Laís Bodanzky estreou no cinema em 2001, com o aplaudido Bicho de Sete Cabeças. Seu terceiro longametragem, As Melhores Coisas do Mundo, chega ao circuito comercial em 16 de abril. Explorando o universo adolescente de classe média, o filme trata dos anseios e desejos desta fase da vida sem esquecer de pontos importantes da atualidade, como o uso de celulares e a internet.
Francisco Russo, editor do Adoro Cinema, encontrou com a diretora para um papo sobre seu novo trabalho. O conteúdo você pode conferir logo abaixo.
ADORO CINEMA: Este é um filme bastante diferente dos seus anteriores, Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade. Cada filme teve uma temática e um público alvo distinto. Como você escolhe seu próximo projeto?
LAÍS BODANZKY: Não é fácil escolher o próximo projeto. Tem que ser uma escolha certeira, é um casamento que você faz. Neste caso a situação foi diferente, pois foi um convite. Nos outros era um desejo muito pessoal em contar aquelas histórias, enquanto que neste foi um convite do (Gilberto) Dimenstein, da Gullane e da Warner. Era para que eu dirigisse e o Luiz (Bolognesi) roteirizasse, inspirado no universo da série de livros "Mano", que desse conta deste protagonista, um adolescente de classe média com pais esclarecidos, mas que estão em crise. Este menino vivendo situações do cotidiano, o tempo inteiro com provocações em que ele tropeça, erra e supera isto. Isto me interessou. Tive carta branca, então podia fazer o que quisesse.
O universo da adolescência parece que é muito distante, mas não é tanto assim. Em outros trabalhos já lidei com este tema, no curtametragem Cartão Vermelho, onde conto a história da entrada na adolescência e a descoberta da sexualidade. Em Bicho de Sete Cabeças o protagonista é um adolescente, que vive uma dificuldade em casa com a falta de diálogo. Em Chega de Saudade é uma turma da terceira idade que frequenta o salão mas com espírito muito adolescente. Inclusive a gente sempre falava que tinha feito um filme de adolescentes de cabelos brancos, porque tinha a atitude deles na vida, de sair de casa e correr riscos, que é algo típico do adolescente. É claro que você quebra a cara, assim como no As Melhores Coisas do Mundo você também quebra a cara. E também vive grandes momentos, inesquecíveis na sua vida. E fiz uma peça de teatro, "Essa Nossa Juventude", em que trabalhei com Paulo Vilhena e Gustavo Machado, que tratava do tema. Então não é um universo tão distante.
Tem outro aspecto engraçado, pois não acho que sejam filmes tão diferentes. No lado artesanal do cinema, os três filmes seguem uma sequência que tem muita lógica. É um aprendizado, um processo de trabalho em que a gente iniciou no Bicho, acentuou no Chega e agora foi fundo no As Melhores Coisas. Nos três projetos trabalhamos muito com pesquisa, mas agora fomos mais intensos, a utilizamos mais no roteiro, no elenco, para o processo inteiro até a montagem, o cartaz, o título. A gente extrapolou certas fronteiras.
AC: Além dos livros, como foi feita esta pesquisa?
Laís: Fomos em sete escolas de São Paulo. Em cada uma delas conversávamos com no mínimo dois grupos, pequenos e de até 10 pessoas, e ficávamos a tarde inteira. Eram conversas fortes, em que nos comprometíamos a não vazar o que era dito. Virava meio que terapia em grupo. Lá abríamos o jogo, dizíamos que íamos fazer um filme sobre o cotidiano deles, que queríamos saber quem eram, quais são as suas questões, que filme a gente deveria contar. E aí falávamos de tudo, sobre o que eles estavam ouvindo, como era a casa deles, o quarto deles, como é a questão do namoro, a relação com as drogas, o que significa o cotidiano na escola. Todos os elementos do filme surgiram nestas conversas. Confesso que ainda não tínhamos certeza de que filme a gente ia fazer. Neste painel a gente amarrou o roteiro.
AC: O filme aborda o tema adolescente de forma séria, o que é até raro no cinema brasileiro. Algo que me chamou a atenção é que ele evita o estereótipo, fazer piada na linha American Pie.
Laís: Eles falavam para que tivéssemos cuidado para que não os transformasse em uma caricatura. Que é o olhar adulto sobre o adolescente. Eles nos diziam, "vocês acham que a gente transa que nem uns malucos, que a gente sai por aí e se droga, que somos todos uns idiotas ou que vivemos em gangue. Não é nada disto!" Foi aí que começavam a falar, para nos mostrar esta realidade. Surgiram então sutilezas, como a questão de ser aceito pelo grupo, da busca por um amor, da primeira transa... questões que fazem parte desta fase da vida.
AC: Você buscou alguma referência no cinema, em outros filmes que tratam da adolescência, ou procurou se dissociar?
Laís: Não, porque não tenho referência deste filme em outros filmes. O que eles pediam era que não fizesse um filme americano, não era este o objetivo. E tinha que respeitar também o olhar deles.
AC: Desde o início a intenção era pegar atores desconhecidos ou isto aconteceu por acaso?
Laís: Por acaso não. Os testes já foram fruto de uma consciência que tinha de que para contar esta história com a verdade necessária só fazia sentido se buscasse o ator dentro do próprio colégio e o levasse para o set de filmagem. Não ia achar este ator numa agência ou na publicidade. Nem o Fiuk, na época ele não fazia "Malhação". Aliás, a "Malhação" é que convidou o Fiuk quando soube que tinha feito o filme e o chamou para um teste. Então, como todos os outros meninos, ele veio com esta pureza, uma certa ingenuidade. Atores existem muitos, mas tem muita gente que nem sabe o que é ser ator. O legal é que dá a oportunidade de mostrar que esta pessoa é um grande ator.
