Democracia em Vertigem é representante do Brasil no Oscar 2020 na categoria de Melhor Documentário. Mais do que isso, o filme dirigido por Petra Costa representa a presença feminina da competição, considerando que nenhuma mulher foi indicada na categoria de Melhor Diretor — já que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas esnobou Greta Gerwig por Adoráveis Mulheres, Lulu Wang por The Farewell e Lorene Scafaria por As Golpistas. No entanto, a seleção de documentários tem quatro dos indicados comandados por mulheres.
Segundo Dira Paes, que vai participar da transmissão do Oscar na Globo neste domingo (09), a indicação de Democracia em Vertigem, que narra o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, é uma conquista dos brasileiros. “Eu acho que nós devemos esquecer a palavra ‘política’ por um minuto. Vamos pensar em cinema. E quando você fala em cinema, você assiste a um filme como Democracia Em Vertigem e vê onde ele chegou, você em primeiro lugar tem que bater palmas. O feito da Petra como mulher e como cineasta, com um filme polêmico, que vem mostrar a polarização do Brasil, como ela se dá, como ela se estrutura, a luta por democracia é uma conversa com o mundo, é um diálogo com o mundo. O mundo está passando por isso. O reflexo do que está acontecendo em relação ao tema do filme está ofuscando o grande feito da Petra. Estamos falando justamente disso: é uma mulher, é uma brasileira, para chegar a concorrer ao Oscar de Melhor Documentário, nós tínhamos que estar botando um tapete vermelho para ela passar aqui no Brasil. É grande feito mesmo que ela não ganhe, mas eu acho que ela tem grandes chances, do Brasil ter o seu primeiro Oscar e isso é uma coisa inédita, histórica, que nós temos que valorizar e aplaudir.”
“Não é fácil fazer um filme bom, o Brasil está de parabéns, olha nossa cultura, olha nossas políticas de incentivo à cultura e olha onde nós chegamos”, continuou ela, sobre o cinema brasileiro atualmente não ter quase incentivo do governo. “Imagina o que é uma campanha de Oscar para vencer um prêmio, a gente não tem esse incentivo. Em nome de polaridades, a gente não celebra o maior prêmio que a nossa arte pode ter, como vamos desdenhar de um feito como o da Petra Costa?”, questionou o público que não apoia a cineasta só por causa da temática do filme. “É muito pobre a gente desmerecer essa caminhada. É a mesma coisa que você dizer que [o documentário] For Sama não tem que estar lá. É a história de uma mulher dentro de Aleppo, grávida, e fazendo um filme para a sua própria filha. Por que deixa de ser importante se ela está criticando a guerra? Temos que ter tolerância, é uma coisa que está faltando. É um sentido que pode dar um olhar de grandiosidade que estamos vivendo. Esse momento de grandiosidade está sendo ofuscado por um não reconhecimento. Deve doer muito para quem não tem o mínimo de tolerância, ver a vitória dessa mulher e a conquista dela, onde ela chegou. Realmente deve incomodar muita gente”, lamentou.
“Quem fala em polarização não está percebendo o quanto [Democracia em Vertigem] é além disso. O filme é tão além disso, é além do Brasil, e é por isso que ele está no Oscar. Quantos documentários do mundo poderiam estar ali e o da Petra foi. Eu torço muito por Petra Costa e a democracia está em vertigem no mundo, ela está falando de uma coisa que o mundo está respirando. Você acha que isso não é atual? Que não merece aplausos? Você pode até criticar o filme, dizer que gostou ou não gostou, agora o fato de você não estar contente e feliz que o Brasil está entre os melhores documentários do mundo… poxa, então você não é brasileiro”, e completou:
“Todos os meus aplausos para Petra. Estou torcendo e espero poder anunciar, na transmissão do Oscar essa vitória e ver Petra subindo no palco. Eu estou muito orgulhosa do cinema brasileiro. O cinema brasileiro resiste, ele insiste, ele se reinventa, ele é um fenômeno da cultura brasileira”.
