Um dos filmes que têm feito barulho nas últimas semanas é The Old Guard, da Netflix. Inspirado em uma história em quadrinhos, o longa-metragem é estrelado por Charlize Theron e dirigido por Gina Prince-Bythewood (Shots Fired). A obra é um exemplo de produções protagonizadas e comandadas por mulheres, entre tantas que serão lançados este ano.
Para se ter uma ideia, desde que Mulher-Maravilha (2017) foi lançado e fez um sucesso estrondoso nas bilheterias, a indústria cinematográfica viu que filmes de ação e de super-heróis com mulheres no comando e no papel principal rendem. O filme estrelado por Gal Gadot e dirigido por Patty Jenkins foi um marco nos últimos anos.
Ironicamente, é a mesma Patty Jenkins que foi sugerida por Natalie Portman para dirigir Thor 3 e foi recusada, levando supostamente à saída da intérprete de Jane Foster da Marvel. Portman inclusive só topou retornar em Thor: Love and Thunder porque sua personagem teria mais destaque e agora o estúdio aposta em cineastas mulheres.
Filmes de super-heróis dirigidos por mulheres têm crescido
Capitã Marvel (2019), por exemplo, foi uma co-direção de Ryan Fleck e Anna Boden. E representou o primeiro filme da Marvel protagonizado por uma heroína, vivida por Brie Larson. O inédito Viúva Negra (2020), com Scarlett Johansson no papel principal, é comandado por Cate Shortland; assim como o vindouro Eternos (2021), que terá Chloé Zhao na direção e Angelina Jolie como uma das protagonistas.
No estúdio concorrente, a DC/Warner, também há um movimento para empoderar mulheres nos papéis principais e na direção: é o caso de Aves de Rapina (2020), comandado por Cathy Yan, e o próprio Mulher-Maravilha 1984 (2020), com o retorno de Patty Jenkins. Em time que está vencendo, não se mexe, não é mesmo?
5 super-heroínas que fizeram sucesso no cinemaPersonagens femininas criadas por homens
Mas por que ainda sentimos que falta muito para as mulheres ganharem o espaço que deveriam não só nos filmes de ação mas também na indústria cinematográfica como um todo? Negócios são negócios, é claro, mas representatividade importa sim e muito. Quantas jovens não se viram usando de exemplo personagens como Sarah Connor (Linda Hamilton) de O Exterminador do Futuro (1984), a Ellen Ripley (Sigourney Weaver) de Alien (1979), ou a Noiva de Kill Bill (2003)? É só percebemos os personagens que se repetem todos os anos entre os cosplayers nas convenções.
É importante que elas existam. No entanto, é preciso perceber que cada um desses personagens icônicos do cinema de ação foram criados por homens e, muitas vezes, sexualizadas. Também é o caso dos videogames. Podemos citar, entre tantas outras, Nikita (1990), a Lara Croft de Angelina Jolie em Tomb Raider (2001) ou Alice (Milla Jovovich) no primeiro Resident Evil (2002), que foram sexualizadas. A indústria acreditava (e talvez ainda acredite) que elas precisavam exibir o corpo e ganharem o status de sexy para fazerem sucesso.
Enquanto hoje em dia, isso tem mudado e a franquia se adapta a sua audiência. Mulheres querem se ver representadas de forma empoderadora nas telas. Ainda assim, Brie Larson sofre preconceito por Capitã Marvel usar um uniforme que cobre o corpo todo; Gal Gadot por não ter seios avantajados; a Lara Croft de Alicia Vikander por não exibir curvas, ou os animadores de “The Last of Us 2” sejam criticados porque o corpo de Abby no jogo é muito musculoso. O foco é outro, e talvez a sensualidade esteja justamente naquilo não visto e não mostrado, mas parte do público continua buscando esse tipo de entretenimento.
