M8 - Quando a Morte Socorre a Vida está prestes a ser lançado nos cinemas, com estreia marcada para 3 de dezembro. Exibido no Festival do Rio em 2019, a produção foi vencedora da categoria de Melhor Filme de Ficção, por voto popular, e esteve na disputa pela vaga brasileira à indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O cineasta Jeferson De é responsável pela direção e roteiro, e o projeto é estrelado por Juan Paiva e Raphael Logam. Além deles, a produção também traz nomes como Mariana Nunes, Giulia Gayoso, Alan Rocha, Bruno Peixoto, Fábio Beltrão, Rocco Pitanga, Dhu Moraes, Zezé Motta, Ailton Graça, Henri Pagnoncelli, Malu Valle, Léa Garcia e Lázaro Ramos. Em vídeo exclusivo para o nosso site, o diretor elogiou a dinâmica do elenco em cena, confira:
Baseado no livro homônimo de Salomão Polakiewicz, o filme narra a história de Maurício, um jovem negro que ingressa na faculdade de medicina como cotista e tem dificuldades de se encaixar em um ambiente majoritariamente ocupado por brancos. A preocupação do rapaz se agrava ainda mais quando percebe que todos os corpos preservados para estudo de anatomia são de pessoas pretas.
Em conversa com o AdoroCinema, Jeferson De apontou o elenco como uma das razões a qual o público deveria assistir o longa-metragem, e também mencionou a importância de uma obra dirigida e estrelada por artistas negros. Durante o bate-papo, o cineasta e o ator Alan Rocha, que interpreta Sinvaldo em M8 - Quando a Morte Socorre a Vida, comentaram sobre as problemáticas raciais relatadas no filme e a mensagem de união transmitida na produção.
“Esse filme aborda a questão do genocídio da população negra, dos cotistas na universidade, mas fala também de uma rede de solidariedade entre nós, negros, e o personagem do Alan, assim como o do Ailton Graça, representam essa rede para os mais jovens”, explicou o diretor.
Alan deu continuidade ao assunto, contando de que forma Sinvaldo desempenha o papel de integração e acolhimento negro no filme. “Esse link que a gente faz com a chegada do Maurício (Juan Paiva) na faculdade, o primeiro negro a ingressar, traz esperança para a gente e ficamos cada vez mais conectados enquanto recebemos esse menino. Trabalhamos nessa universidade que tem apenas alunos brancos e de repente chega o Maurício, que está vendo tudo o que acontece, que está sofrendo preconceito e racismo, e nós o acolhemos.”
O ator também contou sobre as cenas de improviso com Ailton Graça, em que imprimiram naturalidade nos diálogos e fizeram colaborações no roteiro. “A troca que aconteceu entre eu e Ailton Graça tinha muito improviso que acabamos levando para a cena. Estávamos trocando várias ideias sobre samba e pensamos: ‘Vamos falar aqui aquele papo que estávamos tendo.’ Fomos trazendo no texto a questão da cultura negra e do samba.”
Dogma Feijoada e a participação negra no cinema
No decorrer da conversa, Jeferson De deu sua opinião sobre protagonismo negro, produções brasileiras e também contou sobre o tema de seu livro Dogma Feijoada, lançado em 17 de agosto de 2000. A obra analisa quais são os fatores necessários para a criação do cinema negro no Brasil, e aponta sete fundamentos importantes na realização de filmes. O nome da publicação é uma brincadeira feita com o título do estudo dinamarquês de Lars von Trier, Dogma 95, que se tornou uma importante vertente no cinema. Para explicar o conceito de seu manifesto, o diretor falou um pouco sobre origem do trabalho:
“A gente transformou o título em Dogma Feijoada por ser o porco, pelo o que eu estudei um pouquinho, um animal importado. Não tinha porco no Brasil. Se com os restos do porco se fez uma feijoada, com as sobras que o cinema comumente exibido no Brasil deixa de fora, nós pegamos para fazer nossa feijoada no cinema.”
O cineasta continuou: “O Dogma diz respeito a como nós, pretos e pretas, poderíamos produzir filmes a partir da nossa perspectiva. E ao falarmos de diversidade, quando a gente pensa em negros no audiovisual, principalmente no cinema brasileiro, tudo o que popularmente conhecemos não foram mulheres e nem homens negros que contaram. Seja no período da Chanchada, no neorrealismo brasileiro ou na época do pré Cinema Novo. Posteriormente, também, produções como Cidade de Deus, Tropa de Elite, Lixo Extraordinário, são filmes que não tinham nenhum negro narrando. E a palavra diversidade foi usada para justificar nossa ausência na criação.”
Oscar e liderança branca no audiovisual
Enquanto levantava reflexões sobre a importância da participação negra em diversas etapas da produção, Jeferson De comentou sobre o fato de ser um homem preto dirigindo filmes e escolhendo um elenco negro: “Exceção só confirma a regra, e toda vez que só tem uma pessoa preta fazendo (quaisquer atividades de liderança) é uma grande demonstração do racismo brasileiro”.
O diretor citou ainda alguns cineastas que fazem a diferença no audiovisual, principalmente por estarem inseridos em uma produção majoritariamente comandada por pessoas brancas. “Foi muito importante Denzel e Whoopi ganharem o Oscar. Mas, de fato, o que mudou a relação no audiovisual foi a presença do Spike Lee, da Ava DuVernay, da Oprah Winfrey, que é apresentadora mas também uma grande empresária do ramo”, disse. “É muito importante que negros estejam na frente das câmeras, mas é fundamental que estes também sejam roteiristas, produtores e diretores.”