AC: Alguns personagens passam por situações extremas, como a da Denise Fraga. É visível a dor que ela sente. São temas muito difíceis, como a homossexualidade e dela ser abandonada. Como foi tratar estas questões?
Laís: Com esta personagem sempre tive muita preocupação. Ela representa muito a mulher contemporânea, que é dona de casa, que trabalha mas ao mesmo tempo é mãe e vive a crise do casamento. Na hora do vamos ver todo mundo sai de casa e o lastro da família é ela. A beleza da personagem é que a Denise conseguiu, com muita delicadeza, mostrar a dificuldade desta mãe, mas uma mãe presente. E tem o custo do lado pessoal, que é o drama da mulher moderna.
AC: Você comentou sobre a dificuldade em rodar a cena em que a Denise e o Francisco quebram os ovos. Ela teve que ser rodada muitas vezes?
Laís: Esta cena para rodar não foi tão difícil. Tinha era procupação da gente não fazer um dramalhão mexicano. Como é que você pega uma cena e sai jogando ovo na parede? Parece aquelas novelas em que o cara pega o vaso e joga, na minha casa ninguém nunca fez isso. Nem meu vizinho, não conheço ninguém que tenha feito isso. Então tinha muita preocupação da gente escorregar na dosagem. A gente não ensaiou esta cena, conversamos no dia, no set, e buscamos a lógica do porquê esta mulher vai chegar nisto. Era a gota d'água, como ela vai aparecer para justificar esta mulher tomar esta atitude. Não é simplesmente jogar ovos, isto é uma metáfora. A gente entendeu e acho que é por isso que deu certo. É uma cena que adoro e não sei quando vou ter outra chance na vida de ter uma cena tão simples e tão profunda como esta. Foi um presente, realmente um presente.
AC: A trilha sonora é importantíssima dentro do filme. Por que Beatles e por que "Something" especificamente?
Laís: Nestes bate papos que a gente fez nas escolas é claro que procurávamos saber o que eles escutavam e gostavam. O adolescente é muito musical, a música é o tempo inteiro uma referência de quem sou eu e quem eu sou para você, como se relacionar. Algo que eles escutam muito e conhecem é Beatles! Eles de fato conhecem e escutam. Então de uma certa forma quis devolver isto para eles. Depois a gente correu atrás para conseguir.
AC: Você disse que, nesta maratona de pré-estreias, costuma prestar muita atenção no público. O que você pôde perceber deste olhar do público ao seu filme?
Laís: A sessão que teve no Cinema para Todos irei guardar para mim como uma lembrança muito especial. Era só com adolescentes, foi um presente. Foi a primeira sessão do filme, pois a cópia tinha acabado de ficar pronta. Fizemos o filme inteiro para adolescentes e a primeira sessão foi para aquela multidão. Adolescentes típicos, que não paravam quieto. Só que aí começa o filme com aquele mesmo som, do show de rock, então misturou aquele público com aquele som do filme. Quando vi, eles já estavam dentro do filme sem nem saber mais se era o som do filme ou deles que estava ali. Foi uma maneira tão tranquila deste encontro com a plateia, que não para quieta e que fala o tempo inteiro. Foi muito feliz este começo, de fazer esta brincadeira com o clima de show de rock. Porque eles são assim, tudo é show de rock! O que para mim foi legal é que assisto a plateia e fico sacando os olhares, se teve riso, se teve choro. Ainda mais uma plateia que ainda por cima fala! Claro que quem está ali quer que o outro fique quieto, mas para mim, como diretora, foi um presente. E aí foi muito legal porque vi a torcida. Deu para perceber que o que eles estavam falando não era para bagunçar a sessão, mas era para comentar e para torcer pelos personagens.
AC: As Melhores Coisas do Mundo será lançado nacionalmente, com exceção de Recife. Qual é a expectativa em relação a público?
Laís: Minha preocupação é que os adolescentes saibam que este filme existe. Se eles souberem acho que tem uma chance deste filme achar um caminho bacana. Estou me esforçando para avisar.
AC: Você já tem em vista algum novo projeto, após este filme?
Laís: Tenho uma peça que pretendo fazer no segundo semestre, com texto do Bráulio Mantovani. Tenho um projeto que ainda vai levar anos, que é infanto juvenil. Não tenho certeza se será o próximo, mas é um projeto muito querido sobre o nosso mito, o saci. Mas este vai demorar.
AC: Quando você lançou Bicho de Sete Cabeças era uma diretora estreante e ainda não tinha seu nome consolidado. Este já é um filme de Laís Bodanzky, as pessoas já sabem o que esperar pelo seu padrão de qualidade. Como você lida com isto?
Laís: Um filme na verdade é feito por uma equipe. Quando você fala em padrão de qualidade eu entendo como saber escolher uma boa equipe, pois a qualidade vem dela. Não é fácil montar uma equipe. Fico feliz, talvez esteja acertando nas equipes.
AC: O que mudou no cinema nacional nestes nove anos desde Bicho de Sete Cabeças, em relação a produção e divulgação?
Laís: Mudou bastante. Mudou a captação, a postura das empresas para compreender o que é arte. Mudou o preconceito do público, não tem mais. Hoje todo ano você tem um blockbuster brasileiro, as pessoas esperam e sabem. A mídia é carinhosa com o cinema brasileiro. É uma diferença quase que da água para o vinho.