Em Os Dias da Baleia, a história que nos é contada se dá através do olhar da jovem Cristina (Laura Tobón), que vive em um bairro de classe média com o pai e vê na arte urbana uma forma de extravasar seus sentimentos - além de ser seu principal passatempo e sua verdadeira vocação.
Ao mesmo tempo, o filme da diretora colombiana Catalina Arroyave Restrepo utiliza figuras de linguagem (como a baleia do título) para evidenciar problemas reais das pessoas que vivem na cidade de Medellín. Tudo isso dentro de uma roupagem colorida, jovial e que mais se encaixa como um filme coming of age, em que o auto-conhecimento da protagonista acompanha a narrativa.
Para apresentar e discutir com o público seu novo projeto, Restrepo é uma das diretoras convidadas que está em São Paulo durante a 43ª Mostra Internacional de Cinema. Confira nosso papo exclusivo abaixo:
AC: O que a baleia, seja no título ou no muro em que o animal é pintado, representa no contexto geral?
Medellín é uma cidade rodeada de montanhas. Então, ninguém nunca pode imaginar que uma baleia apareceria nas ruas de uma cidade como essa. Penso na baleia como um símbolo, uma forma interessante de colocar um animal extremamente improvável numa cidade como a minha. Todo mundo poderia enxergá-la, mas isso não acontece no filme. O que acontece é todos ignoram a baleia, e essa é uma ótima metáfora ao que acontece nesta realidade complexa que existe e é ignorada pela cidade - embora todos saibam que ela (a baleia/o problema) está ali. Além disso, a baleia representa o espírito dos protagonistas: por isso ela está viva no início e, depois, começa a morrer. Mas ao mesmo tempo em que ela morre, ela revive no muro que os protagonistas pintam, na arte que produzem juntos. Acredito que isso era o que eu mais queria falar; sobre essa coisa que você passa a perder quando inicia seu próprio processo de amadurecimento, quando seu espírito inocente vai em direção à realidade.
AC: E a baleia também pode ser vista como uma metáfora para o conflito que existe no filme, sobre as intrigas entre gangues e artistas de rua...
Sim, exatamente. O mundo, para mim, é como um animal mítico - assim como a baleia. É gigante e lindo por dentro, é maternal. Ele é como uma mãe que viaja e migra de lugar para lugar. Todos estes elementos circulam o universo que eu compus no filme. Quis inserir esse elemento (que também é político pela questão do conflito entre os jovens) que pode se encaixar fora do realismo, com o dia a dia da cidade e etc...
AC: Como você trabalhou a dupla de protagonistas?
Bem, antes de mais nada gostaria de dizer que eles são atores não-profissionais. É a primeira vez em que atuaram em um filme. Eles também não sabem como pintar, mas tenho que dizer: eles são extremamente talentosos. Espero que continuem a atuar no futuro! E o mais engraçado é que Laura e David Orrego são melhores amigos na vida real. Quando estávamos no período de casting e eu já estava interessada em escalar ambos por suas características, eles simplesmente chegaram juntos ao teste. Fiquei chocada quando eles disseram que já se conheciam há muito tempo. Simplesmente era para ambos estarem ali. Foi ótimo trabalhar com Laura e David pois a dinâmica entre os dois é muito real, assim como o jeito de se olharem e de falarem um com o outro. O filme fala sobre muitas coisas, mas seu coração se encontra no fato de como se relacionar com o amor e a cumplicidade à medida que você cresce... E como o modo de se relacionar com quem você ama pode aumentar sua coragem com relação ao mundo.
AC: "Os Dias da Baleia" é um coming of age e, de certa forma, a cidade é como se fosse a terceira personagem principal da história. Por que você escolheu dar bastante foco à cidade?
Sempre quis que a cidade fosse um tipo de protagonista, sim. Ao longo do processo de escrever o roteiro, passei a enxergar Medellín de uma maneira que me deixou realmente chocada. Há gangues criminosas por todos os lados da cidade, que controlam diferentes regiões. Eu nunca havia passado por nenhum tipo de situação com essas gangues, mas quando tive de olhar com meus próprios olhos essa realidade a fim de dar vida ao filme, tive de me confrontar perante a tudo aquilo. Senti que precisava falar sobre o assunto urgentemente. Foi aí que a dupla de protagonistas entrou no roteiro. Inseri os dois naquele contexto, e o grafite me pareceu a forma perfeita de falar sobre o crescimento pessoal das personagens juntamente com o controle das gangues. Há também espaço para falar de primeiras paixões, mesmo dentro de um contexto político e social.
AC: Durante o processo do filme, alguma vez pensou em fazer um documentário ao invés de uma ficção?
Bem, se escolhesse seguir por um caminho documental eu jamais poderia incluir a baleia (risos). Então eu fiz o que mais me pareceu certo para mim mesma. A realidade é uma fonte importante de inspiração para a criação. Mas eu também acredito que o que existe dentro dos seus sentimentos, memórias e do que você tem medo - isso é uma fonte muito forte para criar histórias. E isso não precisa ser necessariamente algo que vem de fora, mas de dentro. Por isso me interesso tanto pela ficção, porque eu posso misturar elementos que resultem em algo que dê margem à discussões.
Confira a programação da 43ª Mostra clicando aqui.