cinema. Um ou outro é que conseguia ser lançado. Quem pagou o documentário sobre a família Braz foi a GNT, que hoje em dia é um canal segmentado e voltado para a mulher. Ou seja, mudou muito o perfil dos mecanismos de financiamento de um filme como o nosso. Hoje em dia já existe um mercado de documentários para cinema, por isso seguimos este caminho.
AC: Algo que chama a atenção é a presença de alguns valores contraditórios nos integrantes da família. Por exemplo, o carro é essencial e eles trocam de modelo constantemente, mas não se incomodam tanto em morar em uma casa simples e distante. Isto surpreendeu vocês?
Arthur: Surpresa não, pois já tínhamos a experiência do outro documentário. Eles eram loucos para ter um carro, fizeram um esforço enorme para conseguir comprá-lo. Ali era um símbolo de status e hoje em dia mudou totalmente. O acesso ao carro ficou mais fácil e as políticas de transporte público não avançaram tanto, então eles ficaram sem ter como sair de lá. Ao mesmo tempo eles adoram viver lá, não querem se mudar. Então vivem em uma casa ainda em construção, mas cada um tem seu carro. A caçula, por exemplo, tem carro para ir à faculdade e às vezes não tem dinheiro para pôr gasolina.
AC: Outra mudança de valores, que é também daqueles contrasensos absurdos típicos da realidade do Brasil, é a afirmação de que se prefere a imprensa à polícia. Como você encara o fato de que, pra eles, o seu filme é mais importante do que a própria polícia, que deveria protegê-los?
Arthur: É a realidade especialmente da periferia. O filho dela foi motoboy por nove anos, negro. Imagina quantas vezes ele não deve ter sido parado pela polícia? Deve ter tido contatos muito próximos com esta parte do preconceito, ainda mais porque só trabalhava à noite. Acho que faz todo sentido ela pensar assim. A gente vê isto na prática todo dia. Se aparece um cara da TV falando de um buraco, no dia seguinte ele é tampado. As coisas funcionam assim. É um contrasenso, mas na vida deles faz sentido.
AC: Em uma cena o namorado de uma das filhas diz que a família Braz é um exemplo porque não tem casos de criminalidade e todos fizeram faculdade. Para a realidade mostrada, creio ser algo importantíssimo.
Arthur: É, mas eles também não são uma família modelo. Eles são uma família como milhões de outras no Brasil, normal. Eles têm uma mãe forte, mas esta história também é brasileira, da mãe que fica em casa, segura a onda e passa os valores aos filhos. Eles são católicos, da velha guarda, mantém os princípios, vão à missa. Normais.
AC: Como foi a negociação do acesso da equipe de filmagens a cada um deles? Houve alguma definição prévia sobre o que poderia ser gravado?
Arthur: Não. A gente tinha a confiança deles, até porque tínhamos feito o outro filme. Havia alguns assuntos delicados, como a bebida do pai, que tratamos com cuidado, apesar de não tê-lo cortado do programa. Foi tranquilo, não tivemos problema algum. A dificuldade maior é que a família praticamente não se encontra hoje em dia. Eles estão muito espalhados, cada um em sua vida. Passamos três ou quatro semanas agora, na nossa volta, e não teve um dia sequer com um almoço que reunisse todos. Foi complicado juntar o povo.
AC: Eles já viram o filme?
Arthur: Já, passou no festival É Tudo Verdade em São Paulo e eles assistiram a sessão. Foi muito emocionante, eles ficaram muito embargados. Era a primeira vez que viam o pai desde que ele tinha morrido, então ficaram muito impactados.
AC: Você tem alguma estimativa em relação a público?
Arthur: Espero que seja bastante divulgado, que muita gente se interesse por esta família. Na minha opinião ela é mais fruto dos valores desta mãe do que pelo sucesso econômico e das políticas governamentais. Claro que o Brasil está funcionando, tem mais emprego e chance das pessoas progredirem nele, mas isto tem mais a ver com a dona Maria dando apoio para eles. Eles inclusive não falam de política, não foi algo que a gente decidiu cortar. Não é um assunto que passa pela família, então sentimos que não tinha como ficar forçando.