Teocracia em Vertigem — o novo Especial de Natal do Porta dos Fundos — foi lançado hoje no Youtube. A produção é uma sátira ao documentário Democracia em Vertigem, dirigido por Petra Costa. Na história, Jesus é traído por Judas Iscariotes e levado para a casa de Caifás. Lá, ele será julgado pelo conselho sacerdotal. Contudo, o grupo não consegue encontrar provas para incriminá-lo.
Pôncio Pilatos também não encontra razões para justificar a morte de Cristo. Por isso, os governantes decidem jogar a decisão na mão do povo. A partir daí, a trama faz referências a diversos escândalos políticos brasileiros, como a distribuição das fake news e a nova onda de conservadorismo que vem tomando conta do Brasil. Você pode assistí-lo abaixo:
O especial chega um ano após os ataques à sede do Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro. Na ocasião, a equipe foi ameaçada por retratar figuras bíblicas de maneira humorada. Agora, o elenco de Teocracia em Vertigem — incluindo Fábio Porchat, Gregório, Antonio Tabet e João Vicente de Castro — comentam sobre o novo projeto e refletem sobre as polêmicas do passado, e talvez futuro. Confira:
Como o Porta dos Fundos encara os ataques sofridos em 2019
Após os ataques violentos ao Porta dos Fundos, muitos se perguntaram se a produtora iria lançar um novo especial no futuro. Mas segundo João Vicente, a equipe nunca pensou em cancelar os planos por receio de novos atentados: “Os acontecimentos do passado nos deixam mais tristes do que com medo”, explica.
“É difícil pensar que moramos em um país radical. As pessoas estão muito malucas. Mas é importante para nós — como empresa — ter um momento no final do ano em que todos nos juntamos. É quase uma festa que vira um conteúdo”, brincou o ator.
“Eu arrisco a dizer que é o melhor especial de Natal que a gente já teve. Ele mostra o nosso amadurecimento, evoluímos como especialistas da bíblia e acredito que esse vai dar o que falar”, provoca.
Logo em seguida, Fábio reitera que não houveram dúvidas em relação ao novo projeto: “Até a VIACOM, a nossa parceira, não tentou nos impedir de algo. A Netflix também foi muito parceira e lutou pelo especial do ano passado. Os advogados deles foram ao STF e defenderam a nossa liberdade de expressão. Inclusive, já estamos pensando no especial do ano que vem”.
Filmes e séries nacionais de temática LGBT são censurados pelo governo BolsonaroHomofobia motivou as críticas recebidas em A Primeira Tentação de Cristo
Para Antonio Tabet, todos os ataques violentos que o Porta dos Fundos recebeu em A Primeira Tentação de Cristo ocorreram principalmente por homofobia: “No especial do ano retrasado, Jesus era um mau-caráter e não houve nenhuma repercussão. Mas em 2019, quando nós sugerimos que ele tinha um relacionamento homoafetivo, a situação tomou outros rumos”, esclarece.
“Até um deputado foi para a câmara dizendo que não admitia que o Porta dos Fundos ‘xingasse’ Jesus de gay e nada aconteceu com ele. Foi um claro manifesto de homofobia, que inclusive é crime”, disse.
Mas apesar das repercussões intensas, Antonio não acredita que Teocracia em Vertigem terá o mesmo impacto explosivo entre as pessoas: “Ele é mais político, e o cidadão de bem da tradicional família cristã brasileira é mais tolerante com críticas políticas. Nós vivemos no país do Carnaval, mas um relacionamento entre homens ainda é tabú”.
“Jogaram as três bombas no Porta porque Jesus era gay. A gente só tá vivo porque ele não era gay e preto”, cutuca Tebet em uma das melhores reflexões da entrevista.
Fábio Porchat e outros humoristas se pronunciam após atentado contra o Porta dos FundosPor que o especial de Natal é tão político?
