Há 20 anos, Sam Raimi fazia história com o lançamento de Homem-Aranha, a primeira grande adaptação live-action de um dos super-heróis mais queridos da Marvel Comics.
Com um atraso de alguns dias em comparação ao lançamento estadunidense, o longa chegou em solo brasileiro em 17 de maio de 2002 com produção de Ian Bryce, que no futuro viria a trabalhar com ambiciosos blockbusters, como Guerra Mundial Z e As Tartarugas Ninja, e Laura Ziskin, que também atuou no reboot de 2012.
Com a direção de Raimi, cineasta conhecido por sua marca única em filmes de terror, o projeto foi trabalhado com base no roteiro de David Koepp, escritor de Guerra dos Mundos, O Mundo Perdido: Jurassic Park e Missão: Impossível.
O personagem criado por Stan Lee, Steve Ditko, Gerard Way e Kaare Andrews ganhou vida pelas mãos dessa equipe de peso, auxiliada por John Calley, que atuava como CEO da Sony Pictures, a presidente da Columbia Pictures Amy Pascal e o então chefe do Marvel Studios Avi Arad.
Os anos 2000
Muito distante do cenário atual, o cinema de super-heróis vivia momentos turbulentos. Em entrevista à Variety, o roteirista David Koepp relembra que filmes de super-heróis viviam tempos difíceis. "Eles não estavam fazendo nenhum tipo de conexão cultural, e havia vários que eram baratos e considerados ruins", relembra.
Mesmo assim, alguns projetos se destacavam a ponto de garantir o investimento de grandes estúdios. Dois anos antes de X-Men, lançado em 2000, Blade propiciou um novo olhar à seára cinematográfica dedicada a adaptações de quadrinhos. O filme da New Line estrelado por Wesley Snipes conquistou US$131,2 milhões de bilheteria, algo extraordinário para o tipo de projeto. Posteriormente, com o sucesso do longa de Bryan Singer, a ideia de que tais empreitadas poderiam dar certo foi reforçada.
5 filmes da Marvel que mudaram o gênero de super-heróis para sempreAssim, em 1998, a Sony Pictures garantiu os direitos de adaptação do Homem-Aranha pela "bagatela" de US$ 7 milhões, com a Marvel retendo 5% dos lucros e 50% do merchandising. Essa compra, inclusive, mostrou-se uma questão delicada posteriormente, quando o Marvel Studios começou a criar seu universo cinematográfico. Pelo bem do público, os estúdios firmaram acordos para que o Cabeça de Teia se reunisse aos demais heróis da editora.
Sam Raimi
Em 2002, Sam Raimi já havia dirigido Darkman: Vingança sem Rosto, Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio e Um Plano Simples, longas aclamados pelo público e, apesar de algumas controvérsias da mídia, pela crítica também.
Antes da chegada do diretor que conduziria as três partes da franquia, a Sony não estava interessada no trabalho de Sam. Inclusive, o cineasta estava no 19º lugar de uma lista de potenciais diretores para o longa. No entanto, sua paixão pelo personagem e algumas peculiaridades da primeira reunião com a empresa abriram o caminho para que conduzisse o projeto.
Homem-Aranha 4: Sam Raimi revela as condições para fazer um novo filme com Tobey MaguireAo lado de Koepp, Sam queria uma abordagem mais próxima à realidade. Ambos desejavam trazer uma narrativa que não se apoiasse apenas no mundo fantástico dos quadrinhos, mas queriam que a história se apegasse aos termos dramáticos que compunham os verdadeiros sentimentos da jornada de Peter Parker.
"Eu nunca quis nada brilhante, nada interior, nada autoconsciente. Este é um drama do ensino médio. Esses sentimentos são realmente poderosos, e eu gostaria que fossem tão reais quanto pudermos obtê-los", disse o Koepp à Variety.
"Queria ter certeza de que não estávamos fazendo uma apresentação 'entrando na piada com o público'", pondera Sam Raimi. "Para mim, não havia brincadeira. Eu não quero estar seguro como um cineasta dizendo: “Eu sei que isso é bobo, mas vamos fingir que não é”. Eu nunca quis ter essa separação para mim e o material, ou assumir que o público tinha isso. Não há lugar seguro. É simplesmente acreditar – acreditar que Peter Parker existe e investir totalmente em seu coração e nos assuntos de sua alma. E compartilhar esse drama com o público."
Tobey Maguire se torna o Peter Parker
Durante a busca pelo ator que encarnaria a essência do jovem herói, alguns nomes surgiram na imprensa, mesmo que a Sony não considerasse muitos deles. A lista de possíveis protagonistas incluía Leonardo DiCaprio, Wes Bentley, Heath Ledger, Ewan McGregor, Chris Klein, Scott Speedman, e Freddie Prinze Jr. e Jude Law.