Presença feminina na premiação
Paes também notou, que só dos filmes e diretoras esnobadas — citados anteriormente — existirem na indústria cinematográfica, já é um avanço. “O Oscar, como a sociedade em geral, estamos nos adaptando ao amadurecimento que clama por uma igualdade de gênero. [...] Quando se fala de arte, a gente também pleita esse lugar e acha que todos os filmes poderiam estar entre as categorias principais. Mas só o fato de vermos, por exemplo, três filmes que poderiam estar ali, acho que podemos ver sinais de avanço”, disse Paes, lamentando também que o filme Nós, seu diretor (negro) Jordan Peele e a atriz principal (negra) Lupita Nyong'o também foram esnobados. “Houve um avanço, acho que uma [dessas diretoras] poderia ter sido incluída em uma das categorias principais, mas a vemos isso menos na seleção, que essas mulheres são a representatividade, isso mostra que estamos caminhando e nós não vamos esmorecer enquanto essa desigualdade, tanto de gênero, quanto de raça, puder existir”.
Para a atriz, cujos próximos projetos incluem Veneza e Pureza, o cinema tem abordado cada vez mais histórias de mulheres verdadeiras. “Esse olhar feminino e feminista em relação em cinema é um assunto em voga, não tem como fugir desse assunto. Nós, atrizes, não queremos fazer papéis só de apaixonadas. Queremos uma liberdade pós-romântica em relação às personagens femininas. Isso é uma tendência muito grande do cinema: romantizar as mulheres sempre. E eu acho que a nova era dos filmes que vemos hoje no Oscar conta com isso, com essa nova legitimação. Não é sobre mulheres fortes. São mulheres como nós somos, não necessariamente ligadas a um romance”, afirmou ela, comentando que alguns filmes que assistiu para a premiação vão influenciá-la emocionalmente em papéis futuros que for interpretar.
“Isso é um reflexo que não tem volta, nós mudamos nesse sentido. Quem precisa mudar são as lentes machistas que, infelizmente, existem por conta de criação de anos e anos em que a não tínhamos educação apropriada para a realidade que vivemos. Uma sociedade em que a maioria das mulheres sustenta seu próprio clã familiar, uma sociedade feita por avós e mães, que faz parte da criação dos seus filhos, é um tempo de amadurecimento”, completou.
Representatividade
A atriz notou que, apesar de o Oscar 2020 não ter muitos filmes dirigidos por mulheres, traz produções que refletem a diversidade do mundo. “Tem fala melhor do que a do Bong Joon-Ho, diretor de Parasita, do que o mundo se adaptar às legendas é um mundo incrível, além das legendas, a ser descoberto pelos americanos, pelo mundo?”, relembrou o discurso do cineasta no Globo de Ouro. “Vamos praticar a ler legenda. Abrimos um universo, rompemos fronteiras, a celebramos as histórias de quem quer que seja. Parasita é um filme que reflete a diversidade do mundo. É uma luta de classes: aqueles que são privilegiados e aqueles que não têm privilégio nenhum, essa é a realidade do mundo. Além de tudo diverte, emociona e adverte”, elogiou.
“O cinema sempre pautou o mundo”, comentou Paes. “E agora, por que não, o cinema ter um papel de realinhar o que deveria ter sido alinhado na Semana Modernista, de arte moderna aqui no Brasil, onde já tinha essa disposição. Quanto tempo a gente demora para amadurecer a sociedade em torno de um tema? O respeito que a gente tem pelas diversas possibilidades de gênero, orientação sexual, enfim, o mundo em pauta, as novas demandas em pauta no mundo e no cinema”, ponderou.
Transmissão
Paes participará da transmissão do Oscar 2020 pela Globo pelo terceiro ano seguido, ao lado de Maria Beltrão e Artur Xexéo. A atriz revela que sente um “gostinho de jornalismo” ao” assistir aos filmes”, “ter uma relação crítica com eles” e mesclar sua opinião com a sensação como espectadora. “Isso me amadurece muito como profissional, eu me sinto privilegiada de poder ter a oportunidade de fazer essa análise tão direcionada para a premiação”. Dira aposta que 1917 vai levar o prêmio principal, apesar de não ser o seu preferido na categoria.