Estar diante de Billy Dee Williams é sentir a presença de uma verdadeira entidade do universo Star Wars. Seja nos trejeitos mansos, na elegância dos trajes ou na maneira serena de se expressar, o ator norte-americano de 82 anos parece incorporar perfeitamente a essência de Lando Calrissian, o personagem que o tornou famoso na trilogia original -- em O Império Contra-Ataca (1980) e O Retorno de Jedi (1983) -- e que retorna agora, no recém-lançado Episódio IX: A Ascensão Skywalker.
Apesar de rápida, a presença icônica de Lando tem sido celebrada como um dos grandes achados do novo filme. Williams, por sua vez, performa o contrabandista aposentado com destreza e carisma nos poucos minutos que está em cena. Chega a ser um deleite para os antigos fãs vê-lo disparando galanteios remotos a Leia (seu crush de filmes anteriores) ou comandando as forças da Resistência a bordo da Millennium Falcon, a nave que um dia lhe pertenceu (e a qual perdeu para Han Solo em uma partida de sabacc, conforme visto em Han Solo - Uma História Star Wars, quando Lando foi interpretado por Donald Glover).
Em agosto passado, o AdoroCinema esteve em Los Angeles e conversou com exclusividade com o ator sobre seu retorno à franquia Star Wars. Os primeiros minutos da entrevista foram gastos com Williams falando sobre sua paixão por música brasileira, tentando se lembrar do nome de um músico do qual foi amigo nos anos 1970 e sobre as diversas vezes que foi convidado a visitar o nosso país. "A última vez foi há dois anos, mas por alguma razão não consegui ir", ele conta. "Mas eu vou pra lá da próxima vez."
AdoroCinema: Foi ótimo saber que você iria retornar para a saga. Porque quando assistimos a Episódio VII, parecia haver algo faltando ali, já que Mark Hamill, Harrison Ford e Carrie Fisher apareceram no filme, mas você não...
Billy Dee Williams: [Interrompe] Você tem sangue asiático, não tem?
AC: Sim, sou metade japonês e metade português. É algo bem comum no Brasil. Mas, voltando: você consegue comparar os sentimentos de fazer parte dessa história nos anos 1980 com hoje em dia? Porque quando surgiu, Star Wars era o que havia de maior na cultura pop. E atualmente, a franquia não está mais sozinha: temos os filmes da Marvel, os videogames, a internet… Então, imagino que a sensação para você seja diferente?
BDW: Bom, sabe, para começar, eu acho que há uma diferença entre ser o “número 1” -- porque números 1 vem e vão -- e ser o primeiro e se tornar algo icônico. E toda essa coisa de Star Wars teve um início que foi histórico. Foi um início histórico. E isso conseguiu tocar as vidas das pessoas até hoje. É uma experiência icônica.
Mas eu acho que é uma história que tem muitas camadas. E essas camadas meio que se expressam muito nas camadas da vida, em termos de o que acontece em cada um de nós e em como lidamos com nós mesmos e com as coisas fora de nós mesmos. Quero dizer, quando falamos sobre o "bem" e o "mal", toda essa questão de “lado bom” e “lado ruim”... isso é algo com que nós também lidamos ao nosso redor, mas com as quais também lidamos internamente. Então, mesmo que as pessoas não expressem isso da maneira como estou falando agora, eu acho que é algo que sempre esteve lá, que sempre fez parte da nossa luta, sabe? E isso tem muito a ver com o absurdo da experiência de viver.
AC: Isso é bastante profundo.
BDW: Pois então, eu penso que ver isso na tela, experimentado e falado por meio desses diversos personagens, é algo que entretém muito as pessoas. Existe uma dose de realidade que soa verdadeira de diversas maneiras para os espectadores, e de um jeito bem interessante. Bom, é difícil dizer como e por que as coisas tocam as pessoas, porque às vezes você é tocado e nem percebe como ou por que, ou nem pensamos nisso. Mas de alguma forma, é algo que sempre está lá.
AC: É interessante você falar sobre o impacto nas pessoas. Pessoalmente, Lando é meu personagem favorito em O Retorno de Jedi, por diversas razões. Uma delas é a sua interação com o copiloto alienígena Nien Nunb. Vocês têm diversos diálogos ao longo do filme e ele fala um idioma estranho, mas conseguem se comunicar perfeitamente. Eu lembro de ter assistido quando tinha 5 anos e de ficar intrigado: “Como ele consegue entender o que a criatura fala?” Além disso, eu adoro o seu grito de celebração depois de executar o disparo final na Estrela da Morte e fugir da explosão. Você falou sobre conseguir tocar as pessoas de maneiras que nem imagina, então aqui está.
