Qual é o preço de expôr crimes e revelar a verdade em rede nacional? Em A Cisterna, novo filme estrelado por Fernanda Vasconcellos, a premiada jornalista Lorena faz muitos inimigos ao denunciar problemas sociais em seu jornal de alcance nacional. No entanto, quando expõe um pedófilo da região, a profissional tem seus planos de carreira e vida pessoal interrompidas ao ser sequestrada pelo criminoso e presa em uma cisterna. Com medo e incerteza de que continuará viva, ela luta para escapar e colocar o sequestrador atrás das grades.
O longa-metragem é escrito e dirigido por Cristiano Vieira, cineasta também responsável por rodar os filmes Eu Sinto Muito e Um Domingo de 53 Horas. No elenco de A Cisterna, além da protagonista Fernanda Vasconcellos, estão os atores Cristobal Tápia Montt, Juan Alba e Luíza Guimarães.
Em entrevista ao AdoroCinema, Fernanda Vasconcellos falou sobre seu novo filme, presente na seleção oficial do New York Film Festival 2021 (NYFF) — que inicia em 24 de setembro —, também contou sobre o jogo de cintura ao filmar Coisa Mais Linda, da Netflix, ao mesmo tempo em que gravava A Cisterna — e ainda comentou sobre a atual situação do audiovisual brasileiro.
Fernanda Vasconcellos ficou dentro da cisterna por muitos dias
Para viver a personagem principal, Fernanda Vasconcellos precisou de muita força física para filmar os momentos de tensão dentro do esconderijo subterrâneo em que foi colocada. “O maior desafio em interpretar a Lorena, com certeza, foi ficar na cisterna. Ficar ali dentro foi complicado, porque foram vários dias. No filme não dá pra ter a dimensão disso, mas realmente foi feito um buraco na terra, com apenas um pedacinho para encaixar a câmera. Por ser bem funda, úmida e eu ficar tentando sair da cisterna, me causava muita dor muscular. A gente repetiu isso várias vezes e doía o braço, as costas, e foi um desafio lidar com aquele ambiente apertado e escuro, sem interação com outros atores.”
Coisa Mais Linda vai ter 3ª temporada? Veja as perguntas que a série da Netflix deixouApesar de ter dezenas de referências importantes no telejornalismo brasileiro, a atriz afirmou que a ideia não era se basear em nenhum jornalista existente na televisão, e sim criar uma personagem do zero. “Eu comecei a preparar a Lorena uns dois meses antes de viajar para Brasília e me baseei no perfil dela, quem era essa mulher e como ela se portava no programa dela.”
Ela continuou: “A gente não queria ser cópia de nada e nem pegar uma referência do que já existe, mas construir essa mulher, com suas ambições, sua vida e o que ela leva dela para esse programa ficar o mais crível possível — para a Lorena não encarnar um personagem quando estiver no ar. Quando ela está no ar, faz parte das ideias que ela acredita em relação à justiça, ao que é certo ou errado. A Lorena na televisão reflete bem quem ela também é na vida real. A ideia maior era entender a que custo ela quer uma audiência.”
Mães ainda precisam escolher entre profissão ou maternidade
Em A Cisterna, Lorena se divide entre o trabalho e a maternidade, e ainda enfrenta julgamentos por não poder estar com a filha por tempo integral. Isso não é nenhuma novidade fora das telas, uma vez que ainda vivemos a realidade em que mulheres precisam escolher entre profissão e filhos, acima de suas próprias vontades.
Conciliando a personagem e as situações que já presenciou em seus longos anos de trabalho nas telinhas, Fernanda Vasconcellos compartilhou sua percepção sobre a pressão social que afeta mães em todo o Brasil (e mundo). “É um tema que precisa ser olhado com mais carinho em relação às mulheres. Com essa coisa de você ter que escolher um momento de engravidar, eu vejo muito pouco mulheres verdadeiramente grávidas sendo escaladas em algum filme ou novela. Geralmente, ou elas ficam grávidas já dentro do projeto ou não ficam na ativa.”
Coisa Mais Linda e A Cisterna foram gravadas ao mesmo tempo
Se gravar uma série já parece difícil, imagina se somado com a gravação simultânea de um filme. Foi exatamente o que Fernanda Vasconcellos fez ao filmar Coisa Mais Linda e A Cisterna em 2019, antes da pandemia de coronavírus. Com duas personagens totalmente diferentes, desde a personalidade até mesmo ao recorte temporal em que vivem em ambos os enredos, a atriz precisou se adaptar para fazer a dinâmica funcionar. Ao AdoroCinema, ela refletiu sobre as diferenças entre Lígia e Lorena.
“Eu estava gravando Coisa Mais Linda ao mesmo tempo que A Cisterna. Inclusive, tive que tomar bastante cuidado com o tamanho do cabelo, porque um não podia atrapalhar o outro. O que eu aprendi fazendo as duas personagens ao mesmo tempo foi o respeito com a minha profissão e o quão delicado é o nosso trabalho. Lembro que fiquei muito sensível nessa fase, por estar tocando duas pessoas tão importantes.
O que me chamava muita atenção é que a Lígia estava buscando ser ela mesma, estava em um movimento de vida, tentando dar um passo a frente, em busca de quem ela era. E quando eu voltava para Lorena, ela estava na incerteza se ia sobreviver, se voltaria a ver a filha e a mãe. Ela estava em uma insegurança na vida, enquanto a Lígia procurava um recomeço.”
Sucateamento e falta de incentivo ao cinema nacional
Com o recente incêndio na Cinemateca Brasileira, maior acervo de filmes na América Latina, além de tentativas de censura ao cinema nacional nos dois últimos anos, o nosso audiovisual vem sendo ameaçado constantemente. E, além de constar como uma perda irreparável para o Brasil, também afeta a classe artística e todas as pessoas que dependem do cinema para sobreviver. Durante a conversa, Fernanda Vasconcellos pontuou a importância do investimento em arte e cultura.
“A classe artística é afetada com o desemprego. A gente fica vulnerável, porque várias pessoas precisam do emprego para pagar suas contas e o trabalho vai ficando escasso. E um país sem cultura, é um país que não existe. Se você não produz cultura e não fala dos seus, você não conta a história do seu país. O governo precisa investir na cultura, levando a sério e dando o devido valor que esses profissionais merecem. É um trabalho muito sério, muitas famílias dependem dele.”
Em meio a dificuldades no cinema nacional e a pandemia que impossibilitou ou atrasou diversos lançamentos audiovisuais, A Cisterna estreia em VOD, nas plataformas iTunes, Now, Google Play, Vivo e Oi, e marca presença no festival internacional de Nova York. Honrada pela conquista, a atriz comemorou: “Expandir o meu trabalho sempre foi a minha maior vontade, para que as pessoas pudessem ver a nossa cultura, falar sobre o nosso povo. Eu me sinto muito feliz e prestigiada. Quanto mais pessoas tiverem acesso aos nossos filmes, melhor vai ser. A gente faz o filme para ser visto, ser colocado nas salas de cinema, não para ficar na gaveta. E para isso, precisamos de incentivo.”