Diferenças entre cineastas mulheres e homens
Nesse sentido, colocar uma mulher no comando talvez seja abrir mão desse olhar sexualizado e assumir a narrativa empoderada. Porque lugar de fala importa tanto quanto representatividade, e é desafiador falar de uma mulher se você não é uma. É a diferença da Diana Prince de Mulher-Maravilha, dirigida por Patty Jenkins, e a de Liga da Justiça (2017), comandada por Zack Snyder e Joss Whedon. O fato de que o segundo filme focou suas cenas no uniforme curto da heroína e no corpo de Gadot. Nota-se a mesma distinção na Arlequina de shortinho curto vista em Esquadrão Suicida, de David Ayer, e aquela com roupas estilosas (e cobertas) em Aves de Rapina, de Cathy Yan.
As diferenças entre cineastas homens e mulheres vai muito além do que é mostrado nas telas (e no corpo das atrizes). O surgimento de mulheres nos filmes de ação começou como parceiras do herói nas décadas de 1980 e 1990, nos casos de RoboCop (1987) ou o Soldado Universal (1992). Logo, veio o aumento de heroínas de ação, em produções como O Exterminador do Futuro 2 (1991) e Fantasmas de Marte (2001), geralmente assumindo um papel de apoio ao protagonista e, de certa forma, restringindo os limites aceitáveis da masculinidade.
Embora os homens contem histórias femininas com sucesso, nem sempre chegam a empoderar as mulheres. Um estudo de Ian Kunsey para a Elon University determinou que a diversidade na produção de filmes também diversifica o tipo de histórias contadas. “Normalmente, as mulheres retratam histórias internas, em contraste com a jornada do herói masculino muito exterior. Comparados a diretoras como Sofia Coppola, os cineastas masculinos quase nunca contam histórias realmente bem-sucedidas de mulheres”, diz o artigo. Dessa forma, longas-metragens comandados por mulheres costumam passar no teste de Bechdel mais do que os dirigidos por homens. Para quem não sabe, tal exame determina se duas personagens femininas têm ou não um diálogo sobre algo diferente de homens em uma produção.
Outra questão a ser levantada é: por que mulheres geralmente só são contratadas para a direção de filmes de ação quando há uma protagonista feminina? Se o tema é experiência, como elas podem adquirir isso e se aperfeiçoar se não tem nem a chance de tentar? Historicamente, homens sempre tiveram mais oportunidades não só no cinema mas na maioria das áreas de atuação. Será que estamos longe de colocar uma cineasta mulher para comandar um blockbuster de ação de uma grande franquia, como 007 ou Velozes & Furiosos? Elas já provaram que conseguem. Tanto em qualidade quanto em bilheteria.
O futuro é feminino?
Os próximos anos terão, pelo menos, quatro filmes inéditos de ação estrelados e dirigidos por mulheres. É um número recorde, porém, ainda muito pequeno se comparados com a quantidade de longas protagonizados e comandados por homens. A diversidade é importante, assim como esse outro olhar dos filmes de ação — incluindo não só mulheres, mas também negros, membros da comunidade LGBTQI+ e outras minorias. Quanto mais filmes nesses moldes são feitos, mais demanda gera, mais receita e um ciclo que se retroalimenta.
Sem contar que existem tantas atrizes incríveis que conseguem dominar o set de ação, como Gal Gadot e Charlize Theron, que já brilhou em Atômica (2015), The Old Guard (2020) e até em Mad Max: Estrada da Fúria (2015) — no qual nem era a protagonista mas certamente roubou a cena. Ela não precisa ser chamada para um filme da Marvel para provar que dá conta do recado.
The Old GuardNão estamos dizendo que a indústria precisa mudar do dia para a noite. Progresso tem sido feito, mas ainda há muito o que fazer. O cinema existe há mais de 100 anos e é somente no século XXI que testemunhamos mulheres ganhando destaque em filmes de ação, tanto na frente das telas quanto nos bastidores. Quanto tempo levaremos para a próxima grande mudança no cinema?