Em dezembro de 2007, Meu Mundo em Perigo era um dos premiados no Festival de Brasília, onde levou para casa os prêmios de ator (Eucir de Souza), ator coadjuvante (Milhem Cortaz) e o prêmio da crítica. Três anos mais tarde, o filme enfim chega ao circuito comercial.
Reunidos para promover o lançamento, o diretor José Eduardo Belmonte e os atores Milhem Cortaz e Rosanne Mulholland falaram não apenas do filme, mas também sobre a situação do cinema brasileiro. Em especial o impacto gerado por Tropa de Elite 2, que bateu o histórico recorde de Dona Flor e Seus Dois Maridos e é hoje o filme brasileiro mais visto em todos os tempos.
LANÇAMENTO TARDIO
"São situações inerentes ao mercado", afirma José Eduardo Belmonte, se referindo à demora na estreia comercial de Meu Mundo em Perigo. "Hoje em dia quando estou fazendo um filme já converso com distribuidora e vejo data de estreia. Na época sentia a necessidade de fazer, meu interesse era apenas em marcar presença, aí não se pensou neste lado da distribuição. E logo em seguida veio Se Nada Mais Der Certo, que ganhou o Festival do Rio e acabou atropelando Meu Mundo em Perigo. Mesmo assim houve um descompasso, pois o ideal era que fosse lançado seis meses depois. Só que faltou dinheiro. A estreia demorou mas acho que veio no tempo certo, pois o filme continua bastante atual."
"Considero o filme muito mais atual hoje do que há três anos atrás", complementa Milhem. "Vivemos uma época de perdedores, de busca, e é disto que o filme trata. É um filme muito triste porque é também muito verdadeiro. Mas é também um filme esperançoso. Estou feliz por o filme estrear, foi uma das experiências mais intensas que já tive em cinema. Foi tão catártico que não sabia muito bem onde estava, só fui ver o que fiz depois que o filme ficou pronto."
MUDANÇA DE OLHAR?
Questionado se os três anos de espera fizeram com que seu olhar sobre a história mudasse, Belmonte foi direto. "Sempre que se envelhece você larga mão de algumas idiossincrasias. Talvez largasse algo de estilo, fosse menos incisivo em certas coisas. Revi o filme há pouco tempo e talvez até o fizesse hoje de forma diferente, mas achei ainda muito pertinente. Quando revejo um filme que fiz trago de volta a experiência do set de filmagens e isso neutraliza qualquer idiossincrasia. São detalhes apenas."
ACASO
"A gente não percebe, mas a vida é um turbilhão permanente. A gente procura uma zona de conforto sempre, esta é a dinâmica da vida. Fico muito interessado que o cinema traga isso, trazer este caos para a narrativa é importante. O cinema que é muito certo, bem acabado, organizado não me interessa", afirmou o diretor José Eduardo Belmonte.
CINEMA DE GUERRILHA
"Acho que é muito importante conciliar a carreira entre filmes grandes e pequenos. Nos pequenos é possível abrir portas e revelar muita coisa. Há uma verdade que apenas os filmes pequenos podem ter, seja no processo de filmagem, de atuação ou na história. Tenho planos de voltar a fazer um filme de guerrilha depois de The Billi Pig, acho importante conciliar estas duas formas de fazer cinema", declarou Belmonte. O diretor iniciará em 2011 as filmagens de The Billi Pig, comédia que terá Selton Mello e Grazi Massafera como protagonistas.
CINEMA COMERCIAL
Belmonte afirma que é necessário fazer cinema comercial no Brasil. "É importante para consolidar a carreira e ocupar espaço. Sou curioso também, tenho vontade de saber como é fazer um filme de grande alcance. Já sei como é o outro lado. Hoje em dia ou você é muito pequeno ou é muito grande, o filme médio está morrendo. Então é importante colocar o pé entre os filmes grandes e vivenciar isto também."
A citação a Tropa de Elite fez com que Milhem Cortaz lembrasse que o filme não nasceu com esta intenção. "Ele começou como um filme pequeno. O primeiro Tropa não foi feito pensando em grande público e esta repercussão que teve. Acho importante almejar chegar ao cinema comercial, mas sem perder sua linha artística. Acho importante o Zé fazer isto, as pessoas precisam conhecer o trabalho dele. Ele tem feito um caminho muito sólido, experimentou suas qualidades em cada filme que fez."
Milhem Cortaz lembrou que ele próprio também buscou o cinema comercial ultimamente. "Fiz Assalto ao Banco Central e Lula, que tem uma verdade mais próxima do que é a arte para mim. Havia uma busca pela criação, com o envolvimento de todos. E tinha os Barretos, que tinha uma imensa curiosidade de conhecer. Eles podem ser os barões, o coronelismo do nosso cinema, mas se a gente está aqui é porque eles lutaram muito. Daí fui para Assalto, que para mim é um completo blockbuster. Um filme de ação, com romance, feito pela Total Film, que está acostumada com filmes populares. Queria muito participar para entender como era isto tudo. O Marcos Paulo (diretor) e a Total me cercaram com profissionais que me deixaram muito à vontade, para que pudesse experimentar esta falta de necessidade com a verdade. É muito mais uma sugestão de tudo, um entretenimento, do que mostrar a realidade do país."
Rosanne Mulholland também falou sobre o tema, lembrando sua presença no sucesso Nosso Lar. "Não consigo compará-lo com nada, pois fala de uma realidade que talvez até exista, mas não é daqui deste mundo. Acho curioso fazer isto no Brasil, pois o cinema nacional sempre tem um lado muito social. Acho que vale a pena tentar, mas é a única experiência que tenho."
NOVO RECORDE
"Acho que o Tropa 2, com seus 11 milhões, vem para entender como a indústria pode funcionar. Tudo o que o José Padilha conseguiu fazer os estúdios que estão no Brasil há anos não tinham conseguido. Acho que muita coisa será repensada: as leis, as cláusulas, a forma de distribuição, a estratégia usada, a necessidade. Está profissionalizando o nosso cinema", comentou Milhem Cortaz.
"Algo importante é que hoje o parque exibidor é bem menor do que na época de Dona Flor e Seus Dois Maridos. Fora que o ingresso era bem mais barato", lembrou Belmonte.
"Acho que perdem muito tempo achando que ator é que vai levar gente ao cinema, quando na verdade é o filme. O Tropa é muito mais importante do que eu, Wagner Moura, Irandhir, do que qualquer um. As pessoas estão indo ver o filme. É isto que as distribuidoras têm que pensar, que o carro-chefe não seja um ator mas sim o próprio filme. Elas têm que fazer acreditar que o filme é genial e, por acaso, tem fulano. A gente ainda está engatinhando, mas já usando uma joelheira, uma luva... Estamos quase levantando."