Há algumas semanas, era praticamente impossível desconsiderar a possibilidade cada vez mais expansiva de que A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, pudesse dar ao Brasil a oportunidade de figurar entre os cinco concorrentes principais na categoria de Melhor Filme Internacional, no Oscar. Enquanto isso, Democracia em Vertigem, de Petra Costa, corria como uma aposta também forte, apesar de paralela. Mas as coisas mudam rápido.
Recentemente, a assessoria da premiação divulgou a pré-lista de indicados e, apesar da sentida ausência da obra estrelada por Fernanda Montenegro e produzida por Rodrigo Teixeira, o documentário de Petra reforçou sua relevância internacional ao marcar presença dentre obras como Honeyland e The Apollo, fortes concorrentes na categoria de Melhor Documentário.
No entanto, quais são as chances concretas de que um produto essencialmente nacional conquiste uma vaga dentre os grandes concorrentes finalistas na 92ª cerimônia de entrega dos Academy Awards? Separamos aqui um breve guia com as estatísticas, precedentes históricos e recepção mundial ao filme de Petra Costa, e aproveitamos também para falar sobre como A Vida Invisível — tanto quanto Democracia em Vertigem — pode ajudar a (re)abrir um caminho de ascensão do Brasil em grandes premiações internacionais. Vamos lá!
VERTIGEM
Além de ser uma das documentaristas brasileiras de maior prestígio no momento, Petra Costa começou a ganhar mais atenção por festivais internacionais já após a realização do conceituado Elena, em 2013. Partindo de uma perspectiva única e singela, o primeiro longa-metragem de Petra saiu-se vencedor do Films de Femmes, na França, e do Festival de Havana, em Cuba.
Sua aclamação internacional ganhou mais força após a realização de O Olmo e a Gaivota e também na participação no drama Ninguém Está Olhando. O que nos leva diretamente a Democracia em Vertigem. Ganhando força por sua distribuição feita pela Netflix, o longa parte de uma mistura muito bem orquestrada entre a trajetória familiar de sua realizadora e a situação política do país no que tange ao Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Unindo a temática socioeconômica de apelo "universal" ao prestígio da documentarista, não seria difícil imaginar um cenário no qual Democracia em Vertigem consegue conquistar um lugar dentre os finalistas. No entanto, é preciso analisar também o cenário dos possíveis concorrentes.
Enquanto alguns dos mais elogiados até agora vão se firmando como apostas praticamente certas, Democracia em Vertigem luta para superar a barreira da dificuldade de lobby internacional, e ainda precisa superar Privacidade Hackeada, que também acaba falando sobre questões políticas, porém, neste caso, associando-as ao perigo das fake news. Vale lembrar, aliás, que a última eleição presidencial também é citada ao final do documentário norte-americano.
INVISIBILIDADE
Havia, com toda razão, uma certa expectativa em relação a campanha de A Vida Invisível no Oscar. A facilidade da compreensão de seu tema para públicos de todos os países — ao contrário do tom ambíguo do também excelente Bacurau —, a presença de peso da Fernanda Montenegro, a produção de Rodrigo Teixeira, a aclamação internacional... tudo parecia encaminhado, ao menos, para uma indicação na pré-lista.
Muito se fala sobre como a maior complicação para que filmes nacionais cheguem a ser cogitados no Oscar é justamente a dificuldade de uma distribuição palpável. Segundo muitos especialistas de mercado, o desafio não é fazer um filme de alta qualidade, e sim conseguir refletir esse posicionamento comercial nos circuitos norte-americanos e europeus. Coisa que, inclusive, a Amazon vinha fazendo relativamente bem com A Vida Invisível.
No entanto, mesmo com sua ausência na pré-lista, A Vida Invisível faz parte de uma onda responsável por trazer uma exibição de maior porte às obras do nosso cinema. E isso está diretamente ligado aos próximos anos do nosso cinema.
FUTURO
Bacurau, Democracia em Vertigem e A Vida Invisível, que foram as três obras mais citadas nesta matéria, somam cerca de 50 indicações internacionais. Entre vitórias no aclamado Festival de Cannes e a presença na conceituada lista de melhores do ano do New York Times, estamos demarcando terreno internacional em um momento tão delicado para produções autorais.
E o mais importante de tudo: levando temáticas substanciais e relevantes do nosso próprio cenário socioeconômico. Bacurau expõe questões imperialistas de maneira ácida; Democracia em Vertigem remonta um dos momentos políticos mais importantes de nossa história; A Vida Invisível reforça como o machismo e a invisibilização da mulher é estrutural e ainda presente.
E ainda tem muito mais de onde saiu isso. Agora é ganhar o mundo.