O filme Sergio, um original Netflix, estreou há pouco mais de duas semanas na plataforma de streaming e é estrelado por Wagner Moura e Ana de Armas. O longa conta a trajetória profissional do diplomata brasileiro que trabalhou por 34 anos em diversas missões ao redor do mundo, transmitindo ideias e projetos a favor da democracia em locais dominados pela violência e repressão.
Aproveitando seu sucesso e a discussão contemporânea sobre empatia que o filme traz, o AdoroCinema conversou com o diretor de fotografia do filme, Adrian Teijido, sobre a experiência de se filmar um longa na Tailândia e Jordânia e em como a dinâmica nas filmagens fez toda a equipe imaginar como foi o trabalho de campo do falecido diplomata.
Confira a entrevista completa com Teijido abaixo:
AC: Qual foi o aspecto mais desafiador de se trabalhar em um fime como Sergio, cuja produção aconteceu em três continentes?
Adrian: Como trabalhamos com muitos profissionais locais na Jordânia e Tailândia, foi algo natural. Mas no caso de Sergio, teve uma peculiaridade, que foi a questão dos idiomas. Mas costumamos dizer que usamos o idioma "cinema". Ele é internacional. Eu até falava algo em português ou inglês que, eventualmente, nos entendíamos. Tanto na Jordânia como na Tailândia, minha equipe de câmera era uma equipe tailandesa, e posso dizer que foi uma das melhores que tive a possibilidade de trabalhar na vida. Na Jordânia, eles não têm uma infra-estrutura tão forte quanto a Tailândia em termos cinematográficos. Na Jordânia filma-se muitos projetos internacionais, é normal isso. Então eles estão super acostumados a atender projetos internacionais, mas você precisa trazer pessoas de fora. Star Wars filma-se lá, por exemplo. Eles estão acostumados e são competentes e experientes, possuindo inclusive locadores de equipamento.
Tinha também a questão religiosa, é claro, especialmente com relação aos horários das rezas. Você escutava as mesquitas e as orações com os autofalantes durante as filmagens. Mas eu não diria que foi um desafio. Fiquei muito feliz em ter uma equipe tão internacional. Foi uma realização incrível e que deu muito certo, não importando a junção de religiões nos locais em que filmamos.
AC: E este é um filme sobre um brasileiro que fez história em um projeto internacional, universal mesmo. Ter a oportunidade de se contar uma história sobre Sergio com essa gama de profissionais é ótimo neste momento...
Adrian: Exatamente. O Greg Barker (diretor) chegou a citar isso algumas vezes. Ele dizia que a nossa equipe de filmagens retratava bastante o próprio ambiente de trabalho de Sergio, que estava sempre em campo. Ele chegou a falar isso algumas vezes e é verdade mesmo. Greg é um profissional que tem base de documentário - eu mesmo já trabalhei em outras ocasiões no Oriente Médio -, então ficou claro que ele possui muito respeito àquelas culturas. Ele adorava estar naquele ambiente que, de alguma forma, Sergio transitava.
AC: As cenas de Sergio nos escombros é uma das mais impactantes do longa. Quanto tempo vocês demoraram para filmá-las? Foi muito complexo?
Adrian: Passamos em torno de dez diárias para filmá-las. Para essa sequência específica, ela foi montada em um cenário nos estúdios de Bangok na Tailândia. Eles tinham estúdios muito bons e conceituamos a logística do projeto assim. As internas foram feitas ali, naquele estúdio. Foi um cenário super bem desenvolvido pelo designer de produção, Johnny Breedt, que trabalhou em Hotel Ruanda e Mandela. Tínhamos dúvidas de como conceituar a parte dos escombros, então começamos a fazer estudos posicionando os atores, até deitávamos no chão para tentar imaginar qual seria a posição deles. Na vida real eles conseguiam se falar, Sergio e Gil. Então, no filme, eles tinham que ter uma relação ali também. Foi um trabalho de passo a passo, desde a criação de pedras "fake" e uma maquete até chegarmos na composição cenográfica que vista no filme.
Deu muito trabalho para recriarmos tudo. Nós contamos com a consultoria de Bill von Zehle, socorrista que realmente desceu aos escombros e tentou salvar Sergio. Greg já conhecia ele (Zehle aparece no documentário de 2009) e, quando Bill foi até o set, até se emocionou. Disse que tudo estava muito parecido - exceto que na vida real o local era mais escuro. Para o filme, modificamos isso com luzes que penetravam os escombros, sendo assim mais fácil para trabalharmos.
AC: Imagino que, como diretor de fotografia, é reconfortante ver que alguém pode ficar emocionado com o visual de um filme, como no caso de William. Essa é a sua parte favorita de trabalhar nessa área?
Adrian: Voltando à sua primeira pergunta, filmar nos escombros foi o principal desafio mesmo. Os atores não se movimentam, as câmeras são muito próximas a eles, usamos câmera na mão... Tudo isso de conceito, de como elaborar... Essa foi a parte mais difícil. Agora, eu gosto de tudo. Foi um grande prazer trabalhar com os jordanianos e com os tailandeses. É isso o que a profissão te traz de tão legal, o fato de conhecer diferentes culturas. Estar em diferentes locais, vivenciando a cultura e os costumes de cada um... Isso é incrível.
AC: É muito bonito ver como este trabalho se aproxima do que Sergio fazia enquanto diplomata, essa questão de conhecer diferentes culturas também.
Adrian: Todas as pessoas que trabalharam no projeto em algum momento davam algum depoimento pessoal entendendo a importância de quem foi Sergio. "Estamos fazendo um filme importante", diziam. Todo mundo se emocionava, se sensibilizava um pouco com tudo aquilo. Para Greg, Wagner, todas as pessoas envolvidas ali, isso foi muito importante. Passamos a entender ainda mais o personagem e a compreender o quão relevante é o fato de o mundo, o Brasil, saber quem ele foi. É uma grande recompensa do seu trabalho. Independente de fazer um filme - o que já é algo bom -, você sente orgulho por ter contado uma história como essa.
Sergio está disponível na Netflix.