Recém-indicada ao Oscar 2020 na categoria de Melhor Documentário com Democracia em Vertigem, filme que narra todo o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a diretora Petra Costa representa o Brasil em uma edição, no mínimo, interessante. Ao mesmo tempo que não tenha indicado nenhuma mulher a Melhor Direção, a categoria na qual Costa se encaixa possui mulheres codiretoras em quatro dos cinco documentários selecionados.
Também é preciso destacar que, após quatro anos sem que um filme brasileiro marcasse presença na premiação mais conhecida do cinema (que aconteceu pela última vez com a animação O Menino e o Mundo, em 2016), a indicação que Democracia em Vertigem recebeu já é uma conquista a ser comemorada.
Em entrevista exclusiva para o AdoroCinema, Petra Costa afirmou estar extasiada com a grande notícia, divulgada hoje (13) pela manhã. "Para mim isso é algo muito importante, ainda mais em um ano em que não temos nenhum filme latino-americano indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Ser o único filme brasileiro, podendo representar este momento em que a democracia brasileira está vivendo uma crise profunda - e a democracia mundial também - é uma alegria muito grande."
A diretora de Elena e O Olmo e a Gaivota não deixou de comentar a discrepância entre homens e mulheres na premiação, que além de não ser nenhuma novidade, não trouxe mudanças realmente visíveis ao longo dos anos. Com exceção de Kathryn Bigelow, vencedora do Oscar de direção por Guerra ao Terror em 2008, nenhuma diretora chegou a conquistar a estatueta dourada. Para Costa, a presença de um maior número de diretoras no mercado cinematográfico independente (o que inclui, sobretudo, documentários) tem um motivo muito claro.
"Eu acho que é um resultado de que documentários em geral têm tido uma presença muito mais representativa de cineastas mulheres historicamente, porque você não depende tanto de produtores e homens brancos te escolherem e te colocarem nesta posição. Então, a categoria de Melhor Filme não é mais representada por mulheres. Mas eu acho que [o resultado] também tenha a ver, eu imagino, com a ala da Academia responsável por selecionar documentários, na qual felizmente eu faço parte, e que talvez tenha sido mais bem sucedida em seu trabalho de se tornar mais representativa em pouco tempo", diz.
Sobre a recente declaração do presidente Jair Bolsonaro, na qual ele questionou a qualidade dos filmes feitos no país, Petra Costa acredita que essa seja uma informação completamente fora da realidade: "É um desrespeito, uma afronta a todos nós cineastas brasileiros que tivemos o melhor ano das últimas décadas em 2019. Karim Ainouz [A Vida Invisível] e Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles [Bacurau] estrearam no Festival de Cannes, Karim recebeu um prêmio da crítica e o Un Certain Regard - algo que não recebíamos há décadas. Inclusive, nas salas de cinema também foi um ano muito bom para as nossas bilheterias. Acho tão trágico esse tipo de ataque porque ele não só faz mal para a cultura, para a ética deste país, como também para a economia deste país. O cinema produz muitos empregos, então é uma tragédia que afirmações tão negativas sejam feitas."
Quando perguntamos o que considera necessário o Brasil ter para conquistar uma nova indicação a Melhor Filme Estrangeiro em futuras edições do Oscar, a diretora indica que é necessário mais atenção aos comitês votantes da premiação: "Eu não conheço muito como se forma o comitê de filme estrangeiro, mas acho que este comitê já deixou muito a desejar em outros anos. Não premiaram Cidade de Deus ou indicaram O Som ao Redor, Aquarius... É necessário uma atenção muito especial a este comitê para ele realmente ser representativo, porque isso pode acabar asfixiando filmes que poderiam ter um potencial muito grande em alcance."
Sobre o grande vencedor do Oscar 2020, Costa afirma que ainda precisa colocar toda a lista de indicados em dia - mas por um bom motivo. "Posso falar melhor sobre isso daqui a umas semanas pois eu realmente me concentrei muito e assisti apenas aos indicados à categoria na qual eu voto, que são os documentários - tanto curtas como longas", explica. Vale lembrar que Democracia em Vertigem concorre ao prêmio ao lado de documentários como Honeyland, American Factory e For Sama.
E, por mais que o documentário tenha sido lançado em junho de 2019, sua narrativa ainda se mantém atual. Quanto a mensagem que o filme traz e ainda trará a futuras gerações, a diretora reflete: "Eu acho que a principal mensagem do filme é a de que a extrema direita vai crescendo subterraneamente, e o que ela traz de diferente é um efeito, uma afronta completa ao estado de direito da democracia. É um fenômeno global que não só está pondo em risco nossos direitos humanos como também os direitos do planeta. Estão destruindo a Amazônia aqui, firmando um acordo climático nos Estados Unidos... estão destruindo a nossa capacidade de sobrevivência. Precisamos frear esse genocídio que a extrema direita insere no mundo neste momento", afirma.
Democracia em Vertigem está disponível na Netflix e a cerimônia do Oscar 2020 está marcada para acontecer no dia 09 de fevereiro.