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    Mostra SP 2019: "O cinema nunca será uma propaganda", diz Renata de Almeida, diretora do festival

    Mesmo com corte de patrocínio da Petrobras, 43ª edição da Mostra conta com mais de 300 filmes na programação.

    Em 2018, na 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a Petrobras já havia cortado 50% do patrocínio dedicado ao festival. Em abril deste ano, o corte anunciado foi integral e isso assustou a muitas pessoas. "A Mostra vai acontecer, afinal?". Renata de Almeida, diretora do festival desde a 13ª edição, sempre garantiu que sim, não importando o tamanho.

    Felizmente, tudo saiu como o planejado: a 43ª Mostra não só vai acontecer como também conseguiu manter uma boa proporção em termos de número para o público cinéfilo. São mais de 300 filmes (60 deles brasileiros), além de uma programação que conta com filmes em realidade virtual, sessões especiais no Theatro Municipal de São Paulo e longas pré-indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O festival acontecerá de 17 a 30 de outubro.

    Em entrevista ao AdoroCinema, Renata de Almeida falou que, não importa o desafio que acaba de passar, ela e sua equipe já passaram por momentos ainda piores. E que também pensou em aderir ao crowdfunding no período de incertezas com relação ao orçamento do festival. Confira:

    AC: A Mostra conseguiu manter uma programação consistente mesmo em um ano cheio de desafios. Qual foi o maior deles? 

    Renata: O desafio mesmo foi colocar o orçamento em pé, conseguir ficar próximo do que era. A Petrobras saiu, então tivemos que redimensionar um pouco. Também houve muita incerteza no meio do caminho com a Lei Rouanet, que demoraram para definir como seria a nova Lei de Incentivo à Cultura, aí quando saiu a Lei tudo caminhou mais fácil. O caminho mais difícil é esse: entender que tamanho a Mostra pode ter com o orçamento disponível. Foi o processo mais desgastante este ano, mas conseguimos recuperar uma boa parte e eu acho que a Mostra está bem forte.

    AC: Você está no comando da Mostra desde sua 13ª edição; então, já houve situações piores do que esta em 2019?

    Renata: Ah, muitas! Na 14ª foi o ano do plano Collor. Todo mundo ficou sem dinheiro. A Mostra foi pequenininha, sem Lei de Incentivo. Mas tudo o que fomos conseguindo de patrocínio foi se revertendo ao público. A Mostra não tinha legendagem em português e, assim, conseguimos ter legendagem eletrônica. Não tinha os fóruns também. Nos anos em que o processo foi mais fácil, que os patrocínios eram garantidos de um ano para o outro, a gente trabalhava com mais segurança. No último ano, como todos já sabem, a Petrobras já havia cortado em 50% a verba do patrocínio, então já estávamos esperando por algo pior em 2019.

    AC: Este ano também vimos alguns festivais aderindo ao crowdfunding, como o Festival do Rio, que quase foi cancelado, e o AnimaMundi. O que você pensa sobre este método?

    Renata: Nesse processo este ano eu pensei em fazer crowdfunding, mas temos parceiros de muitos anos, não era só a Petrobras. Temos a Prefeitura de SP, o Estado, o Itaú, o Sesc... Então, tínhamos uma garantia que a Mostra iria acontecer graças a eles. Mas pensei em fazer algumas ações específicas, pois também sem a Lei de Incentivo (Rouanet) não teríamos o Itaú, que entra com o patrocínio através dela. Nessa época de incertezas eu cheguei a levantar a ideia, a pensar um pouco, mas não foi necessário este ano. Eu acho super válido o crowdfunding. E eu acho que você tem que fazer como é possível. Se o festival tem público, é importante é fazer de alguma maneira.

    AC: Não dá para saber como o cenário do cinema brasileiro ficará daqui uns anos. Mas você diria que, sem verba e suporte da Ancine, o número de longas diminuirá? Como os festivais de cinema podem se preparar para uma possível redução das produções?

    Renata: Quando fecharam a Embrafilme, teve um ano de um ou dois filmes brasileiros sendo feitos. Mas não acho que chegará a esse ponto. Primeiro, mesmo as pessoas do atual governo já perceberam que o cinema tem a função de empregar muita gente. É trabalho quase de um Itamaraty, de levar o nome do Brasil para fora. Talvez não do jeito que eles querem, e isso eu acho que pode ser um pouco confuso. Levar o nome do Brasil para fora não significa não falar nada de ruim. E no cinema, as histórias são feitas de conflito. No cinema, na literatura, existe o conflito. Muitos filmes são sobre problemas, opiniões diferentes, mas não importa. Mesmo se você acha que: 'Ah, está mostrando esse lado ruim do Brasil', não importa. O cinema está levando o nome do Brasil. E um país que tem consciência do que está acontecendo é um primeiro passo para tentar mudar. Você criticar alguns aspectos do seu país não te faz menos patriota. Você quer que melhore, está apontando o holofote para um problema que existe. Então, eu acho que existe um pouco de confusão nessa área. O cinema nunca vai ser uma propaganda. Para isso, que peguem as agências para fazer esse trabalho e levar a imagem do país como uma propaganda.

    Mas acho que está tendo um processo, não acho que vai voltar a ser como era na fase da Embrafilme. Temos muitos profissionais trabalhando no meio, e esse ano foi extraordinário para o nosso cinema. Muitos filmes foram para fora, ganhamos prêmios... Acho que está acontecendo uma solidariedade internacional com o cinema brasileiro. Temos que ter consciência e eu acho que a classe está se movimentando porque ninguém tem bola de cristal. No Fórum da Mostra vai ter um dia com uma mesa chamada "Cinema Brasileiro: Por que o cinema é tão frágil?' e na seguinte uma mesa: "Cinema Brasileiro: Por que é tão forte?". Ao mesmo tempo que temos uma fragilidade de questões políticas e legais, este é um cinema forte. O cinema brasileiro está forte e muita coisa vai acontecer. O que eu acho que temos que fazer é aceitar o diálogo, que de alguma forma tem que ter, e achar os pontos em comum.

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