BDW: Sim, é verdade, aquele exato momento, aquele simples momento... “Ahhhh, yeah!!!” [imita Lando]. Aos poucos, eu fui descobrindo que há muitas pessoas realmente tocadas por isso -- não tocadas, mas que de alguma forma respondem a essa cena. E eu ficava, tipo: “É mesmo? Sério?” [risos].
AC: E para você foi apenas mais uma cena em mais um dia de trabalho.
BDW: Mas é um momento de triunfo, então acho que as pessoas sentem isso.
AC: Com certeza. E o que você acha que Lando ficou fazendo durante esse período de “aposentadoria”? Eu imagino que você deve ter pensado no que o personagem estaria realizando nesses últimos 30 anos. Será que o que imaginou foi muito diferente do que realmente aconteceu com ele?
BDW: Eu sempre imaginei o Lando sendo tipo o [empresário] Steve Wynn, mandando em Las Vegas. Yeah. Ele é um super-supremo anfitrião. Era assim que ele era quando vivia em Bespin, na Cidade das Nuvens. E é desse jeito que eu sempre pensei nele.
AC: No período após O Império Contra-Ataca, você se lembra de ter sido abordado negativamente por fãs que o consideravam um traidor, por Lando ter entregue Han Solo a Darth Vader? E mesmo tendo revertido a situação no filme seguinte, as reclamações continuaram depois?
BDW: Eu contei essa história para alguém um dia desses. Uma vez fui buscar minha filha na escola quando ela era pequena, e algumas crianças chegaram em mim dizendo “você traiu Han Solo!”. Lá estava eu, no meio do pátio da escola, tentando explicar e justificar os atos do Lando. Aconteceu a mesma coisa quando eu estava em voo e uns estudantes vieram me abordar: “Você traiu Han Solo!”. E lá estava eu parado no meio do avião, tentando explicar toda a situação.
Mas é interessante que na época as pessoas eram apaixonadas pelo Han Solo por causa do primeiro filme [Episódio IV: Uma Nova Esperança]. Daí surge esse cara, que é praticamente arremessado no meio da situação e dá pinta de ser um inimigo. Um inimigo charmoso, adorável, bem parecido com o Han Solo. E de repente, as pessoas que torcem pelo Han Solo não querem que alguém faça mal a ele. Então os fãs não examinaram toda a situação em que esse cara se encontrava. O velho amigo dele está chegando junto com outros amigos, só que o Darth Vader está chegando também. E ele precisa fazer um acordo com Darth Vader para impedir a destruição completa de seu amigo. Mas ele também estava tentando salvar sua própria situação. Ninguém examinava toda a situação que havia em torno de Lando. Então eu sempre me encontrava meio que tentando explicar isso para as pessoas. Só que agora, eu cheguei a um ponto em que simplesmente digo: “Ei, pelo menos ninguém morreu, certo?” [risos].
AC: As pessoas sempre citam o “charme” de Lando, e até você mesmo já disse que essa é a maior qualidade do personagem. O que isso significa na prática? O que é exatamente o charme de Lando Calrissian?
BDW: Bom, para mim, isso é o que é o personagem. Ele é um cara muito charmoso, mas é um jogador. É um anfitrião. É um amante. É um fanfarrão. É um indivíduo maior do que a vida. E era isso que eu queria dizer ou expressar por esse personagem. E sabe como é, eu sempre pensei que quando se interpreta um personagem dúbio, você deve se lembrar de uma coisa: vai ter alguém que vai gostar dele. Não importa o que ele faça, mesmo que seja negativo, vai ter alguém que irá amá-lo. E você precisa se perguntar: por que eles o amam? Porque ninguém é completamente ruim, a não ser que tenham problemas realmente enraizados que possam vir a superar.
Estrelado por Daisy Ridley, Oscar Isaac, John Boyega, Carrie Fisher e Billy Dee Williams, Star Wars: A Ascensão Skywalker já está nos cinemas. Leia aqui a crítica do AdoroCinema.