Fazer cinema no Brasil sempre foi árduo e caro. Se você for uma mulher negra, em meio a uma ditadura,
essa tarefa definitivamente não se torna mais fácil. Esse foi o caso de Adélia Sampaio, a primeira diretora negra de um longa-metragem de ficção no Brasil.
Nascida em 1944, em Belo Horizonte (MG), a cineasta chegou ao Rio de Janeiro ainda muito jovem, e por lá fez sua carreira. A relação com as grandes telas começou através de sua irmã, que trabalhava na Tabajara Filmes. Além de importar filmes russos, essa produtora e distribuidora foi o berço do Cinema Novo, um dos mais importantes movimentos do audiovisual brasileiro. Encabeçada por diretores como Glauber Rocha e Cacá Diegues, a corrente escancarava a desigualdade social e outros problemas do país.
Após sua irmã levá-la a uma sessão de cinema pela primeira vez, Adélia teve certeza de que o lugar de espectadora não seria o bastante. Não demorou muito até que ela começasse a trabalhar como telefonista em outra empresa cinematográfica. A partir dali, ela passou por diversas funções técnicas no set, entrou em contato com outros grandes diretores, e se tornou parte do Cinema Novo.
PRIMEIRO FILME DE ADÉLIA SAMPAIO
Após um bom tempo já trabalhando com cinema, Adélia enfim dirigiu seu primeiro trabalho, o curta-metragem Denúncia Vazia, de 1979. O filme retrata um processo jurídico em que o proprietário de um imóvel retoma sua posse, fazendo com que os moradores idosos tenham que deixá-lo. Sem recursos para o aluguel de outro apartamento, dois velhinhos resolvem suicidar-se.
Essa denúncia da realidade continuou presente na obra de Adélia, que em 1984, enfim, lançou Amor Maldito, o primeiro filme brasileiro dirigido por uma mulher negra. Também inspirada em uma história real, o filme contava a história de Fernanda e Sueli, duas mulheres que se apaixonam e passam a morar juntas. No entanto Sueli decide se envolver com um homem, pelo qual acaba sendo abandonada grávida. Nessa situação, ela se joga do apartamento de Fernanda, que passa a ser acusada de homicídio.
A Embrafilme, empresa estatal de cinema e principal responsável pelo fomento aos filmes brasileiros na época, se recusou a dar qualquer apoio ao filme. Sem esse incentivo, Amor Maldito foi produzido aos trancos e barrancos, em um esforço conjunto de toda a equipe.
O filme só foi exibido em algumas poucas salas, com a condição de que fosse tachado como pornochanchada. Apesar disso tudo, o filme teve uma ótima recepção do público, e foi muito bem falado por Leon Cakoff, um dos maiores críticos de cinema da época.
ADÉLIA SAMPAIO HOJE
Hoje aos 77 anos, Adélia segue tentando tirar seus roteiros do papel, em meio às dificuldades que sempre encarou e ao cenário cultural que nosso país sofre. Justamente por enxergar um descaso com a preservação da cultura, a diretora disponibiliza sua obra toda gratuitamente em seu canal no YouTube.
Assista a Amor Maldito:
É curioso o fato de que em 1985, um ano após o lançamento de Amor Maldito, nasceu a ativista, advogada e cineasta Viviane Ferreira. E é sintomático que 35 anos se passaram até que Viviane se tornasse a segunda mulher negra a assinar a direção de um longa-metragem, com o filme Um Dia Com Jerusa, de 2019.