Durante a pesquisa, Regras da Vida estava crescendo na temporada de premiações. Estrelado por Tobey Maguire, Delroy Lindo, Michael Caine e Charlize Theron, o filme adapta o romance de John Irving sobre um jovem que cresceu órfão no Maine da Segunda Guerra Mundial. No longa, o diretor encontrou seu Peter Parker.
"Tobey pode não ter sido a escolha mais óbvia se você está escolhendo qual é o papel mais importante de qualquer personagem que está chegando no estúdio, porque ele não era esse tipo de pessoa. Mas ele era um ator magnífico e possuía todas as qualidades que Peter Parker precisava ter. Para ser honesta, ele foi a escolha de Sam Raimi e Sam foi firme. Ele não faria isso com mais ninguém", conta Amy Pascal.
Na trama, Peter Parker (Tobey Maguire) é um jovem estudioso que vive com seus tios, Ben (Cliff Robertson) e May (Rosemary Harris), desde que seus pais faleceram. Inteligente e com um grande interesse pela ciência, Peter tem dificuldade em se relacionar com seus colegas, por ser tímido e por eles o considerarem um nerd. Até que, em uma demonstração científica, um acidente inesperado faz com que aranha modificada geneticamente pique Peter.
A partir de então seu corpo é quimicamente alterado pela picada da aranha, fazendo com que Peter possa escalar paredes e tetos, emitir pelos punhos um fluido ultra-resistente semelhante à uma teia de aranha e passe a ter um "sentido de aranha", que o avisa sempre que há perigo por perto, além de superforça e visão ampliada. Inicialmente Peter pensa em usar seus novos poderes para ganhar dinheiro, adotando o nome de Homem-Aranha e se apresentando em lutas de exibição. Porém, ao permitir que um ladrão fuja por não considerar sua função capturá-lo, o fugitivo acaba assassinando seu tio Ben.
Peter decide não mais usar seus poderes para proveito próprio e sim para enfrentar o mal, tendo como seu primeiro grande desafio enfrentar o psicótico Duende Verde (Willem Dafoe), que na verdade é o empresário Norman Osborn após ter sido exposto à um gás experimental que lhe deu uma segunda personalidade e grande força física.
Impacto na indústria
Homem-Aranha foi a maior bilheteria norte-americana de 2002. O longa arrecadou US$403 milhões, com o acúmulo de US$114 milhões apenas no fim de semana de estreia. A título de curiosidade, vale pontuar que no mesmo ano foram lançados grandes filmes que mudaram os rumos do cinema de diferentes formas, como O Senhor dos Anéis - As Duas Torres, Harry Potter e a Câmara Secreta, Cidade de Deus, Prenda-me Se For Capaz, A Era do Gelo, entre outros.
O lucro, obviamente, fez os olhos de muitos outros estúdios brilharem com a cativante história de um herói tomado por dilemas próximos do real. O sucesso do longa catapultou as possibilidades criativas do cinema de super-heróis.
Nem todos os filmes tiveram o mesmo alcance ou se equiparam em termos de "clássicos contemporâneos", mas o Universo Cinematográfico da Marvel é fruto de projetos como esse, que consegue alinhar o mundo extraordinário das HQs com grandes histórias.
Juntos, todos os filmes do Homem-Aranha, estrelados por Tobey, Andrew Garfield e Tom Holland, constituem a maior bilheteria de todos os tempos. Em termos gerais, a propriedade intelectual da Marvel nos cinemas tem uma receita global superior a US$8,2 bilhões.
“Eu nunca pensei: ‘Este é o futuro dos filmes’. Eu só sabia que tínhamos feito algo que as pessoas adoravam”, revela Pascal. “Quero dizer, o filme foi um ponto de virada para a Columbia Pictures e para todas as pessoas envolvidas nele. Na verdade, de uma forma ou de outra, faço filmes do Homem-Aranha com o mesmo grupo de pessoas há 20 e poucos anos.”
Como afirma a Variety, sem Homem-Aranha, não existiria MCU, Vingadores, Cavaleiro das Trevas e muito menos a experiência que Sem Volta Para Casa proporcionou ao público que acompanhou as várias versões do Amigão da Vizinhança nas últimas duas décadas.
Atemporal, o longa de Sam Raimi chega aos seus 20 anos com frescor, mostrando que boas ideias sobrevivem às indagações do tempo. Mesmo com efeitos especiais datados e com cada linha de diálogo ou frame dissecados em matérias, vídeos e conteúdos especiais, fica a nostalgia de encontrar em Homem-Aranha aquela história única que cativou tantos jovens e adultos no passado. Como cinema, o filme continua cumprindo sua missão de causar grandes emoções em seus espectadores.
O longa pode ser assistido nas principais plataformas de streaming disponíveis no Brasil: Netflix, Prime Video, HBO Max, Globoplay e para compra ou aluguel digital.