Para Gregório, é impossível desvincular o humor da política, pois o homem é um animal politizado: “Jesus foi crucificado como líder político, porque essa é uma punição política. Essa punição não se aplicava a líderes religiosos. Ele contestava o regime romano na época, e sofreu as consequências. Logo em seguida, a história tentou despolitizá-lo”, afirma.
Portanto, segundo o comediante, a produção apenas se apodera da realidade. “Nós não queremos destruir os valores cristões, acabar com a civilização judaica. Ao contrário disso, nós defendemos Cristo no especial. Nós tentamos resgatar quem ele era enquanto estava vivo”, conclui.
Humor x conscientização política: qual é a maior prioridade?
Por mais que haja uma preocupação em trazer provocações reflexivas, Gregório afirma que a maior prioridade da produção é arrancar risadas: “Essa é o nosso objetivo maior. O resto vem junto. As pessoas acham que esses dois são conflitantes. Mas dá para ser engraçado com responsabilidade. Dá para rir se estivermos com o coração no lugar certo”, reitera.
Gravando Teocracia em Vertigem em meio à quarentena
Em 2019, o Porta dos Fundos venceu um Emmy de Melhor Comédia por Santa Ceia. Portanto, houve uma pressão para manter ou superar o nível de qualidade neste novo especial. Contudo, com o avanço da pandemia, a produção precisou ser realizada com diversas limitações.
Durante a coletiva, o diretor Rodrigo Van Der Put comentou sobre esse novo processo: “Como todos nós nos conhecíamos bem, a parte de preparação foi muito fácil. Isso me ajudou a escalar melhor os personagens, e eu tive uma troca muito boa com o elenco”, afirmou.
Quando Fábio enviou o roteiro no estilo documentário para Van Der Put, o cineasta logo pensou que tudo deveria parecer muito real: “Eu queria que as pessoas sentissem que viajaram para aquela época. Pra fazer isso na quarentena, nós passamos três meses selecionando imagens de referência, ilustrações e locações para tornar toda a experiência imersiva”, explicou.
5 Filmes polêmicos que nunca mais sairão da sua cabeçaAntes do início das filmagens, Porchat leu o roteiro para todos os atores em uma videoconferência. Logo em seguida, o elenco repassou suas falas — também por chamada de vídeo.
“Nós planejamos tudo para nada parecer planejado”, afirmou Van Der Put. Uma curiosidade interessante, é que a obra possui apenas um figurante. Então se você prestar bastante atenção, verá a mesma pessoa em quase todas as cenas. “É o nosso easter-egg”, brincou.
E claro, não menos importante, Fábio diz que todos usaram “trajes espaciais” para as gravações. Portanto, face shields, máscaras, álcool gel, termômetros e testes de COVID-19 foram utilizados em grandes quantidades para a conclusão do projeto. Felizmente, ninguém da equipe foi contaminado durante a produção.
O processo criativo é afetado pelo medo da retaliação?
Porchat garante que não pensou em evitar alguns assuntos no especial por medo da repercussão. “Nós até colocamos o vídeo do ataque ao Porta na produção. A gente colocou as imagens da câmera de segurança capturando a explosão das bombas”.
“Até mesmo a divulgação do especial foi feita com inspiração nos ataques. O nosso Media Kit vinha com a frase ‘Achou que não ia ter especial de Natal esse ano, né minha filha?’. Tudo isso é uma resposta. ‘Quero ver cancelar agora’ também foi uma frase que usamos. Se jogaram uma bomba tentando nos calar, agora vamos gritar bem alto”, retruca o ator e apresentador.
Inclusive, a divulgação do especial está massiva esse ano. Um prédio de Copacabana foi adereçado com um banner gigante, há diversos anúncios passando na televisão e até mesmo um avião sobrevoou as praias do Rio e São Paulo com a faixa ‘Jesus vai voltar’. Dá uma olhada no trailer afrontoso de Teocracia em Vertigem: